Tuesday, 1 November 2011

Os perigos que nos devem despertar

Pelas caras de muitos deles viu-se que são pessoas que lutam desesperadamente para se manter em vida, e que por isso, cansados das derrotas que as dificuldades do dia-a-dia lhes infligem e lhes afligem, são pessoas sensíveis e susceptíveis de tudo fazer para atingirem os seus intentos. São o que se chama um barril de pólvora, fazem manifestações para que a polícia lhes dê pretextos para vomitarem a sua ira e desencadear violência.


Todos os dias, multiplicam-se notícias de novos investimentos no país, de uma maior estabilidade dos indicadores macroeconómicos, de números que evidenciam que Moçambique é um país que está a mudar, para melhor; que mostram que Moçambique é um país que se recomenda no concerto das nações como um bom lugar para viver e fazer negócio. São factos irrefutáveis, que nos devem orgulhar como moçambicanos, e que nos colocam patamares acima de muitos países africanos.
Mas como não há bela sem senão, há também sintomas sociais que são preocupantes, que é preciso dedicar-lhes toda a atenção, porque podem deitar abaixo todas as coisas boas que conquistámos. Um deles deu-se esta semana. Ou melhor, voltou a manifestar-se esta semana. É o assunto dos antigos combatentes.
O Governo insiste que da sua parte o assunto está resolvido, que mandou aprovar o Estatuto dos Combatentes, no Parlamento, e que o resto não lhe diz respeito. Mas nem sempre a aprovação de uma lei resolve, verdadeiramente, um problema. O dossier dos antigos combatentes é disso exemplo. Para muitas daquelas pessoas não lhes diz, rigorosamente, nada a existência de uma lei, sobretudo porque não atinge o fim que os preocupa e que, no fundo, levou à aprovação daquela lei.
Na verdade, ensinou-nos a vida que uma lei só conta quando vai ao encontro dos anseios das pessoas. Como se tem visto até agora, o Estatuto dos Combatentes, aprovado, recentemente, não se enquadra no contexto dos anseios dos antigos combatentes. O que quer dizer que investimos tempo e recursos para criarmos uma lei que visava resolver um problema, mas continuamos, em rigor, com o problema que queríamos resolver.
Os antigos combatentes querem um subsídio que garanta o mínimo da sua sobrevivência. O país não está em condições de dar esse mínimo. Os antigos combatentes prometem dar luta até onde puderem para ter o que acham ser justo. O Governo insiste que não pode dar mais do que aquilo que não tem. Os antigos combatentes dizem que o Governo tem mais do que oferece, mas não lhes dá porque já não têm a mesma utilidade que tinham, quando combateram.
O problema é que os antigos combatentes são um potencial de instabilidade muito grande e, como se viu pela reacção do próprio Governo, esta semana, o próprio executivo reconhece que podem fazer mossa, daí a ideia de mobilizar todo um aparato de segurança para os controlar.
Só que a via repressiva não parece suficiente para resolver o problema, como já se viu até agora. Pelas caras de muitos deles viu-se que são pessoas que lutam, desesperadamente, para se manter em vida, e que por isso, cansados das derrotas que as dificuldades do dia-a-dia lhes infligem e lhes afligem, são pessoas sensíveis e susceptíveis de tudo fazer para atingirem os seus intentos. São o que se chama um barril de pólvora, fazem manifestações para que a polícia lhes dê pretextos para vomitarem a sua ira e desencadear violência.
Estas pessoas têm pouco a perder, estão convencidas de que têm a razão do seu lado e conseguiram transmitir a justeza da sua causa às esposas, viúvas e descendentes, que os arrastam consigo para as suas vigílias. E pelos números que se falam de antigos combatentes, pelo país todo, se esta mobilização for extensiva a todos, não há efectivos policiais que os segurem. A estes juntam-se os madjermanes, outro dossier mal fechado, e as muitas vozes que se começam a ouvir, questionando a distribuição e ou acesso desigual a recursos e oportunidades. Se todas estas sensibilidades dormentes, estas feridas mal saradas despertarem, que são um potencial de instabilidade enorme, aí teremos uma soma de pequenos problemas que irá dar num problema enorme. Por isso, urge encontrar uma solução para estes pequenos problemas antes que seja tarde.
O que aconteceu nas Palmeiras, há duas semanas – uma população em ira a atirar sobre tudo e todos, bloqueando a Estrada Nacional número 1 e paralisando, por um dia inteiro, a ligação entre o sul e o resto do país, é um exemplo que nos deve servir muito bem, uma prova de que não são precisos grandes pretextos para se desencadear actos gratuítos de violência, nos dias que correm. Muitos cidadãos não vivem esse outro mundo positivo dos números dos investimentos, das taxas de crescimento económico, das sucessivas descobertas de recursos, que deixam eufóricas as elites política e empresarial. Vivem o lado lunar destes modelo económicos, acumulando frustrações, no seu di-a-dia, à espera de pretextos banais para se rebelar. Para estas pessoas, a violência não visa apenas destruir o outro, mas é uma forma de exorcizarem as suas angústias.

Jeremias Langa, O País

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