Friday 4 November 2011

Finanças internacionais em crise ou o falhanço de um modelo económico?

Os resgates financeiros nos Estados Unidos e na Europa confirmam: a globalização não conseguiu salvar o capitalismo…

O modelo que governa as finanças internacionais parece cada vez mais moribundo e motivo de preocupação.
Os governos europeus neste momento estão a braços com um problema na zona do Euro que ameaça aquilo que se considerava uma moeda forte e de confiança internacional.
Se politicamente a União Europeia firmar-se com uma organização credível em que países se apresentam unidos por princípios e critérios sólidos bem como democráticos que servem de exemplo indiscutível para o mundo, no domínio da economia e finanças já o cenário é completamente diferente. A confiança no Euro está muito abalada.
Nos Estados Unidos, numa acção quase sem precedentes o governo americano interveio em peso para salvar empresas emblemáticas da bancarrota. Sem aquela intervenção a General Motors Corporation teria sucumbido.
As falências de empresas como a Enron há alguns anos atrás deixaram a mostra que grandes corporações actuavam dentro de esquemas em que dominava a engenharia financeira, fabrico de resultados financeiros falsos e um mundo em que princípios éticos “sagrados” eram constantemente violados.
A teoria de que o mercado é capaz de auto-regulação tem sido posta em causa pelas sucessivas crises que fustigam a arena financeira internacional.
Há uma realidade que dificilmente se pode negar. O capitalismo como forma de organização económica é uma opção válida mas não se pode deixar tudo nas mãos do mercado pois correm-se riscos que podem afectar tanto a estabilidade económica como política dos países.
As manifestações recentes na Grécia e Espanha são exemplo claros de as pessoas que se sentem excluídas e prejudicadas por um sistema de organização económica não hesitam em marchar pelos seus direitos.
A onda de manifestações nos Estados Unidos da América, denominada Wall Street reflecte uma posição de indignação e de desespero face a uma situação concreta.
Nas economias mais fracas e de menor dimensão as consequências já se fazem sentir. Se antes os valores doados ou entregues sob forma de crédito eram de pouca monta para as necessidades destes países, hoje há um recuo e atraso de entrega de fundos prometidos. Governos que baseavam a execução de programas importantes de infra-estruturas públicas agora têm de interromper trabalhos, adiar a sua conclusão ou até mês deixar de lado antes de se iniciar a implementação do projecto.
Modelos de funcionamento na esfera económica sempre foram motivo de divergências e não há experiência que não tenha os seus pontos fracos.
O capitalismo, proclamado o sistema mais apropriado para desenvolver os países, afinal já se tornou evidente que não é bem assim. Tem de sofrer grandes aperfeiçoamentos para se manter como o menos mau dos sistemas económicos, se ainda for a tempo de se salvar.
O capitalismo domina o mundo mas também o perverte na medida em que sua acção corrói os fundamentos da estabilidade internacional.
A sobrevivência das poderosas corporações é feita à base de intervenções que atacam a fibra das economias de muitos países. Partindo de uma posição de força e com o apoio de seus governos assiste-se a uma transferência geográfica de fábricas num esforço para aproveitar condições e ambientes que garantam maiores lucros. A mão-de-obra barata e o relaxamento legislativo, a inexistência de constrangimentos ao nível de leis ambientais, a possibilidade de exportação de capitais assegurada levaram a que a maioria das mais poderosas corporações industriais se instalasse na Ásia e em alguns “paraísos” africanos. Os seus lucros de facto cresceram mas isso teve reflexos inesperados pela negativa. O desenvolvimento dos países receptores de investimentos industriais no domínio das tecnologias de informação e comunicação é notável e o sucesso de alguns como a Coreia do Sul é apreciável.
Onde os investimentos foram feitos na indústria extractiva de minerais, carvão, petróleo há rasto pesado de retrocessos políticos e económicos.
Relações económicas e financeiras estabelecidas na base de acordos pouco transparentes viu-se toda uma série de grandes empresas como a Shell, BP, ExxonMobil Total, ENI invadirem tudo o que seja lugar a procura de petróleo e gás. Regimes políticos pouco democráticos aceitaram acordos claramente desfavoráveis a troco de parte das receitas sem terem em conta, nem o valor de mercado dos produtos explorados, nem os interesses de milhões de seus cidadãos.
Para que no ocidente se consuma cada vez mais a maioria dos habitantes da outra parte do mundo tem sido submetida a condições desumanas.
Quem por exemplo percorre urbes africanas onde exista uma população muçulmana, pode verificar em todas as sextas-feiras, uma marca inconfundível da miséria atroz em que vivem muitas pessoas. Filas intermináveis de pedintes assaltam passeios e posicionam-se em frente de estabelecimentos comerciais pertencentes a pessoas de fé islâmica – normalmente bem sucedidas nos negócios – esperando por um pedaço de pão. Mas estas urbes estão em países que exportam gás, petróleo, ouro, carvão, cobre, madeira, pescado.
Então o que está errado? O capitalismo traz e produz desenvolvimento desequilibrado? As crises financeiras que afectam os países são um produto directo de uma forma de relacionamento desigual e injusta? Para que se viva bem no ocidente isso tem de acontecer à custa do sacrifício do resto do mundo?
Se está claro que politicamente a democracia de inspiração ocidental representa um modelo que promove paz, estabilidade sociopolítica, também se está se tornando evidente que sem democracia económica as crises continuarão acontecendo a ritmos cada vez mais frequentes. No fim de contas a crise bate a porte de todas e nem os ricos sobreviverão se a indignação se tornar geral e endémica.
O enriquecimento de uns poucos por via da manipulação política e pela promoção de práticas pouco transparentes como o pagamento de luvas tem consequências gravosas para os países. Sem consumo não há desenvolvimento e se a maioria dos cidadãos aufere salários baixíssimos não pode adquirir o que as indústrias ocidentais, indianas ou chinesas produzem.
Se o custo pago pelas matérias-primas dos países emergentes é irrisório mas em contrapartida os produtos acabados são caríssimos, logo temos problemas.
Advogando a abertura dos mercados como forma de garantir o desenvolvimento é um slogan enganador porque na verdade enquanto uns abrem seus mercados, outros, os mais poderosos, continuam a subsidiar suas empresas.
Entretanto a globalização vai-se revelando, tem-se revelado uma fórmula que promove desequilíbrios.
As receitas de política económica oferecidas pelo FMI/Banco Mundial provocaram desastres em muitos países.
Quem acreditou nos especialistas e conselheiros internacionais com renome contribuiu para afundar países com recursos.
O “linkage” estabelecido pelos credores internacionais mais influentes sobre a necessidade dos candidatos a créditos aceitaram consultoria e assessoria de certas firmas credenciadas colocou muitos governos “entre a espada e a parede”.
O que os especialistas dizem, os contratos que desenham, os lobbies que fazem são quase sempre direccionados a garantir retornos elevados para os bancos credores e vantagens para companhias estabelecidas nos países de origem dos fundos.
Se Moçambique por exemplo não aceitasse as condições impostas pelos bancos chineses eles decerto que não financiariam a ponte Maputo-Katembe. Só que essas condições tendem a dar vantagens superiores aos credores. A chamada solução win-win dificilmente se traduz em realidade no panorama financeiro mundial. Os mais fracos acabam quase por perder mais do que ganham.
Quem a coberto de seu poder financeiro e com o apadrinhamento de políticos e governantes de países receptores de fundos externos, estabelece negócios fundados em plataformas que excluem ou não garantem benefícios para milhões de pessoas arrecada lucros fabulosos mas ao mesmo tempo insustentáveis.
Sucessivas declarações políticas com os conhecidos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, protocolos da Organização Mundial do Comércio e outras metas no contexto mundial não estão trazendo os resultados esperados ou desejados. Há uma distorção ou génese deformada neste sistema ou modelo económico.
Os governos são rápidos a socorrer empresas falidas tecnicamente e não hesitam quando tem que fazê-lo.
Só que a opção de “nacionalização” de corporações gigantes como Ford Motor Corporation, General Motors Corporation, feita com fundos públicos está em si contra os fundamentos do capitalismo. Então é legítimo afirmar que se princípios básicos de uma política económica não são respeitados, tal política já se alterou profundamente. Estamos perante um morto ou talvez um moribundo.
Quando alguns teóricos defendem o “fim da história” outros aparecem advogando que o mundo está numa encruzilhada requerendo um posicionamento adequado ou apropriado por parte dos governantes. Há responsabilidades inalienáveis para os governos. Gerir estes dossiers não tem sido fácil e ao sabor de saltos ou tentativas de soluções há sinais preocupantes de que a crise financeira actual tem o potencial de alterar o equilíbrio de forças ao nível mundial.
Emitir papel-moeda é uma manobra que alguns governos promovem mas a verdade mostra que suas economias já perderam fôlego e que a competitividade de alguns países ultrapassou as potências tradicionais ocidentais.
Se países como a China, segunda potência económica mundial, são um exemplo de capitalismo de estado baseado num controlo firme do ambiente político e económico, grande mercado de consumo, mão-de-obra tecnologicamente competente, investimento em espionagem industrial e em formação de técnicos altamente qualificados, esta opção dos chineses não resolve todos os problemas.
Logo que os países que exportam seus recursos minerais para a China entenderem que o custo final dos financiamentos chineses é demasiado alto e que seus países na verdade não usufruem do que poderiam se negociassem com maior clarividência, a economia chinesa corre o sério risco de sofrer uma contracção. Sem energia a China não pode funcionar e quem vende petróleo e carvão vai decerto aprender a valorizar seus recursos.
Mesmo que existam exemplos de sucesso que atestam a eficácia do capitalismo também não deixa de ser verdade que só estão livres de crise os países cujos governos adoptaram soluções equilibradas misturando benefícios do capitalismo e do “welfare state”. Uma economia mista em que o estado não deixa tudo nas mãos de privados, com forte mecanismos de controlo da manipulação e com poder de punir infractores e fraudes financeiras é necessária para viabilizar a economia mundial.
O caminho a percorrer é longo e penoso mas uma predisposição de governos e corporações partilharem ideias e actuarem no sentido de salvaguarda do que interessa às partes, é necessária e urgente.
O tempo em que as instituições de Breton Woods controladas maioritariamente pelos Estados Unidos da América ditavam e impunham regras já terminou. Mesmo os esquemas engendrados na Secretaria de Estado norte-americana que ditavam a deposição de governos na década de 1970, não conseguem repetir suas proezas.
Como resultado de uma evolução em todos os sectores da vida internacional mesmo a diplomacia dos canhões de faz-se de outra maneira.
O mundo está mudando profundamente mesmo que nem sempre isso seja perceptível.

Noé Nhantumbo, CANAL DE Moçambique – 02.11.2011, no Moçambique para todos

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