Thursday 5 November 2009

Sistema eleitoral moçambicano não favorece livre expressão do povo

– considera Luís de Brito, investigador e analista político do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE)numa análise preliminar destas eleições “25% das mesas de voto da amostra do Observatório Eleitoral em Tete registaram uma participação superior a 95% e, no distrito de Changara, das 5 mesas de voto observadas, nas 3 que registaram 100% de participação, o candidato da Frelimo teve 100% dos votos e nenhum dos outros candidatos teve nenhum voto, enquanto nas duas restantes, que registaram participações de 77% e 63%, o candidatos da Frelimo teve 95% e 96%, respectivamente”, refere o académico no seu estudo.

Elevados índices de abstenção na votação

Maputo (Canalmoz) – O investigador e analista político do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Luís de Brito considera que embora a vitória da Frelimo tenha sido, particularmente expressiva, o alto nível de abstenção registado nestas eleições diminui a legitimidade popular do governo, o que quer dizer que o governo eleito não goza da ampla e expressiva aprovação do povo moçambicano.
Independentemente das razões particulares de cada eleitor abstencionista, para Luís de Brito, “um nível tão alto de desafectação em relação ao voto, como o que se regista desde 2004, deve ser entendido como resultante, numa parte considerável, de um sistema politico e, especialmente, de um sistema eleitoral que não favorece a livre expressão das preferências dos cidadãos e a sua participação na definição da orientação política do País”.
Luís De Brito faz estas e outras análises no boletim do IESE referente a “Análise Preliminar do Processo Eleitoral 2009”, a que o Canalmoz teve acesso.

Mais abstenção nas regiões de influência da oposição

No seu Estudo, o investigador do IESA conclui que a abstenção nas presentes eleições teve maior incidência nas zonas de influência da oposição. O professor Luís de Brito refere que na distribuição da abstenção pelos círculos eleitorais, pode-se observar que o padrão já anteriormente identificado se repete, com abstenção acima da média nacional (56,3%) em províncias que historicamente eram mais favoráveis à oposição e abstenção abaixo da média nacional nas zonas de grande apoio histórico ao partido Frelimo.

Eleições atípicas

Numa outra vertente, Luís de Brito refere no seu estudo que o processo eleitoral de 2009 merece atenção por várias razões. Primeiro, porque “decorreu num ambiente particularmente polémico devido às decisões controversas tomadas pela CNE”. Segundo, porque “como tinha acontecido nas eleições de 2004, mais de metade dos eleitores não votou”. Terceiro, porque “a administração eleitoral continua a demonstrar uma actuação parcial”. E finalmente, porque “o processo estabeleceu a hegemonia total da Frelimo na cena política moçambicana, confirmando ao mesmo tempo a decadência eleitoral da Renamo e o surgimento de uma terceira força, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM)”.

Eleitorado ausente

Segundo o estudo que temos vindo a citar, tal como em 2004, nestas eleições, apesar dos grandes esforços de mobilização do eleitorado e de uma campanha eleitoral que, pelo menos da parte da Frelimo, mobilizou recursos enormes, a abstenção oficial será à volta de 56,2% e embora a vitória da Frelimo tenha sido particularmente expressiva, o alto nível de abstenção registado diminui a legitimidade popular do governo.

Votos nulos e brancos quase duplicaram

Um outro aspecto interessante que pode ser considerado como uma indicação da insatisfação dos eleitores é o crescimento dos votos brancos e nulos em relação às eleições de 2004, segundo a análise de Luís de Brito. “Houve quase uma duplicação dos votos brancos e nulos a nível nacional”.

Uma administração eleitoral parcial

De acordo com aquele académico, através do documento na posse do Canalmoz, para além da avaliação que se possa fazer sobre o desempenho da CNE, particularmente em relação cumprimento da legislação eleitoral, constata-se que, “apesar de um bom desempenho do STAE no que diz respeito à organização logística da votação e à rapidez e transparência das operações de contagem, continua a registar-se um problema de parcialidade na actuação de muitos agentes eleitorais”.
“Independentemente das razões de fundo da abstenção, há que registar a existência de indicações de uma parte da alta participação constatada nalgumas regiões, particularmente de Tete e Gaza, ter resultado de pequenas fraudes locais. Apesar da probabilidade de haver assembleias de voto com um nível de participação superior a 95% ser quase nula, registam-se nessas zonas numerosos casos em que a participação ronda, ou atinge, os 100%, e a votação para a Frelimo e o seu candidato presidencial se situa também à volta dos 100%”.
Por outras palavras, o autor do documento “Análise Preliminar do Processo Eleitoral 2009”, na posse deste diário, diz que a probabilidade de ocorrer uma votação a 100 por cento, numa dada mesa de voto, e todos os votos irem para um único candidato, é quase nula. Isto quer dar a entender que nos eleitores inscritos nessa mesa não houve ninguém que no dia da votação tenha ficado doente ou mesmo teria perdido a vida antes do dia da votação.
Segundo o professor doutor Luís de Brito, no documento que temos vindo a citar, a título de exemplo, nota que “25% das mesas de voto da amostra do Observatório Eleitoral em Tete registaram uma participação superior a 95% e, no distrito de Changara, das 5 mesas de voto observadas, nas 3 que registaram 100% de participação, o candidato da Frelimo teve 100% dos votos e nenhum dos outros candidatos teve nenhum voto, enquanto nas duas restantes, que registaram participações de 77% e 63%, o candidatos da Frelimo teve 95% e 96%, respectivamente”.
Ao mesmo tempo, um outro factor que deve ser tomado em consideração a propósito da alta abstenção em certas províncias do centro e do norte. “Existem indicações de uma maior dificuldade para os eleitores exercerem o seu direito de voto: a Província da Zambézia, para 18% dos eleitores registados, tem apenas 16,4% das assembleias de voto, a Província de Nampula, para 18,4% dos eleitores registados, tem 17,1% das assembleias de voto, ao mesmo tempo que o número médio de eleitores por assembleia nessas províncias, respectivamente 858 e 835, é bastante superior ao existente em Gaza e, sobretudo, em Tete, respectivamente 725 e 664. A conjugação dos vários indicadores disponíveis aponta assim para uma maior distância média a percorrer por parte dos eleitores da Zambézia ou de Nampula, quando comparada com círculos eleitorais como Gaza e Tete”.
Para o professor Luís de Brito é de notar que os partidos da oposição – e sobretudo a Renamo – se queixaram da qualidade das operações de recenseamento eleitoral nalgumas províncias com destaque para Nampula e Zambézia. Efectivamente, como se pode notar de acordo com dados disponibilizados há um certo desequilíbrio entre a população total dessas províncias, a população eleitoral recenseada e o número de mesas e locais de votação.

(Matias Guente e Emildo Sambo, CANALMOZ, 05/11/09)

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