Saturday 3 September 2011

A hora da celebração

Enquanto estrutura simbólica colectiva, o desporto é uma poderosa metáfora para a nação e para o sistema de relações interestatais. Pode posicionar-nos e dar-nos reconhecimento internacional no concerto das nações. Daí a extraordinária importância de organizarmos bem estes jogos.

Hoje é o Grande Dia. É o dia da exaltação do orgulho pátrio, é o dia em que o país inteiro cantará o hino dos seus sentimentos e crenças, impulsionado pela imensa multidão que representará os mais de 20 milhões de moçambicanos, ao final da tarde de hoje, nas bancadas do Estádio Nacional.
Depois de cerca de dois anos de uma longa espera, depois de um longo período de incertezas se íamos, ou não, ter infra-estruturas prontas a tempo de acolher os jogos; depois de legítimas dúvidas sobre a real capacidade do nosso país de acolher uma prova de envergadura continental, chegou, finalmente, o nosso momento de prestarmos a prova final.
Uma organização dos Jogos Africanos que deixe marca representará um imenso valor acrescentado para o nosso país e para todas as vertentes da sociedade. Por isso, mais do que antes, mais do que fizemos até este momento, agora é que começa, verdadeiramente, a nossa avaliação aos olhos do mundo.
Por isso mesmo, a partir de hoje, África inteira estará de olho nesta parcela do continente. A partir da cerimónia que terá lugar ao fim da tarde de hoje, no Estádio Nacional, cada pormenor de que nos descuidarmos pode correr o mundo e fazer-nos notícia por pouco abonatórias razões.
Enquanto estrutura simbólica colectiva, o desporto é uma poderosa metáfora para a nação e para o sistema de relações interestatais. Pode posicionar-nos e dar-nos reconhecimento internacional no concerto das nações. Daí a extraordinária importância de organizarmos bem estes Jogos. Mais do que o simbolismo da abertura, este é o gigantesco desafio que se nos espera, a partir de hoje.
Apesar do pouco tempo para prepararmos estes jogos, temos a natural obrigação de fazer bem, de deixar marca. Em 1998, no meu ofício como jornalista, fui conhecer o Burquina Faso, uma nação que acabava de sair de um período cíclico de golpes de estado. Apesar disso, aquele pequeno país lançou-se numa ousada missão de organizar a fase final do CAN 98. Procurava, então, afirmar-se no continente e dissipar a imagem de um país dilacerado por conflitos internos. Na primeira semana de Janeiro de 1998, cheguei à capital Ouagadougou, com a selecção nacional de futebol, na altura orientada por Arnaldo Salvado. Quando pensávamos que estávamos no destino final, colocaram-nos num autocarro paupérrimo e percorremos mais 250 km até Bobo Diolasso, uma cidadizinha rural, cheia de poeira e onde para respirar bem, era preciso usar máscaras. Disseram-nos, cruelmente, que era ali que Moçambique ia ficar sediado. E ficámos, de facto.
Entre a desilusão e a incredulidade com a cidade, fomos alojados numa vila ainda em obra, com pedreiros ainda a fazerem os últimos rebocos às casas com gente no interior e água intermitente nas torneiras, e o estádio que ia acolher os jogos também ainda em obras. Mas, àquela maneira muito africana, Bobo Diolasso acolheu-nos, a bem ou a mal, e o Burquina Faso realizou o CAN 98.
Honestamente, e com todo o respeito pelos burquinabes, nós temos agora muito melhores condições que as que nos deram em Bobo Diolasso, em 1998. Por isso, temos essa obrigação de deixar uma imagem inesquecível nas mais de 30 delegações que estão cá.
É inequívoco que há coisas que deveriam ter sido feitas de maneira diferente; que não se criou suficiente base de reciprocidade, cumplicidade e proximidade entre organizadores e público em torno destes jogos; que há pessoas que deveriam ter sido envolvidas e não o foram. Mas a partir de hoje, deixamos de ser alguns para passarmos a ser um todo em tornos destes jogos. Pelo menos, até ao final de Setembro.
Este é um momento particularmente significativo para a nação moçambicana, o momento de fomentarmos o sentimento de unidade. É hora de, internamente, colocarmos de lado as diferenças, depormos as armas e unirmo-nos em torno dos Jogos Africanos. Qualquer coisa em desabono que for apontada à organização destes jogos por aqueles que nos visitarem, já não será apenas o COJA ou o Ministério da Juventude e Desportos os visados, mas todos nós.
Pela sua dimensão, os Jogos Africanos são uma prova que movimenta imensa gente e requer logística e capacidade de organização notáveis. Por isso, vale a pena, aqui, deixar uma mensagem de apreço à direcção do COJA, ao Ministério da Juventude e Desportos e ao Governo, em geral, pelo extraordinário esforço feito para, chegados aqui, termos a vila e a piscina olímpicas, o estádio nacional e os vários pavilhões que irão acolher os jogos, todos prontinhos. Qualquer uma destas infra-estruturas tem qualidade qb. O nosso desporto agradece este enorme legado que herda.
Mas a exaltação do sentido de identidade, de pertença e de união não nos pode fazer perder de vista a nossa capacidade de análise crítica. Por exemplo, o Ministério do Turismo e o Conselho Municipal de Maputo não parecem ter feito devidamente o seu trabalho. Para além do movimento desusado de pessoas, Maputo não consegue mostrar mais nada de novo a quem chega: num país que se gaba de ser destino turístico, não se consegue encontrar um flyer sobre os jogos, indicações de restaurantes, salas de teatro e de cinema, bares e casas de música. E não há souvenirs sobre os jogos, o país ou a cidade de Maputo.

PS:

Na África do Sul, o próximo congresso do ANC, marcado para 2012, em Mangaung, na província de Free State, promete ser renhido. A ala juvenil do ANC e a COSATU – que foram as principais bases de apoio para a eleição de Jacob Zuma – viraram as costas ao presidente sul-africano, com discursos radicais à esquerda, exigindo a nacionalização das minas e a expropriação de terras sem compensações aos farmeiros brancos. Para agravar a situação, a COSATU tem feito pressão económica, com greves sucessivas, que paralisam a economia do país, e Malema é apenas um jovem de 30 anos, que ameaça dividir o ANC em duas facções. Zuma enfrenta, pois, o maior desafio político da sua carreira, com desgaste político crescente, desilusão das suas bases de apoio, e não há certeza de que saia a salvo de Mangaung. Vale a pena recordar, aqui, a velha máxima de que “quem com ferro mata, com ferro morre”. Zuma empurrou Mbeki para fora da liderança, com ajuda da organização liderada por Malema, e da COSATU. As duas organizações, que há três anos “juravam matar por Zuma”, preparam-se, agora, para o derrubar. Eis, pois, a prova inequívoca de que, em política, as lealidades são mesmo efémeras e circunstanciais...

Jeremias Langa, O País. Leia aqui.

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