A estatística e a macroeconomia até podem dizer que hoje, de facto, somos um país melhor. Um país que desenvolveu. Um país que deixou nas gavetas do passado as longas filas das cooperativas de consumo. Que tem outras alternativas ao repolho e à farinha amarela. Não sobram dúvidas de que somos um país com uma maior oferta alimentar.
Temos uma gama de recursos minerais. Há telefones celulares e muito mais pessoas com acesso a energia. O número de escolas também cresceu. Não podemos fechar os olhos e negar esse aspecto. Mas também não temos de agradecer por isso.
É obrigação do Governo trabalhar nesse sentido. Portanto, o maior número de escolas, hospitais, postos de saúde e o aumento da rede energia não são presentes, fazem parte dos direitos dos 22 milhões de moçambicanos. De forma alguma alguém deve levantar e gritar hossanas ao Governo por isso. É sua obrigação e para isso foi eleito. Para servir.
Apesar, portanto, desse aparente desenvolvimento é preciso mostrar ao Governo que regredimos. Isso pode ser feito sem recorrer aos números. A realidade, nesse aspecto, é fértil em proporcionar cenários para comparação. Aliás, um episódio que se deu na cidade da Beira é o exemplo paradigmático dessa regressão.
Um jovem morreu ao cair de uma viatura na qual viajava. Caiu porquê? Porque não há transporte público seguro e os poucos “chapas” que circulam pelas nossas vias são viaturas de bagageira transformadas em meios de transporte de passageiros.
Foi assim que morreu alguém que ia ao cemitério enterrar um ente querido. A polícia disse que a culpa é do excesso de velocidade. Não é verdade. A culpa é de quem criou um campo fértil para o caos na área de transporte de passageiros. Não serve a desculpa de que o número de pessoas e de vias aumentou.
A planificação serve para prever o futuro e perspectivá-lo. Esse exercício não foi feito e, nesse sentido, estamos mais pobres. Cada viatura de caixa aberta que transporta passageiros desesperados lembra um grande cartaz onde fica inscrita a negligência do Governo.
E não é só a questão do transporte. Não podemos ter progredido, de forma alguma, se não há medicamentos, não há livros escolares, não há carteiras nas salas de aulas, não há pão e nem alternativas de emprego. Não podemos ter progredido quando não podemos oferecer mão-de-obra qualificada às grandes empresas que entram no país.
Não podemos ter progredido quando não beneficiamos das nossas próprias riquezas. Não podemos ter progredido quando surgem novos ricos do nada ou simplesmente por ligações ao poder político.
Em suma: assim vai, descarada e autêntica, a aniquilação dos nossos direitos e recursos ante a indiferença da entidade competente e para gáudio dos senhores do capital escudados nesse palavrão já vulgarizado e que vem propiciando toda a casta de abusos, transformando em legal aquilo que não passa de condenável ilegalidade: o desenvolvimento das comunidades locais.
Combate à pobreza? É uma espécie de máscara daqueles indivíduos menos dados a escrúpulos e que sabem de cor o provérbio: “Em terra de cegos quem tem olho é rei”, o qual, no caso vertente, poderia ser traduzido deste modo: “Em Moçambique no enganar é que está o ganho”.
Mas então o povo, toda essa gente de fracas posses? Ora, o povo que se amanhe! Refilando ou não, o importante é que vai votando. Pois que vá votando.
PS: Estes senhores não se podem esquecer de que enquanto circulamos como gado assistimos furibundos, ainda que de braços atados, ao desfile dos seus carros de vidros fumados e preços exorbitantes. Não se podem esquecer de que quando nos sentamos nas filas dos postos de saúde lembramo-nos de que eles frequentam clínicas.
Não se podem esquecer de que temos conhecimento, através da Imprensa, de que gastam acima de 100 mil meticais nos tratamentos dos branquíssimos dentes dos seus filhos. Não se podem esquecer de que conhecemos as suas casas, as quintas e os terrenos monumentais.
Editorial, A Verdade
Editorial, A Verdade
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