Thursday, 11 December 2014

Não queremos mais homens do primeiro tiro


Estranhamente, mais uma semana se passou e os editais continuam no “segredo dos deuses” – no caso, dos que se julgam, por sua alta recreação, acima de qualquer suspeita. Os editais continuam até mesmo inclusivamente a serem segredo para os membros da CNE, embora alguns, ou por preguiça ou por verem no fechar de olhos vantagens pessoais, prefiram deixar as coisas a andar, sem os quererem ver. Não é, contudo, o caso de milhares, senão mesmo milhões de cidadãos, que querem que a absoluta transparência se torne um dado adquirido, tanto quanto essencial, para que Moçambique tenha uma democracia credível e não apenas aparente, como o pretendem os gatunos e seus associados.
A nossa insistência, por isso, vai manter-se, para que finalmente os editais apareçam à vista de todos, porque somos realmente a favor de uma democracia em que não haja sala VIP para os abutres e seus associados de além-fronteiras.
O Estado tem instituições para servir os donos desse mesmo Estado, que são os cidadãos, como preconiza taxativamente o Artigo 2 da Constituição da República de Moçambique. E, sendo os cidadãos os patrões do Estado, é a todos os cidadãos que as instituições devem prestar contas, e dessas contas eleitorais ainda só nos anunciaram o saldo, mas, no meio de imensas e justificadas suspeitas, ainda não nos mostraram o extracto, que é o conjunto dos editais e actas.
O que a CNE apresentou é altamente suspeito e nada credível.
Milhões de moçambicanos duvidam das contas feitas pelo STAE, tenha esse STAE, ou não, no seu aparelho, representantes de certos partidos concorrentes. E duvidando da CNE pela forma como as coisas foram aprovadas internamente, fica tudo ainda mais complicado.
Os partidos têm os seus interesses e saberão o que fazer, mas, neste caso concreto das eleições, foram todos os cidadãos chamados a votar, logo, havendo justificadas dúvidas relativamente aos diversos níveis de apuramento, por estrito respeito ao Estado, as instituições incumbidas não podem esconder a verdade aos eleitores e a todos os outros cidadãos em quem reside a soberania.
Ao quererem saber toda a verdade com toda a clareza e transparência, que ainda nem sequer para os membros da CNE houve, os cidadãos estão apenas, e tão-somente isso, a reivindicar um direito constitucional. Por alguma razão o artigo da Constituição da República de Moçambique que diz que “a soberania reside no Povo” é o número dois (Art. 2) e não o último.
A CNE (Comissão Nacional de Eleições) não pode fazer um golpe de Estado. Pior: uma parte dos membros da CNE não pode fazer um golpe de Estado, sem que haja consequências.
Os militares fazem golpes de Estado com armas, e isso geralmente resulta de algum fraccionamento. Metade dos membros da CNE estão a querer fazer um golpe de Estado, escondendo aos moçambicanos toda a verdade, com o seu presidente a fazer um papel de bobo, contrário ao que seria de esperar de alguém que exerce tal cargo com a missão de trazer toda a verdade, que só se consegue satisfazendo o conjunto dos membros do órgão, para que tudo seja posto claramente em cima da mesa, e não seja forçando uma votação que acaba por transformar a CNE numa instituição que elege sem respeitar o voto directo dos cidadãos.
Os resultados destas eleições são a soma dos votos nas urnas, não pode ser a soma dos votos da maioria da CNE.
Os votos de membros da CNE não podem sobrepor-se à soma dos votos dos cidadãos. Não se pode obrigar certos membros da CNE a aprovarem resultados de uma aritmética da qual eles não conseguiram ver as parcelas. Isto não tem de vir escrito na lei. É óbvio que, se uns não viram, os outros também não, e aqueles que na CNE votaram às cegas só podem estar a partidarizar o órgão.
Os bandidos têm sempre a tendência de se vitimizarem e, depois de fazerem as suas habilidades, aparecerem a quererem fazer crer que os malandros são os outros.
Na loja do “Senhor do Cofió” também não se vai a votos com os empregados, quando falta dinheiro na caixa! Vai-se a contas. O “Senhor do Cofió” sabe bem que contas são contas. Ou será que não sabe?
Quem está a criar instabilidade no país são certos senhores dos órgãos eleitorais, não são aqueles que querem que tudo seja posto à vista de todos.
Ao esconderem a verdade eleitoral, está à vista de todos quem é o malandro. Ao governador do Banco de Moçambique nunca seria admitido esconder o dinheiro das reservas do Estado. Era o que mais faltava, ele querer esconder as contas. Como é o que mais nos faltava acreditar numa pessoa da CNE que quer ser ele e a sua trupe a elegerem os órgãos de soberania.
Ainda não vimos qual vai ser a decisão do Conselho Constitucional, mas já chega de virem-nos com a conversa do voto vencido. O voto vencido só pode ser o das urnas, resultante da aritmética das assembleias de voto. Não pode ser essa a aritmética dos votos dos juízes do Conselho Constitucional.
Enquanto nestes órgãos se for a votos, está-se mesmo a ver que democracia continuaremos a ter: nenhuma!
Se o Conselho Constitucional anular as eleições sem que aos cidadãos seja dado o direito de ver as contas resultantes da soma de edital por edital, os cidadãos que queriam que ganhasse a Frelimo têm tanto direito como os outros, que agora protestam, de manifestarem a sua indignação e não aceitarem isso.
O que se exige para uns, tem de se exigir para outros. Os argumentos de uns têm de valer para todos. Só com tudo à vista se pode apurar a verdade nas urnas.
Numa circunstância em que os editais não aparecem à vista de todos, subsistirão dúvidas, e todo e qualquer cidadão, seja simplesmente cidadão, ou tenha interesses partidários, tem o direito de exigir toda a verdade, que só pode ser provada com transparência absoluta.
A transparência absoluta é também fundamental e indispensável para se poder aferir a responsabilidade dos membros dos órgãos eleitorais à luz do Estatuto do Funcionalismo Público e demais legislação disciplinar que se aplique aos membros do aparelho eleitoral que tiverem andado a falsificar ou inventar editais, ou a permitir que alguém tenha agido com esse mesmo propósito de viciar os resultados finais de eleições. Este tipo de gente que tolera e é cúmplice de fraudes não pode pertencer a estes órgãos.
Não é admissível que alguém pretenda que os cidadãos acreditem em gente que já provou que não é idónea. Chegou-se a um ponto sem outra saída: só com tudo à vista, só com os editais à vista, para se poder começar por aferir se são mesmo os que saíram das assembleias de voto, e depois serem somados, é que isto pode terminar.
Não é o polícia, por andar atrás do ladrão, que instabiliza o país. É o ladrão.
Não há melhor forma de nos levarem a toda a verdade do que publicarem-se os editais e actas num “website” da CNE ou do Conselho Constitucional. É inclusivamente muito barato e acessível a quem quiser ver. Todos, desde os editais das assembleias de voto aos dos apuramentos distritais, provinciais ou de círculos, até ao apuramento nacional ou geral.
O Estado não pode estar na mão de gente desonesta. Nem as nossas eleições podem ser mais ou menos válidas porque os presidentes de certos países que se relacionam com Moçambique já deram o seu aval às eleições.
As eleições não podem ser mais ou menos credíveis porque os observadores e alguém de ONG’s veio dar o seu aval.
O único aval de qualquer eleição é a verdade, e a verdade está na soma de editais verdadeiros.
Gente honesta evidencia-se. Se há suspeitas sobre o apuramento eleitoral – que começam em muitos membros da CNE, que dizem não terem visto os editais e contestam que os queiram obrigar a assinar um cheque em branco –, porque é que não aparece o Estado a tirar dúvidas, deixando tudo transparente como água, para evitar-se violência?
Onde estão os homens da paz? Os homens da paz são os que escondem os editais?
Um juiz, afinal, só segue a lei, ou também segue a sua consciência?
Um juiz alguma vez pode julgar sem ver reunidas todas as evidências?
O Conselho Constitucional irá julgar sem garantir que estejam em sua presença todas as peças do processo e sem se certificar que elas não são falsas?
Sabe-se que a maior parte dos juízes do Conselho Constitucional são da Frelimo e até têm negócios de que tiraram sempre vantagens por serem da Frelimo. Será que os cidadãos podem acreditar que eles julgarão com mérito e idoneidade, se não forem absolutamente transparentes? Veremos o que por aí vem!
O MDM e a Renamo – no caso da Renamo, pelo menos a deputada Ivone Soares – já vieram a público exigir que os editais sejam mostrados. Se a Frelimo e o seu candidato tivessem sido dados como derrotados, será que não quereriam também ver os editais?
Faça-se tudo para evitar mais violência, por favor, meus senhores. Não queremos que na nossa história sejam precisos mais homens do primeiro tiro.


(Editorial do Canal de Moçambique)

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