Tuesday 10 June 2014

Quando complexos de superioridade superam a patria


Beira (Canalmoz) – Querendo realmente forte e empenhadamente, é possível restabelecer a paz em Moçambique. Querendo de maneira limpa, aberta, directa, sem pré-condições, sem jogos de cintura, nem malabarismos de eminentes estrategas, é bem possível cultivar o terreno da paz, ao invés de adubar o terreno para a guerra....
Moçambique não está estável conforme dizem alguns ministros numa autêntica venda de “peixe podre” para consumo da opinião pública internacional. Aos moçambicanos residentes, ninguém consegue enganar, quando se trata de saber ou entender os pressupostos da paz e a situação real em que o país vive.
A economia dá mostras claras de que está sofrendo com o estado de instabilidade que se abateu sobre o país. Transporte de carga e passageiros, turismo, preços de bens de consumo, exportações de minerais como carvão, percepção de perigo e decisões de abandonar o país por parte de determinados trabalhadores estrangeiros, tudo se junta para contrariar aqueles governantes que teimam em mentir, dizendo que existe estabilidade em Moçambique.
Mas, afinal, o que está falhando no país ou entre os interlocutores do já longo e dispendioso processo negocial decorrendo em Maputo?
A postura dos beligerantes é uma das causas que deita por terra a tentativa de reconciliar as partes. Muito já se disse e se especulou sobre esta “maldita” situação, mas, em geral, há receio de apontar as causas reais dos falhanços sucessivos. Há um complexo de superioridade arreigado entre as partes, que impede que abordem as questões que estão na mesa com sentido de Estado e de pátria. Não são pessoas de países diferentes que estão discutindo. São concidadãos que até já se conheciam e que antes haviam assinado o Acordo Geral de Paz em Roma. Mas nem o mais simples conseguem acordar.
Tem sido a incapacidade de reunir consensos sobre o que realmente interessa ao país e aos cidadãos que aumenta o perigo de explosão da violência. Há um perigo de passar-se da violência com base política mais ou menos lógica, aceite e entendida pelos cidadãos, para uma violência de características novas. O sectarismo e as tendências de divisão do país segundo linhas mais ou menos étnicas com cunho político são reais e com potencial de ser exploradas por políticos atentos ao fracasso das negociações de Maputo.
A estrutura económica do país e a localização do potencial económico leva a que alguns sectores políticos antevejam e considerem que uma parte não precisa da outra para ter sucesso e bem-estar. É possível dividir Moçambique em linhas geográficas, que seguem a sua actual divisão natural, sem que haja crises de maior para a sobrevivência das partes.
Esta é só uma visão ilustrativa com base no que se diz e no que realmente é o país em termos geográficos, políticos e económicos.
Se a riqueza é afunilada e conduzida sempre para um extremo do país em que se situa a capital, com pouco ou nada ficando nas províncias de origem dessa riqueza, porquê insistir que somos unos e indivisíveis, se, na verdade, existe uma macrocefalia de rapina? A tinta com que se pinte o mosaico político e económico nacional não vai alterar a realidade. Pode atrasar a compreensão dos factos, mas isso não elimina a sua existência.
Não se pode fazer política ou conduzir com êxito negociações de suma importância para o país se não houver uma postura adulta e coerente entre os interlocutores. Quem jogava com base na possibilidade de êxito enganando a outra parte deve ter constatado que assim nada avança pois os “olhos de todos estão abertos”.
Outra questão que tem sido negligenciada pelo partido no poder é uma postura de feroz negação da existência e prática de actividades políticas nas províncias de Inhambane e Gaza. Visto superficialmente, é um simples problema local que interessa ao partido, pois garante vitórias esmagadoras nos pleitos eleitorais. Mas isso leva a conclusões erróneas e perigosas que superam as vantagens eleitorais de momento. Há um perigo real de iniciar-se um movimento de represálias, especialmente numa altura em que já existe confrontação armada entre forças militarizadas do Governo e da Renamo. O chauvinismo evidenciado por sectores afectos à Frelimo em Gaza são aves de mau agoiro para os interesses de união, coesão e integridade territorial do país.
O miserável “discurso do silêncio”, quando militantes e membros da Frelimo aprontam autênticas “cagadas”, “aberrações” aos direitos de prática política em todo o território nacional, deve ser travado com a urgência que merece o assunto desta natureza.
O Presidente da República não se pode calar só porque os seus conselheiros ou assessores possam estar dizendo que é um mal menor, que permitirá manter a hegemonia em Gaza e em Inhambane.
Moçambique em si é muito mais importante do que uma província ou duas.
As contradições do passado, aquando da luta anticolonial, não podem ofuscar factos e realidades de hoje. Assumir os problemas existentes e não fugir deles, abordá-los com responsabilidade patriótica e de Estado é a principal obrigação do PR e do seu Governo.
Construa-se a paz com a abertura de todos.
Os ensaios de fazer valer soluções que passem pela vitória militar estão condenados ao fracasso precisamente pela inexistência duma força militar que possa alcançar uma vitória demolidora e irreversível no terreno.
A culpa de haver receios de que a vitória será mais difícil nos pleitos eleitorais é algo que deve ser encarado como histórico e característico de partidos que em certa medida dormiram à “sombra da bananeira”. A confiança de que o domínio em exclusivo dos mecanismos de controlo da organização eleitoral, o poder governamental e a musculatura financeira garantiriam a vitória que, por vezes, se diz retumbante, não devem ser causa dum descarrilamento grave do país, da sua agenda política e dos verdadeiros interesses do seu povo.
O Centro de Conferências “Joaquim Chissano” continua a ser o campo válido para dirimir argumentos e chegar-se a uma conclusão honrosa consensual. Um acordo sem imposições, que todos estejam preparados para aceitar e implementar, é a única forma de parar com a espiral de violência que alguns querem.
Não será uma herança de guerra que os beligerantes querem deixar para os seus filhos.
Aqueles que se escondem sob estratégias sinistras de ver o processo derrapar e depois surgirem como salvadores estão dos dois lados.
É momento de aumentar-se a pressão sobre os negociadores e de os ajudar a encontrarem o caminho da verdade e da paz.
Que ninguém se orgulhe de vitórias que não trazem a estabilidade e paz para o país.
Não se deve dar nenhuma oportunidade aos cultores da guerra para que triunfem em Moçambique. Nem aos que supõem que assim mantêm o poder, nem aos que julgam que assim tomam o poder.




(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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