Thursday 19 June 2014

Não podemos ser todos iguais

Só teria causado estranheza ouvir o vice-Ministro das Finanças, Pedro Couto, dizer, durante a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizada há duas semanas em Maputo, que é uma ilusão esperar que todos nós podemos ser iguais, se esta afirmação tivesse sido feita num contexto em que ainda se acreditava que o partido Frelimo, de que o ilustre dirigente é obviamente membro, é ainda uma organização progressista, com uma ideologia de esquerda, em defesa dos interesses da maioria do povo.
E o ilustre governante terá mesmo traído e deixado embaraçados os seus camaradas, que andaram todo este tempo a tentar fazer passar a pretensão de que ainda conservavam os ideais do Marxismo-Leninismo, apenas adaptando-os, tacticamente, à
conjuntura política e económica mundial do momento. Na verdade, as afirmações do vice-Ministro desmarcaram uma Frelimo firmemente posicionada à direita, apesar dos vigorosos protestos de Afonso Dhlakama de que tal rótulo pertence à sua formação política, a Renamo.
A não ser que o vice-Ministro não perceba nada do que se pretende dizer quando se reivindica a distribuição justa da riqueza nacional. E sendo este o caso, então não merece estar à frente dos destinos das finanças públicas de um país.
O debate sobre a distribuição equitativa dos recursos nacionais não pretende, de forma alguma, sugerir que todos nós tenhamos que ser iguais. Continuará a haver grandes diferenças na sociedade. Como acontece mesmo naqueles países que até são considerados exemplos de justiça social no mundo.
Igualdade social simplesmente significa que não haja numa sociedade pessoas que involuntariamente passem um dia sem uma das três refeições convencionais. Que todos tenham uma recompense justa pelo seu trabalho, habitação condigna, um meio ambiente saudável, acesso à água, energia, educação, segurança, protecção e todas aquelas condições que tornam a vida do ser humano digna. Nada mais, nada menos do que isso. E que estas condições sejam possíveis no nosso país, não pode ser condição para impedir que haja pessoas que tenham dezenas de casas de luxo espalhadas por todos os cantos do mundo, que tenham dezenas de viaturas de luxo parqueadas nas suas garagens, que tenham capacidade de passar férias nos mais requintados resorts
deste mundo, mesmo que toda essa riqueza provenha de fontes duvidosas.
Quando se traz ao de cima o debate sobre a necessidade de uma justiça social, está se simplesmente a exigir que os governantes pautem pela prudência na gestão dos recursos públicos, que estes não sejam desviados para fins alheios. Ninguém exige uma igualdade absoluta entre os cidadãos. Apenas que todos tenham acesso justo às riquezas com que a mãe Natureza abençoou o espaço físico que eles chamam de seu País.
Considerando que o vice-Ministro não estava a falar de iniciativa própria, mas sim em articulação daquilo que é o pensamento do partido e do executivo que representa, tornou-se mais fácil entender a atitude deste governo sobre a situação de penúria em que se encontram muitos moçambicanos. Ficou claro como é que, apesar da retórica no sentido contrário, as zonas rurais do nosso país permanecem largamente negligenciadas, provocando este êxodo que transformou os centros urbanos moçambicanos em gigantescos mercados informais, onde prolifera todo o tipo de vícios, desde a prostituição (incluindo a infantil) até ao crime.
Não podemos, mesmo, ser todos iguais!


Editorial do Savana, 13-06-2014

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