Monday 19 May 2014

Nem em 2030 África conseguirá erradicar a pobreza

Em causa está o fraco reflexo do crescimento do PIB na qualidade de vida das populações



O Africa Progress Panel, uma organização que faz estudos sobre os males que afectam o continente e sugere saídas possíveis, prevê que a miséria prevaleça por mais tempo do que se espera, dado o fraco reflexo do crescimento do PIB na qualidade de vida das populações. O director executivo adjunto do Africa Progress Panel, Max Jarret, deu uma entrevista ao “O País económico”, onde fala de todas as questões relativas ao desenvolvimento do continente

Já na recta final dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), consta que África não alcançou grandes avanços. Qual é o ponto de situação actual e o que falhou?
Certamente que África conseguiu muitas coisas. É muito difícil generalizar sobre um continente com 54 países e uma população superior a mil milhões de pessoas. Mas África teve uma década de forte crescimento. Os salários médios cresceram mais de um terço nos últimos dez anos; o investimento estrangeiro mais que duplicou; as taxas de pobreza caíram. A mortalidade infantil também está a diminuir e a velocidade dessa redução está mesmo a acelerar. Os Africanos estão a viver em média mais sete anos que a geração anterior. As taxas de frequência das escolas primárias estão a aumentar e as diferenças de acesso à educação por homens e mulheres estão a diminuir. Mas África irá falhar os seus objectivos de erradicação de pobreza até 2030 por muito. O crescimento económico tem um efeito multiplicador limitado pelas populações. Não estão a ser criados postos de trabalho suficientes para aproveitar a mão-de-obra mais jovem no mundo. Uma em cada três das crianças africanas é raquítica. Um quarto da população africana está mal nutrido. África representa cerca de 50% das mortes infantis no Mundo (comparativamente com os 29% há duas décadas atrás). Apenas uma em cada três crianças africanas sai da escola primária com conhecimentos básicos em leitura e matemática.

Um plano mais alargado, de até 2030, acaba de ser estabelecido para que os estados continuem a perseguir importantes metas de desenvolvimento. Entretanto, as perspectivas continuam pessimistas: até lá, um em cada cinco africanos ainda viverá em situação de pobreza quando. Que factores continuarão a impedir o progresso de África?
África tem apresentado números impressionantes de crescimento económico, mas o seu crescimento não tem beneficiado pessoas suficientes. Um factor chave é a desigualdade que dificulta a redução da pobreza, o desenvolvimento humano e o crescimento. O Relatório do Progresso de África deste ano argumenta que como dois em cada três africanos dependem da agricultura e pescas para sobreviver, estes sectores são críticos na redução da pobreza e da desigualdade. Potenciar a agricultura de África irá requerer melhor infra-estrutura, incluindo estradas e armazenamento, e melhor acesso a serviços financeiros, como créditos e seguros.
As boas notícias são que África tem o potencial não apenas para se alimentar a si mesma, mas também outras regiões. O painel estima que a produção agrícola em África poderá facilmente ser duplicada nos próximos cinco anos.

Kofi Annan apela também aos governos de todo o mundo para que ratifiquem o Acordo sobre Medidas do Estado do Porto, um tratado que procura impedir que os pescadores clandestinos nos portos descarreguem o resultado dos seus proveitos ilícitos. Qual é a situação actual?
Este tratado irá ter efeito logo que 25 países o ratifiquem. Em Abril, os EUA tornaram-se o 11º país a assinalá-lo, após a ratificação por outros nove países e a União Europeia.
Uma das preocupações é também acabar com as desigualdades sociais e levar a que os altos níveis de crescimento económico no continente tenha reflexo na qualidade de vida dos africanos...
O painel acredita que reduzir a desigualdade será vital para a estabilidade económica e social do continente a longo-prazo. É do interesse de todos, incluindo da comunidade global, que África seja próspera, estável e justa.

Que saídas para melhorar a distribuição da riqueza?
A monitorização dos recursos domésticos é chave para esse objectivo. As empresas e os cidadãos têm de pagar impostos justos. A comunidade internacional tem de acelerar a partilha automática de informações fiscais e criar condições para que África beneficie dessa informação. Todos os governos, incluindo aqueles com jurisdições para manter as informações financeiras secretas, deveriam implementar registos públicos dos titulares de empresas e fundos. As empresas multinacionais podem liderar esse caminho ao publicar uma lista com todas as suas empresas subsidiárias, bem como com informação dos seus proveitos globais e os impostos pagos nas diferentes jurisdições. Os governos deveriam também considerar investir mais em grupos e regiões em desvantagem. A Nigéria gasta cerca de 6% do seu orçamento em educação – uma percentagem relativamente alta pelos padrões internacionais. No entanto, a distribuição desigual pelas várias regiões, uma ênfase muito grande nos subsídios ao ensino superior e a ignorância dos bairros de lata urbanos leva a que milhões das crianças mais pobres não tenham acesso à educação. Os governos deverão também passar a investir mais em protecção social. As redes de segurança social impedem as pessoas de cair na pobreza, evitam que essas pessoas tenham de gastar as suas poupanças em tempos de crise e desbloqueiam investimentos permitindo aos cidadãos investir as suas poupanças em vez de apenas guardar o seu dinheiro. Exemplos desta protecção social incluem as transferências de capital, obras públicas e saúde e alimentação subsidiada para os mais pobres e vulneráveis. África gasta cerca de 2% do seu PIB em protecção social, menos de metade da média mundial. Este ano, o Relatório do Progresso de África conclui que com dois terços dos africanos a depender da agricultura para sobreviver, potenciar a agricultura irá ser absolutamente essencial para melhorar a distribuição de riqueza.



O País

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