Friday 2 May 2014

Blablabla

A aprovação de novas regalias para os deputados – previstas no Estatuto destes representantes do ‘povo’ – deixou meio mundo revoltado. As manifestações de indignação ocorrem um pouco por todo lado, com destaque para as redes sociais. “Eu vou fazer tudo para ser deputado”, dizem em tom jocoso uns. Outros, mais rudes, respondem: “Regalias de luxo para quem passa uma legislatura a dormir é um insulto aos impostos que penosamente pagamos”. Quem olha, sem preparação, para as reclamações é capaz de crer que os moçambicanos não se calam diante de injustiças. Mas isso é uma grande mentira.
Não é preciso ser criativo para arrolar um contentor de atropelos à dignidade de todos nós que já devia, por razões óbvias, ter gerado inúmeras rebeliões. Para apontarmos um exemplo mais urbano basta concentrarmos o nosso olhar para a forma como o cidadão pagador de impostos é transportado. As regalias dos deputados, diante deste insulto, não passam de uma brincadeira de crianças. O imposto predial é outro insulto que devia, pelo espírito burlesco que o gerou, ter originado pelo menos uma revolta com ‘cocktails molotov’ e tudo o resto.
O número de carros ao dispor do juiz Presidente do Tribunal Administrativo e de outros dirigentes que não se esquecem das sirenes – quando incomodam o povo na sua circulação pelas estradas cada vez mais esburacadas de Maputo –,foram alvejados por pedra alguma sequer. Os helicópteros do Presidente da República, num país com transporte público abaixo do limiar do deficitário, são apenas objecto de chacota nas redes sociais.
Estamos, na verdade, a falar de uma sociedade que nunca se dignou marchar contra as bastonadas da FIR para expressar descontentamento e sangrar, um pouco, para mostrar que a sua revolta tem algum sentido. Há, contudo, muita coisa que se deve questionar e fazer movimentar céus e terra, se preciso até fazer jorrar sangue, para obter respostas ou elevar o nível de vergonha destes “encurtadores” do nosso futuro. Mas não acontece literalmente nada.
Em suma: somos um país de nabos. A nossa revolta termina exactamente nas teclas de um computador e no perímetro do facebook. Não sai de lá. Ficámos no twitter a maldizer as regalias e a merda de vida que temos. Ora porque os deputados são isto, ora porque Valentina não devia ser rica, ora porque Nyusi não é popular, ora porque Dhlakama tem razão. Não saímos disto e a culpa é literalmente de todos nós. Desconhecemos a coragem e somos primos legítimos da inércia. Há poucos dias, vimos dois jovens que foram espancados no Assembleia da República quando tentavam reivindicar qualquer coisa.
Calámo-nos todos, como se aqueles dois jovens não representassem na plenitude os excluídos que somos todos nós. Diante desta hipocrisia e da nossa indignação selectiva o que nos resta dizer? Vivam os deputados! Que desfrutem dos frutos da reforma e que venham mais regalias, sobretudo quando há unanimidade entre os três partidos representados: a prova inequívoca de que é tudo farinha do mesmo saco...




Editorial, A Verdade

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