Orador do tema “20 anos de paz: Ganhos, constrangimentos, desafios e lições
aprendidas”, Raul Domingos afirmou que o Acordo de Roma deu início ao processo
de construção duma sociedade assente na paz, liberdade, justiça, harmonia,
respeito pelos direitos humanos e o Estado social de Direito democrático.
Disse que a paz alcançada na capital italiana, Roma, pelo povo moçambicano
não visava apenas o silêncio das armas e outros artefactos de guerra, e muito
menos um intervalo para, de seguida, se iniciar um outro conflito.
“É comum designar-se a paz que se limita ao calar das armas como uma paz
mínima, ou seja, uma paz negativa que se traduz apenas no aquartelamento dos
militares e introdução de paliativos de mudanças”, declarou, acrescentando que
em Roma foi acordado construir um Moçambique unido e próspero, no qual reine a
igualdade de oportunidades, a primazia da lei, o diálogo, a inclusão e a
participação política através de uma democracia representativa e participativa
efectiva, conforme documentam os protocolos I a VII do AGP.
Para o líder do PDD, a letra e o espírito do Acordo Geral de Paz, assinado em
Roma entre o Governo de Moçambique e a Renamo a 4 de Outubro de 1992, obtiveram
a admiração, simpatia e o acolhimento do povo moçambicano e de muitos outros
povos, nações e organizações amantes da paz no mundo. O testemunho dado pelos
moçambicanos com a assinatura do AGP e a sua efectiva implementação trouxe a
Moçambique vários políticos, estudiosos e admiradores ávidos em apreender da
experiência dos moçambicanos pelos sucessos alcançados.
Segundo o orador, volvidos 20 anos, o povo moçambicano regozija-se pelos
ganhos conseguidos e que são frutos da paz. Apesar de ténues avanços, disse,
lamenta-se e deplora-se a insensatez de certos políticos que à luz do dia gritam
e clamam pela paz, mas em privado conspiram contra a paz, aprovando leis,
regulamentos e normas que promovem a exclusão, a discriminação e a repressão de
milhões de moçambicanos sob o argumento de que o AGP já é um instrumento caduco
e fora de uso.
Raul Domingos afirmou que esta dura realidade mostra que nem sempre a paz tem
amigos e apoiantes, pois são enormes as ameaças à sua manutenção e consolidação.
Disse que os funcionários públicos, os aldeões, os estudantes, os detentores de
cargos de chefia e direcção na Administração Pública estão continuamente a serem
coagidos a ostentarem um cartão de filiação ao partido do Governo, sob pena de
perderem seus empregos e suas bases de sustento, em clara violação da
Constituição e da lei.
“A negação e ou sonegação da Constituição e das leis atinge o seu auge quando
as instituições vocacionadas a fazerem justiça se mantém ou permanecem
indiferentes às violações à lei, desde que a vítima da injustiça seja tido como
apoiante de um outro partido e não o partido do Governo, ou desde que não tenha
laços de parentesco com quem governa”, afiançou.
Disse que nos anos recentes, o advento e ou a retoma da exploração do carvão
e dos hidrocarbonetos trouxeram desafios aos quais os moçambicanos não podem
permanecer indiferentes, perante as acções intolerantes de usurpação da riqueza
nacional em benefício de um determinado partido político e seus seguidores.
“Estas e outras lições impelem-nos a relembrar que a verdadeira paz deve ser
acompanhada da igualdade, verdade, justiça e solidariedade. A paz é inseparável
da liberdade e da democracia participativa. O medo e a violência não coabitam
com a verdadeira paz”, afirmou.
Disse ser imperioso que se façam esforços para implantar a paz nas mentes dos
homens, tendo presente que são as mentes dos homens que criam as guerras.
Segundo Raul Domingos, daqui resulta a urgência de se ensinar a paz e os
direitos humanos nas escolas para que as crianças e jovens que não
experimentaram os horrores das guerras vividas no país cresçam como verdadeiros
embaixadores da paz em Moçambique.
Defendeu, aliás, que o futuro da paz no país depende dum forte investimento
na educação da população sobre os princípios da paz e direitos humanos. A outra
área preocupante é que Moçambique deve ser apoiado para introduzir uma reforma
aos seus servidores públicos, estabelecendo uma clara diferença entre o partido
no poder e o Estado, em que os funcionários públicos devem ser neutros,
apartidários e proibidos de se envolver em actividades políticas nos seus locais
de trabalho.
O presidente do PDD afirmou que a classe política governante continua
obstinada em construir uma sociedade dividida e orientada para a discriminação
política, económica, cultural e social, corroendo deste modo e por opção própria
a unidade nacional, a harmonia, o prestígio e o sucesso outrora alcançados.
Também são frequentes, no país, os casos de limitações dos direitos e liberdades
fundamentais.
Persistem ainda a intolerância, a exclusão social, a partidarizaçao da
Administração Pública, que é reflectida pela falta de respeito pelas leis e pela
justiça, bem como a multiplicação de células partidárias nas repartições
públicas para exercer a vigilância ideológica de funcionários e demais
colaboradores.
Raul Domingos afirmou que esta situação da partidarizaçao da Função Pública
goza de apoio e silêncio cúmplice de académicos e destacados intelectuais a quem
competia ensinar a toda a sociedade que ela tem a função de servir a todo o povo
e não um partido político. Lembrou que a Função Pública guia-se pelos princípios
de legalidade, igualdade, imparcialidade, continuidade, celeridade e
neutralidade política, o que significa que o funcionário não deve, no seu local
de trabalho, exercer qualquer actividade política e nem beneficiar, prejudicar e
perseguir alguém por razoes políticas ou outras similares.
“Nós acreditamos nos valores e benefícios da paz, da liberdade, da
democracia, justiça, verdade e da solidariedade. Apelamos, por isso, a todo o
povo moçambicano a contribuir, de forma resoluta, para que a paz e a
reconciliação se tornem realidade e não sejam ameaçados e nem postos em perigo
no nosso país”, disse.
Afirmou que na óptica dos amantes da paz, o processo de reconciliação, de
diálogo permanente, de busca do consenso em questões de interesse nacional e de
participação efectiva são essenciais para que se prepare o futuro com optimismo,
pois aos 20 anos de paz não é tolerável que se tenha no país uma Lei Eleitoral e
organismos de administração eleitoral que não promovam a competição entre
candidatos com regras de jogo iguais, transparentes e válidas para todos.
Assim, segundo Raul Domingos, para o bem da paz positiva, é importante que
nos próximos pleitos eleitorais, todos os actores interessados possam conhecer
os detalhes da nova Lei Eleitoral e os mecanismos de funcionamento dos órgãos de
direcção do processo eleitoral, para que se erradiquem as práticas de fraude e
ilegalidades que desde 1999 ameaçam o processo eleitoral no país.
“Convida-se a todos os moçambicanos a se envolverem com afinco na preparação
dos 25 anos de paz, com a firme convicção de que, unidos, somos capazes de
construir em Moçambique um Estado social de Direito democrático, erradicar as
desigualdades e as assimetrias, fortalecer a unidade e a identidade nacionais,
adoptar como prática corrente a neutralidade na Função Pública, a igualdade de
acesso à riqueza nacional, a cultura de paz e de democracia social de direito”,
disse.
Dos protocolos do AGP
Numa análise aos protocolos I (dos princípios fundamentais), II (sobre os
partidos políticos) e III (sobre a Lei Eleitoral), Raul Domingos afirmou que a
situação é que o Governo de Moçambique governa o país sob os princípios de
exclusão social e económica, discriminação política, supremacia das instituições
partidárias sobre o Estado, uso ilimitado dos fundos públicos para as
iniciativas internas do partido no poder e a criação de células do partido em
todas as instituições públicas para monitorar a lealdade dos funcionários.
Segundo o orador, sobre as eleições, a conclusão que se tira é que em certas
circunstâncias, elas são realizadas para satisfazer a comunidade doadora. Não
são realizadas para promover a democracia, uma ampla participação da população,
mas apenas uma falsidade para transformar um sistema autoritário de partido
único num sistema autoritário multipartidário.
“O autoritarismo eleitoral é uma forma comum de autocracia em que as eleições
são realizadas e que nunca permite a alternância do poder”, disse, acrescentando
que as eleições devem orientar-se por regras e normas iguais para todos os
candidatos, igual acesso ao financiamento, liberdade de associação, expressão,
opinião, voto, movimento, acesso igual à imprensa e acesso igual ao direito de
protecção pelas autoridades.
No concernente ao Protocolo IV, sobre questões militares, Raul Domingos disse
lamentar que o objectivo de constituir um exército nacional com 30 mil soldados,
sendo 50 por cento de cada parte, não foi alcançado. Quanto ao SISE e a Polícia
Pública, não houve nenhumas mudanças.
Um outro nó de estrangulamento é que o acordo para formar um pequeno número
de militares para garantir a segurança da liderança da Renamo como polícias não
foi implementado. Disse não ser verdade que a Renamo mantém um exército
escondido em Marínguè, pois o Governo está na posse de listas contendo os nomes
de todos os soldados indicados pela Renamo para o efeito.
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