Thursday 22 November 2012

Novas barragens no rio Zambeze e as mudanças climáticas

 



Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o facto de a escassez de água no futuro poder aumentar os riscos de conflitos no mundo pois, apesar da quantidade deste recurso ser constante, o aumento da população e a sua crescente procura, impulsionada em parte pela produção agrícola, faz com que a obtenção passe a ser uma questão de sobrevivência até 2050, altura em que a sua demanda será o dobro que a actual.
Porém, para além das causas acima mencionadas, nomeadamente o aumento da população e a produção agrícola, outros factores surgem agora como ameaças ao acesso ao líquido preciso: a necessidade de mais energia hidroeléctrica, para cuja satisfação é necessária a construção de barragens.
Porém, para além das causas acima mencionadas, nomeadamente o aumento da população e a produção agrícola, outros factores surgem agora como ameaças ao acesso ao líquido preciso: a necessidade de mais energia hidroeléctrica, para cuja satisfação é necessária a construção de barragens.
Em África, segundo um estudo elaborado por Richard Beifuss, intitulado “Risco Hidrológico e Grandes Hidroeléctricas na África Austral”, os líderes estão preocupados em fazer crescer a economia dos seus países e em melhorar as condições de vida dos seus povos, o que se traduz, em parte, no aumento da demanda de energia.
O continente tem enfrentado secas severas e recorrentes nos últimos 25 anos, o que se tem transformado num dos principais causadores da escassez de energia em muitos países dependentes da energia hídrica, o que tem acarretado um elevado custo para as economias.
Para contornar este problema (escassez de energia), grandes barragens hidroeléctricas estão a ser construídas ou projectadas. Só que tal é feito sem se incluir a análise de riscos da variabilidade hidrológica, típica dos padrões climáticos africanos, muito menos os impactos que isso possa causar ao clima. Mais, raramente os bens e serviços providenciados pelos ecossistemas de onde as tais infra-estruturas estão ou irão ser erguidas são tidos em conta.
Por exemplo, um dado que tem sido ignorado é o facto de diversos modelos sobre mudanças climáticas preverem que os padrões do clima do continente tornar-se-ão mais variáveis e que os eventos climáticos extremos serão mais frequentes e severos, com um aumento de risco para a saúde e para a vida. Só na região Austral de África, da qual Moçambique faz parte, estima-se que, dentro dos próximos 50 anos, entre 60 e 120 milhões de pessoas enfrentarão a escassez de água.
Uma ameaça chamada rio Zambeze
A Bacia do Zambeze, usada como caso de estudo, é um exemplo paradigmático dos desafios que os órgãos de tomada de decisão têm pela frente, tendo em conta os potenciais benefícios da construção de barragens e os riscos das mudanças climáticas.
Actualmente, a bacia tem uma capacidade instalada de produção de aproximadamente 5 000MW de energia hídrica, incluindo as barragens de Kariba (Zâmbia) e Cahora Bassa (Moçambique). Nos últimos anos, foram descobertos 13 000MW adicionais de potencial hidroeléctrico, o que motivou a projecção de mais infra-estruturas de geração de energia eléctrica, tais como o Mpanda Nkuwa, em Moçambique.
Esta bacia, que nasce nas montanhas Kalene, na região noroeste da Zâmbia e sudoeste da República do Congo e desagua no Oceano Índico, concretamente em Chinde, Moçambique, apresenta um dos climas mais variáveis entre as bacias dos principais rios do mundo. A precipitação anual varia entre mais de 1600mm em algumas áreas mais elevadas e menos de 550mm por ano em zonas com escassez de água.
Toda ela é propensa à ocorrência de secas extremas (que muitas vezes duram anos) e de cheias que ocorrem quase todas as décadas. As secas têm um impacto considerável no fluxo do rio e na produção de energia hídrica na bacia.
Já as cheias têm resultado em perdas de vidas humanas, perturbações sociais e grandes prejuízos à economia, o que constitui um desafio aos países que nela pretendem construir (mais) barragens. Estes devem equilibrar as vantagens entre manter os níveis de reserva altos para uma produção máxima de energia e manter um volume adequado de armazenamento de água para as cheias seguintes.
Riscos para a biodiversidade
A variabilidade natural do fluxo do Zambeze foi altamente alterada pelas grandes barragens, principalmente pelas de Cahora Bassa e Kariba, no curso principal, e pelas de Itezhi-Tezhi e Kafue Gorge Superior, no afluente Kafue. Estas hidroeléctricas modificaram profundamente as condições hidrológicas mais importantes e essenciais para se manter a biodiversidade e os meios e actividades de subsistência (agricultura, pesca, ...), tais como o calendário, magnitude, duração e frequência dos picos de inundação.
Mais de 11% do fluxo médio anual desta bacia evapora das grandes albufeiras, que estão associadas às hidroeléctricas. Estas perdas aumentam o risco de insuficiências na produção de energia, para além de afectarem significativamente as funções do ecossistema nas zonas ribeirinhas.
Só com as actuais barragens, os picos de inundações ocorrem apenas durante as maiores cheias da bacia, e são de duração e volume inadequados para sustentar e manter os sistemas de planícies saudáveis e funcionais. As inundações, quando ocorrem, são geralmente inoportunas pois são geradas durante as descargas de emergência feitas pelas albufeiras.
Riscos climáticos
O Plano Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um órgão criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em 1988 para estudar o problema das mudanças climáticas, categorizou o Zambeze como sendo a bacia hidrográfica que apresenta os piores potenciais efeitos das mudanças climáticas entre as 11 maiores bacias de África devido ao efeito do aumento da temperatura e da diminuição da precipitação.
Ao longo do próximo século, espera-se que as mudanças climáticas aumentem esta variabilidade e a vulnerabilidade da bacia. No geral, o Zambeze irá enfrentar períodos de seca mais secos e mais prolongados, e cheias mais graves.
Eis os principais riscos para a bacia do Zambeze no próximo século:
• Aquecimento significativo situado entre 0,3 e 0,6 ºC
• O aumento da temperatura ao longo da bacia poderá resultar no aumento da evaporação das águas superficiais expostas
• A precipitação ao longo da bacia irá diminuir em cerca de 10 – 15%
• Alterações significativas no padrão sazonal de precipitação ao longo da bacia, tais como início tardio da precipitação.
• A precipitação será mais curta e mais intensa
• Aumento da escassez de água, principalmente nas zonas semi-áridas
• Redução significativa do caudal médio anual nos países que fazem parte da bacia do Zambeze.
• Redução da capacidade das albufeiras e maior dificuldade de gestão das inundações
É necessário rever o projecto da barragem de Mpanda Nkuwa
O estudo refere que a maior parte dos projectos hidroeléctricos previstos para o Zambeze é desenhada com base numa história climática recente e na suposição de que os futuros padrões hidrológicos serão os mesmos, porém, esta fórmula já não serve.
Para o autor, é improvável que uma estação de energia hídrica, baseada no registo de fluxos do último século, forneça serviços esperados durante o seu tempo de funcionamento previsto. As inundações extremas, uma característica natural do sistema do Zambeze, tornaram-se mais dispendiosas a jusante desde a construção das grandes barragens, e serão agravadas pelas mudanças climáticas.
Tendo em conta estas preocupações, há que se rever o plano e a operação das barragens de Batoka Gorge e Mpanda Nkuwa, que estão a ser consideradas para o Zambeze, uma vez que foram baseados num arquivo hidrológico histórico e para a sua elaboração não foram avaliados os riscos associados à redução dos fluxos anuais médios e dos ciclos extremos de cheias e secas.
A questão do ecossistema tem sido ignorada em África
O modo como as barragens têm sido projectadas e construídas em África, considera o estudo, não inclui a avaliação do impacto das mudanças hidrológicas, tais como a capacidade de as populações se adaptarem aos novos regimes dos caudais e às mudanças climáticas no geral, e estas questões todas gravitam à volta do ecossistema, cujos bens e serviços por ele providenciados são de capital importância para a adaptação às mudanças climáticas.
Aliás, a Avaliação dos Ecossistemas do Milénio concluiu que os esforços para reduzir a pobreza rural e erradicar a fome dependem dos bens e serviços providenciados pelo ecossistema, principalmente na África Subsahariana, mas os mesmos podem ser gorados devido à contínua dependência da energia hídrica, que poderá ter graves consequências na economia, agricultura, pesca, pecuária, no turismo e no abastecimento de água.
Agricultura e acesso à água
O caso de Moçambique
Em Moçambique, tal como a região da África Austral, a produção alimentar depende mais das chuvas do que da irrigação, apesar de haver potencial para tal. A aposta na irrigação afigura-se um imperativo para o país e para a região, mas o que se pode constatar é que dos discursos às acções há uma distância abismal.
Propala-se aos quatro ventos que se pretende alcançar a soberania alimentar e garantir que todas as pessoas tenham acesso à água potável e possam praticar a agricultura sem dependerem da “mãe natureza”, mas meia volta aposta-se na construção das barragens para a produção de energia eléctrica.
No caso de Moçambique, existe o projecto de construção da barragem de Mpanda Nkuwa, a jusante de Cahora Bassa, que visa produzir electricidade para minimizar a crise energética nos países da região Austral de África. A mesma terá uma capacidade instalada de 1500 MW e mais 1000 MW adicionais e custará 2.402 milhões de dólares norte-americanos.
Ora, a barragem de Cahora Bassa, também localizada em Moçambique, concretamente na província de Tete, tem a capacidade de produção de energia eléctrica de mais de 2000 MW, dos quais 1100 MW destinam-se à África do Sul, 400 MW ao Zimbábwè e apenas 250 MW a Moçambique.
A corrente consumida na zona sul do país, nomeadamente nas províncias de Maputo, Gaza e Inhambane chega através de uma linha proveniente da vizinha África do Sul.
Paradoxalmente, até o ano 2010 apenas 43% da população moçambicana, cerca de 8.6 milhões, é que tinha acesso à água potável, dos quais 72% nas zonas urbanas e 26% nas rurais. Entretanto, a meta estabelecida pelos Objectivos do Milénio para Moçambique é que pelo menos 68% das pessoas deve ter acesso a este líquido precioso até 2015.
No sector da agricultura, o nosso país tem falhado as metas de produção nas suas campanhas agrícolas, sendo neste momento o que apresenta a mais baixa produtividade agrícola na África Austral. Tal deve-se, principalmente, à irregularidade na queda da chuva, ocorrência de secas severas e, por vezes, de inundações.
Especialistas têm defendido a elaboração de políticas eficazes que podem contribuir para a melhoria do desempenho agrícola e, por conseguinte, evitar a escassez de alimentos, as quais passam por apostar na irrigação e em técnicas modernas.
A componente irrigação é sugerida pelo facto de Moçambique partilhar 15 bacias hidrográficas da região da SADC, mas apesar deste potencial, apenas 40 mil hectares dos cerca de três milhões são actualmente irrigados.
Ora, se por um lado nós consumimos apenas 12,5% (250MW de 2000MW) da energia produzida pela nossa barragem (Cahora Bassa), e, por outro, existe a possibilidade de transformarmos o nosso país num dos celeiros, senão o principal, da África Austral, aproveitando o potencial hídrico que possuimos, qual é a necessidade de apostar na construção de mais uma hidroeléctrica?
Não seria mais sensato alocarmos estes recursos à construção de sistemas de irrigação nas principais zonas de produção agrícola? E se investíssemos em sistemas de abastecimento de água em regiões como Chigubo, Chicualacuala, e em tantas outras deste vasto Moçambique?
Será que vale mais perpetuar o sofrimento de milhões de moçambicanos que não têm acesso à água, que só gastam dinheiro para a aquisição de sementes em todas as campanhas agrícolas para não colher nem sequer um quilo no fim porque não chove? Ao que tudo indica, a prioridade é satisfazer os interesses dos nossos (países) vizinhos. Sim, porque o Mpanda Nkuwa destina-se a aumentar a oferta de energia à África do Sul, cujas previsões indicam que o consumo irá duplicar em 2017.
 


A Verdade

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