Sunday 30 October 2011

O “edifício da demagogia” está ruindo e agora até os “camaradas” e seus filhos se digladiam

O Ano “Samora Machel” retirou algum verniz da mobília.
Para além do passado a situação exige engajamento construtivo concreto. Os moçambicanos querem muito mais. Os moçambicanos querem esperança sustentada em actos concretos, que diariamente lhes mostre que quem governa está realmente interessado em mudar as coisas.
Comemorar ou celebrar faz parte da história de qualquer povo e nós não podemos fugir do nosso passado. Mas a ofensiva de celebrações de figuras do passado que se tenham distinguido na luta anti-colonial não pode ultrapassar determinados limites.
A crise financeira, a dependência do OGE de fontes externas, a ruptura de stocks de medicamentos no sistema nacional de saúde, a precariedade e condições desumanas de muitas escolas públicas, a gestão deficiente de resíduos sólidos em certas cidades e vilas do País deveria ser motivo para acções e programas concretos de austeridade a todos os níveis da governação para se superarem os problemas que existem, mas a “auto-estima” de alguns está a servir como pretexto para uns poucos irem vivendo rodeados de benesses até que a bomba social volte a explodir.
É possível celebrar e comemorar singelamente sem se ter que recorrer a tendas gigantes e banquetes um pouco por todo o país. É preciso que haja um mínimo de respeito para com os milhões de moçambicanos que diariamente nem sabem o que vão comer na próxima hora. A esmagadora maioria não sabe o que é uma normal refeição enquanto uns poucos que deliciam com banquetes que consomem milhões de meticais ao Estado. E depois esses mesmos comilões vêm dizer que não há dinheiro para se pagar melhor a quem trabalha, nem dinheiro para se investir na criação de mais emprego. É uma festa tudo isto enquanto a esmagadora maioria do Povo vai sendo esmagada pela esmagadora maioria qualificada no Parlamento e pelo Governo da Frelimo.
A humildade e a sensibilidade para com os governados têm de transparecer em cada acto.
Se governar comporta custos, como se alega e todos sabem, que esse dinheiro seja direccionado para o que é essencial, é o que se deve fazer com a máxima urgência e sem mais conversa fiada. Só quem não quiser entender isto será responsável pelo que acontecer quando a bomba social explodir.
Décadas de declarações a respeito da vontade de prosseguir com investigações tendentes a esclarecer como teria acontecido o acidente de Mbuzini ainda não dissiparam dúvidas nem trouxeram qualquer elemento novo. Os moçambicanos gostariam de saber das causas daquele acidente mais também gostariam de saber como pereceram outros moçambicanos em diferentes situações. A lista dos heróis de quem governa hoje, decerto que não esgota a lista dos heróis que outros moçambicanos consideram também seus heróis. E este tem sido um aspecto liminarmente excluído do debate nacional.
Jamais haverá reconciliação nacional se não houver coragem de incluir os heróis dos outros na sua real dimensão. É preciso despartidarizar os heróis e mais do que isso é preciso que deixe de haver só heróis do Sul.
Se temos ainda hoje gente que continua a apregoar que os outros são “bandidos” é porque estas pessoas tem cobertura se seus “camaradas”. Um dia o feitiço virar-se-à contra o feiticeiro se nada for feito agora. Da mesma maneira como o ANC sul-africano está instaurando um processo disciplinar contra Julius Malema por pronunciamentos que lesam politicamente aquele partido, seria interessante ver-se por parte da Frelimo uma acção firme no sentido de calar bocas como a do Sérgio Vieira que teima em ressuscitar fantasmas e em continuar a mentir ao povo moçambicano.
Aproveitar um debate televisivo relacionado com Samora Machel para continuar a insultar outros moçambicanos não só é descabido como é perigoso.
Depois queixam-se de que os outros instigam a violência!...
Este país não pode continuar de algumas pessoas que se julgam e intitulam donas em exclusivo de Moçambique. Tem de haver sensatez. Uma feroz luta fratricida levou os moçambicanos a convencerem-se de que a paz era um bem superior às suas divergências, mas não é com pessoas como o Senhor Vieira que isto se poderá manter.
Foi um processo complexo que misturou diversos actores e interesses e acabou por ser dignificante.
Sobretudo permitiu que os moçambicanos gozem de paz. O calar das armas é de celebrar. Mas temos de compreender que o fim da guerra não agradou a todos e certas provocações e abusos de poder podem acabar mal de novo.
A ofensiva comemorativa e de exaltação a Samora Machel deve ser vista como um jogo político visando colher benefícios políticos mas pode ser que o caldo se entorne.
Está claro que pessoas chamuscadas por actos ilícitos jamais encontrariam sossego com Samora Machel vivo. A “candonga” em que se transformaram muitos actos governativos, como a utilização da terra como colateral para a participação em joint-ventures não seria decerto permitida. Marxistas-leninistas de todos os costados jamais seriam accionistas em fábricas nem possuidores de edifícios alienados ao Estado agora em arrendamento. A associação da figura de Samora Machel com a actual Frelimo não faz qualquer sentido para quem viveu na 1.a República. Isso é um facto que nem aqueles que se diziam ou eram tidos como referências morais e políticas da Frelimo podem desmentir.
Reconhecer que se fez pouco ou nada para desvendar as causas da morte de Samora – ainda que os factos provem por si que se tratou de um acidente – seria bem importante e digno. Quem esteve por trás dos factos que conduziram a que houvesse acidente, é a questão por esclarecer e é ai que residem as grandes suspeitas. E neste âmbito a desconfiança não vai para o apartheid mas sim para dentro de portas. Quem fez com que a força aérea não descolasse? Quem fez com que o voo de Samora não tivesse combustível? Quem deixou um avião que dias antes tinha tido graves problemas em Mueda, voasse com Samora.
Quem deixou pilotos incompetentes voasse com Samora?
Reconhecer que não se construiu capacidade de investigação nem se alocaram meios para que se contratassem especialistas para o efeito e ao mesmo tempo pedir desculpas ao país seria de facto um acto com mais sentido e demonstrativo de interesse genuíno em resolver essa questão. Se há egos que ficaram inflamados com todo o espectáculo para os moçambicanos ainda persistem dúvidas.
Os políticos por vezes se apresentam enferrujados e mal aconselhados sobre o que fazer em situações delicadas. Onde se espera clarividência e sentido de estado vemos esbanjamento de parcos recursos públicos.
A lista e fila de bajuladores engrossa e com ela, a possibilidade de vermos realismo entrando pelos corredores do poder, esfuma-se.
Numa prática que denota sintonia completa entre os detentores do poder, não surpreende que seu discurso seja similar e sempre em defesa de realizações que só eles vêem. Longe de nós quer dizer que nada foi feito. Mas é preciso que se diga que esta III república está repleta de iniciativas empresariais de pessoas ocupando altos cargos no governo e empresas públicas. E assim sendo pouco tempo deve sobrar para os “ministros-empresários” dedicarem-se à gestão da coisa pública.
Já não é possível esconder que o “empoderamento económico negro” foi crucial para o surgimento de uma alta burguesia moçambicana, essencialmente constituída por membros proeminentes do partido no poder.
“Não podemos ter medo de ser ricos” dizem-nos.
Mas todos “os caminhos para esta Índia” exigem e requerem cartão vermelho.
E este açambarcamento do país similar àquele açambarcamento de alimentos que Samora Machel algum dia combateu nas suas ofensivas políticas e organizacionais, é o que basicamente concorre para a corrosão do tecido social, proliferação de práticas corruptas no aparelho do estado, partidarização da função pública, roubo descarado do erário público, auto-protecção, impunidade dos “camaradas”, promoção do culto de personalidade e da ditadura unipessoal.
Decerto que sem o factor travão que algumas figuras de peso na Frelimo exercem no seio deste partido a situação do país poderia ter resvalado para a guerra e para um regresso inequívoco aos tempos do partido único.
Temos de apreciar e louvar a atitude e apresentação de assuntos que uma certa juventude neste país está tornando em assuntos de interesse nacional.
Os que defendem uma distribuição mais equitativa das riquezas nacionais são jovens que demonstram não pertencer às hostes do servilismo.
O processo de construção de um país diferente e que diga algo a cada um dos seus filhos prossegue mesmo que forças fósseis do passado estalinista procurem remar contra a maré.
Os moçambicanos vencerão as tenebrosas forças que procuram açambarcar seu país…
Mas é preciso lutar muito. “Camarão que dorme a onda leva”.

Por Noé Nhamtumbo, Canal de Moçambique – 26.10.2011, citado no Moçambique para todos

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