Tuesday 30 March 2010

Uma manhã com Mo Ibrahim


No dia 15 de Março, iniciei a minha semana de trabalho na companhia de outros três colegas, com um encontro com o bilionário Mo Ibrahim, fundador e presidente do Conselho de Administração da fundação que ostenta o seu nome, e que visa promover os valores da boa governação em África.
No ano passado, em Dar-es-Salaam, durante uma reunião promovida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre os efeitos da crise económica mundial em África, tive a opor¬tunidade de ouví-lo falar de forma crítica sobre a des¬governação do sistema financeiro internacional. Dissera, na altura, que com os seus inves¬timentos havia perdido muito dinheiro como resultado da crise.
A conversa a que me refiro, permitiu-me saber um pouco do seu pensamento em todas as esferas da vida humana.
Ibrahim nasceu no Sudão em 1946, e de pequeno partiu com os pais para Alexandria, no Egipto, onde adquiriu o Bacharelato em engenharia electrotécnica. Mais tarde dou¬torou-se em Comunicações Móveis pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
Da sua vida profissional sabe-se que de entre outras funções assumiu o posto de director técnico da British Telecom, a empresa pública de telecomunicações da Grã Bretanha. Foi nessa capacidade que lançou o primeiro serviço de telefonia móvel no Reino Unido em 1985.
Em 1989 fundou a Mobile Systems Inter¬national (MSI), uma empresa de consultoria em tecnologia e desenvolvimento de software de comunicações. Em 2000 vendeu o negócio por 900 milhões de dólares.
Em 1998 fundou a Celtel, uma empresa de telefonia móvel com operações em pelo menos 16 países africanos. Depois vendeu a empresa em 2005 por 3,4 biliões de dólares.
Mo é de uma extraordinária visão da vida e do mundo que deixa qualquer interlocutor seu fascinado. Uma das coisas que fez com o dinheiro da venda da Celtel foi a criação da Fundação Mo Ibrahim, cujo objectivo é promover a boa governação em África.
A Fundação Mo Ibrahim atribuí um prémio regular aos Chefes dos Estados africanos que, estando fora do poder, tenham se notabilizado como governantes pelo seu esforço na promoção dos valores da democracia e de respeito pelos direitos humanos, e que tenham deixado o poder voluntariamente ou ao fim dos seus mandatos legais. O primeiro (e até aqui o único) vencedor deste prémio foi o antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano.
Mo Ibrahim diz que nunca conheceu Chissano antes de vencer o prémio, o qual é atribuído por um Conselho de figuras iminentes, num processo em que o dono da fundação está totalmente alheio.
Quando se questiona à Mo Ibrahim porque é que no lugar de usar o dinheiro para o seu próprio benefício decidiu criar a fundação, a sua resposta é tudo quanto menos se pode esperar de alguém. Tive uma nobre carreira e fiz muito dinheiro, responde. “Mas o problema do dinheiro é que, ou você usa o dinheiro ou deixa-se usar pelo dinheiro”.
O que é que ele pretende dizer com isso? Eis a resposta: “Algumas pessoas tornam-se escravas do dinheiro; ficam sempre a controlar a sua conta bancária, e querem mais”.
Outras, diz Mo Ibrahim, constroem várias e grandes mansões. “Mas quantas casas é que alguém pode ter? E será possível alguém dormir em mais do que uma cama?”
São perguntas retóricas, mas percebe-se o que com isso ele pretende dizer: embora reconheça que é bom alguém ter muito dinheiro, “porque o dinheiro liberta”, há outros valores que o caracterizam como pessoa: “Se posso usar todo este dinheiro para lutar contra a pobreza, dar oportunidades de ensino aos menos favorecidos, daí advém a minha felicidade e sentido de auto-estima”.
E lança mais uma pergunta retórica: “O que é mais importante para um ser humano? Tirar um milhão de pessoas da pobreza ou comprar um iate”?
Sobre as questões da governação em África, os seus pontos de vista são claros. Sem as habituais demagogias de certos sectores da diáspora africana no Ocidente, que não vêm outros males se não o colonialismo. E estabelece uma comparação entre África e a Ásia.
A diferença entre África e Ásia para Mo, é que este último continente “tem melhor liderança. África na altura da independência estava em melhores condições que a Ásia. África tem a melhor gente, tem os melhores recursos que os outros continentes, mas é o mais pobre de todos. Sim, o colonialismo foi terrível; mas há muitos anos que os colonialistas já se foram embora, e é ridículo continuar a responsabilizá-los pelas nossas fraquezas”.
Mas não será que África precisa de adoptar o seu próprio paradígma, e não se guiar pelos valores ocidentais de boa governação e respeito pelos direitos humanos?
A resposta de Mo é cáustica: “Os dirigentes africanos são os maiores consumidores de tudo quanto o Ocidente tem para oferecer, mas quando se fala de direitos humanos eles dizem que é coisa do Ocidente. É hipocrisia”.

Por Fernando Gonçalves, SAVANA, 26/03/10

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