Tuesday 2 March 2010

“Paúnde é um retrógrado”

Sobre a partidarização do Estado moçambicano

Afirma Salomão Muchanga, Presidente do Parlamento Juvenil

O Presidente do Parlamento Juvenil, Salomão Muchanga, condenou as recentes declarações do secretário geral do partido Frelimo segundo as quais o Estado moçambicano devia ser definitivamente partidarizado a favor do partido no poder. Falando ao SAVANA a propósito do início do ano de actividades do PJ, Salomão Muchanga não deixou de aproveitar a deixa para denunciar o que chamou de manifestação pública daquilo que vem sendo insinuado por alguns sectores ligados ao poder desde as últimas eleições gerais que deram vitória à Frelimo.

“Foi um discurso infeliz que o número dois da Frelimo proferiu publicamente, um discurso desconexado dos reais valores de um Estado de Direito e Democrático”, disse Muchanga.

Para o líder do PJ, o discurso de Paúnde não pode ser visto como se tratando de um discurso isolado, a avaliar pelo facto de ainda não se ter feito ouvir uma voz discordante dentro da própria Frelimo. “O que nos preocupa é que ainda não tenha aparecido ninguém de dentro do partido a sacudir o capote ou a se distanciar de Paúnde, o que é grave”, referiu.

Muchanga acrescentou que as palavras de Paúnde não só deviam preocupar a sociedade em geral e os jovens em particular, como também a própria Frelimo deveria convidar Paúnde a retrair-se.

“É um discurso que nos assusta, mas que não nos intimida, pois demonstra quão grande são os desafios que Moçambique enfrenta”, precisou.

Instado a pronunciar-se sobre a recente criação do Instituto Nacional da Juven­tude, Salomão Muchanga foi peremptório ao referir que não basta a criação das instituições, é preciso que haja políticas sérias, é preciso potenciar as instituições que já existem, como o caso do Fundo de Fomento para a Habitação e o Instituto Nacio­nal do Emprego e Formação Profissional,instituições res­ponsáveis por resolver os problemas da habitação, do emprego e da habitação que apoquentam os jovens.

Para o PJ, 2010 é um ano de consolidação do movi­mento, um ano em que, segundo Salomão Muchan­ga, o país vai viver uma nova revolução, uma revolução cívica.

Para marcar o início do ano de actividades, o movi­mento irá realizar, entre os dias 4 de Março e 22 de Abril, 11 conferências provinciais sobre Democracia e Boa Governação. O objectivo, segundo Muchanga, é desen­volver uma estratégia na­cional de monitoria do gover­no nas áreas que dizem respeito à juventude, so­bretudo as áreas vitais do emprego e da habitação, tendo sempre a problemática do HIV/SIDA como área transversal.

“Começaremos logo a dar a entender que 2010 é um ano de libertação da ju­ventude da apatia a que se via remetida em termos da sua participação pública, pois vai se sentir que a juventude quer assumir a liderança dos processos de desenvol­vimento”, adiantou.

Durante os fóruns provin­ciais, os activistas do mo­vimento vão recolher subsí­dios para a advocacia partici­pativa visando desenvolver melhores mecanismos de participação dos jovens nos programas de desenvol­vimento.

“Os jovens vão debater o processo de democratização em curso no país, as opor­tunidades e os desafios do dia-a-dia, o seu lugar na governação”, elucidou.

Muchanga considera que à medida que a análise sai do discurso político e se apro­xima dos distritos, que são os pólos de desenvolvimento, nota-se que as prioridades da juventude vão se diluindo, quer por defeito de pla­nificação, quer por ausên­cia de uma abordagem inte­grada dos assuntos da ju­ventude.

Hoje, segundo o número um do PJ, ainda se fala de uma política nacional da juventude obsoleta, simplista, extemporânea, onde ainda precisa de ser desenvolvido um grande exercício para se fazer face às práticas retró­gradas de se governar a juventude sem que a própria juventude esteja presente.

A realização dos fóruns provinciais nas 11 províncias do país pressupõe que em cada província o PJ passará a ter um plano de acção de monitoria de cada governo provincial. Em cada província, segundo Muchanga, o PJ pretende ter 100 jovens oriundos de diferentes orga­nizações juvenis, incluindo os que provêm de partidos políticos ou não, orga­niza­ções femininas, o que vai permitir que aquilo que se fala em cada ponto do país possa ser percebido em qualquer outro ponto.

“Vamos discutir os orça­mentos alocados à juventude em cada província, o que vai permitir a rotura do modus operandi da juventude”, disse a fonte.

A partir deste ano, o PJ passará a produzir relatórios da situação da juventude em Moçambique, pesquisando a situação do custo de vida para os jovens, estudando como eles vivem somente com o salário mínimo, a questão do transporte.

“Esse estudo vai-nos apoiar na elaboração do nosso Plano Estratégico 2011/2014”,considerou Muchanga.

No ano passado, o PJ contou com o apoio da Fundação Konrad Adnauer, da Embaixada da Alemanha, da Embaixada dos E.U.A, da Ajuda Popular da Noruega, da Open Society Initiative for Southern Africa (OSISA), da British Council e da UNESCO, sendo que, para este ano, o desafio é que “os parceiros continuem connosco, mas que também outros venham se juntar à causa da juven­tude”, segundo Muchanga. A nível do governo, o PJ celebrou, recentemente, memorandos de entendi­mento com a Autoridade Tributária de Moçambique (ATM), com vista à promoção de actividades de educação fiscal junto dos jovens, mas também com o Ministério do Trabalho, através do Instituto Nacional do Emprego e Formação Profissional (INEPP) com vista à inserção dos jovens no mercado laboral. Neste momento, o PJ dá enfoque aos jovens desmobilizados do Serviço Militar Obrigatório, onde mais se verifica a triste situação de haverem jovens que apren­dem a usar armas mas que depois se vêem remetidos ao desemprego.

O PJ espera ter uma maior abordagem com a As­sem­bleia da República, órgão através do qual espera fazer valer a sua intenção de contribuir para a revisão de vários dispositivos legais para o benefício da juventude.

O PJ nasceu num contexto de discussão de vários as­suntos que directa ou in­directamente influem na vida da juventude, desde a au­sência de uma política de habitação para jovens, inefi­ciência da estratégia de emprego e formação profis­sional, a lei do serviço militar, assim como o processo eleitoral.

Muchanga faz um balanço positivo das actividades realizadas pelo PJ ao longo do ano passado. Considera que o ano passado serviu para dizer que em Mo­çam­bique existem jovens que se cons­tituem agentes da mu­dança. Foi o primeiro ano e serviu, segundo Muchanga, para estabelecer o movi­mento ao nível nacional com vista à intervenção efectiva dos jovens nos assuntos que lhes dizem respeito, designa­damente a participação da juventude nos processos de demo­cratização, desen­vol­vimento, governação e elei­ções. “Estava mais que claro que as eleições tinham relação directa com o futuro do país, com os programas públicos atinentes à ju­ventude”, frisou.

O PJ continua a considerar que a exclusão dos partidos políticos de participarem nas eleições de 28 de Outubro último pela Comissão Na­cional de Eleições, com o beneplácito do Conselho Constitucional, mostrou que o processo foi conduzido de forma exclusivista.

Neste aspecto, Muchanga condenou o posicionamento de alguns observadores, incluindo a União Europeia, por referirem que apesar de algumas irregularidade, as eleições foram livres, justas e transparentes. “Isso não é verdade, a avaliar pela ex­clusão dos partidos”, referiu, acrescentando que as últimas eleições vão continuar a merecer a atenção nos de­bates do PJ, tendo em conta a revisão da lei eleitoral que tende a beneficiar a Frelimo em detrimento das outras formações políticas.



Armando Nenane, SAVANA, 26/02/10



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