Monday 29 March 2010

Tráfico de seres humanos



O artigo de destaque desta edição contém histórias horrendas de exploração humana que fazem recordar os tempos da escravatura. Histórias de uma extensa rede de tráfico de seres humanos, particularmente mulheres, com tentáculos em Moçambique, África do Sul e China.

Qualquer pessoa racional seria perdoada se ficasse surpreendida ao saber que em pleno século 21 pessoas continuam a ser vendidas a proprietários abastados que precisam desta mão de obra barata para continuarem a expandir os seus impérios financeiros. Até aonde a ganância pelo dinheiro pode chegar.

As reportagens foram resultado de cinco semanas de um trabalho de investigação, em encontros durante os quais os traficantes identificaram-se abertamente como tal, narraram as suas histórias e métodos de

trabalho, os seus esquemas, as casa de trânsito, etc. Fizeram tudo isto, incapazes de suspeitar que as suas conversas estavam a ser gravadas secretamente, e que uma câmara invisível estava a fazer o registo fotográfico de todos os seus movimentos.

Mostraram aos investigadores uma flat na baixa da cidade de Maputo onde as suas vítimas são guardadas antes da viagem sem retorno para a África do Sul. Uma mansão delapidada na Matola que serve de ponto de trânsito para futuras prostitutas chinesas baldeadas na Beira a partir de navios de carga.

Gabaram-se dos métodos brutais que usam para converter meninas inocentes em escravas sexuais e das suas conexões com agentes da polícia que facilitam a passagem ilegal das vítimas na fronteira entre Moçambique e a África do Sul.

As revelações feitas pelos traficantes não deixam dúvidas quanto à extensão do problema do tráfico de mulheres a partir de Moçambique para alimentar a insaciável e perversa indústria do sexo na África do Sul.

Crianças de 16 anos, suficientemente jovens para serem filhas (e até netas) dos próprios traficantes, são vendidas por cinco mil randes. O seu destino é a satisfação dos desejos sexuais de homens de mentes perversas, e que podem ser mais velhos que os próprios traficantes.

Segundo os próprios traficantes, o negócio é tão lucrativo que a média de mulheres comercializadas situa-se entre 30 e 40 mulheres por mês, ou seja um mínimo de uma mulher por dia, mulheres que são extraídas de famílias tão pobres que não se podem dar ao luxo de olhar para o lado quando se lhes dizem que as filhas estão a partir para um emprego no estrangeiro, que lhes ajudará a sair da sua condição de pobreza crónica.

Estes números baseiam-se na presunção de que esta seja a única rede de tráfico que opera em Moçambique. Na eventualidade, não menos real de haver mais redes, podemos concluir que a magnitude do problema é bem maior do que se pode imaginar.

Tal é o nível de vulnerabilidade da nossa gente, exacerbada ainda por fragilidades institucionais que não permitem que se trave um combate cerrado contra esta barbárie.

Mas essas fragilidades não nos podem servir de álibi para que as nossas co-cidadãs continuem desprotegidas. Faz parte das atribuições do Estado proteger todos os seus cidadãos, independentemente da sua condição social, raça, crença religiosa ou inclinação ideológica.

Moçambique dispõe de legislação que penaliza o tráfico de pessoas. Esta legislação deve ser efectivamente posta em prática em defesa de pessoas que dada a sua vulnerabilidade apresentam-se como campo fértil para a actuação e enriquecimento de gente sem escrúpulos.


(Editorial do SAVANA, 26/03/10)

1 comment:

Anonymous said...

O dever de qualquer governo é o de oferecer proteccao aos seus cidadaos, de forma especial aos mais vulneraveis, tais como criancas e idosos.
A aposta deve ser SEMPRE na educacao de todos os cidadaos, desta forma dando-lhes ferramentas para poderem arranjar os seus empregos e ser auto-suficientes; este é o unico modo de evitar-se situacoes destas.
Os Pais, educadores, familiares devem trabalhar em conjunto com o governo, pois estes ensinamentos devem comecar em casa, no seio do lar/familia.
Muitos destes casos acontecem por mera ignorancia e tambem por desespero das familias e dos lesados, que vivem na absoluta miseria, sem qualquer forma de ajuda financeira ou outra, e com perspectivas quase nulas de melhorarem as suas condicoes de vida.
Maria Helena