Votar é um direito e uma obrigação para os cidadãos com capacidade eleitoral. A democracia afirma-se quando os cidadãos têm a oportunidade de exercer seu direito de escolher quem querem que governe o país ou a sua cidade.
Aos partidos ou grupos cívicos cabe trabalhar no sentido de apresentar plataformas políticas que convençam o cidadão de que merecem ser eleitos.
No caso moçambicano e para que os processos eleitorais que se avizinham decorram dentro da chamada normalidade e não haja zonas de penumbra que suscitem dúvidas quanto a credibilidade, importa que os cidadãos e os partidos políticos estejam atentos. O estado de alerta deve ser máximo quanto a manobras ilícitas que porventura alguém esteja planeando.
O ideal em democracia é que os eleitos o sejam sem recurso a procedimentos duvidosos ou fraudulentos. A tentativa e mesmo o uso de meios ilícitos está bem presente na memória colectiva dos moçambicanos, sobretudo em 1999, mas não só.
O passado recente no capítulo eleitoral mostra que não se deve confiar. Com cumplicidade de órgãos eleitorais, de organizações da sociedade civil, de doadores internacionais foram cometidas e testemunhadas irregularidades que não seriam aceites em qualquer outro país que se diga democrático.
Permitir que irregularidades e práticas claramente ilícitas passassem à vista de todos não pode ser imputado aos outros mas sim a fraquezas internas dos partidos concorrentes.
Para os doadores internacionais o mais fácil é carimbarem os pleitos como justos e transparentes se não houver objecções fortes e fundamentadas em tempo útil pelos protagonistas dos processos.
A capacidade dos partidos políticos apresentarem casos sólidos de violação da legislação eleitoral faz parte dos esforços para implantar uma democracia não só credível para os moçambicanos como também para o resto do mundo.
Não se pode ficar à espera que os outros partidos actuem dentro daquilo que são os limites do razoável e que não recorram a manobras obscuras para que os resultados finais sejam a seu favor.
A política é também uma batalha sem quartel. Mesmo quando se diz que ela acontece com ausência de armas isso não é totalmente verdade porque sempre que possível os detentores do poder fazem uso delas.
Os conflitos pós-eleitorais de Montepuez que levaram a asfixia de muitos moçambicanos são uma manifestação do uso das armas para fazer política e garantir que resultados contestados passem.
A responsabilidade de dar corpo e alma a todo um projecto de construção de um país viável é de todos os moçambicanos, especialmente daqueles que se colocam na posição de líderes políticos e de organizações sociais.
Há todo um acumular de evidências, mais ou menos a descoberto algumas delas, de que a luta pelo voto popular que se avizinha terá muitos condimentos ilícitos. Já se começam a observar sinais preocupantes de que há gente que não desiste de usar meios do Estado para financiar campanhas políticas. Os meios de comunicação social públicos já aparecem abertamente a privilegiar uma parte em detrimento de outras interessadas nos pleitos eleitorais. É evidente a armação que distintas personalidades ligadas ao poder se prestam a executar. A manutenção do poder está cegando mesmo gente que se julga acima de todas as suspeitas. Existem muitos moçambicanos que se estão beneficiando de todo um status e mordomias à custa de alinhamentos políticos circunstanciais. A distribuição de favores e posições no aparelho de Estado faz-se a velocidade das conveniências e dos serviços prestados. Sabe-se que neste país houve reitores de universidades públicas que jamais teriam exercido essas funções se não tivessem tido um desempenho de crucial importância no quadro dos processos eleitorais. É preciso que a ingenuidade não nos deixe confundir competências técnicas e profissionais com desempenhos politicamente favoráveis.
Os partidos políticos em presença se não sabem com que linhas se cozem as coisas no cenário nacional estão verdadeiramente perdidos.
Muitos dos procedimentos que se podem testemunhar revelam falta de escrúpulos de um lado e uma verdadeira ingenuidade e moralismos deslocados de outro. Parece que há gente que espera que os políticos tenham um comportamento limpo e isento de máculas como aquelas que caracterizam a actuação de organizações do sub-mundo da máfia. Isso não é verdade nem acontece. Os golpes mais baixos possíveis são também parte do arsenal pronto a ser usado pelos políticos nas batalhas pelo voto dos cidadãos. A maneira como se conquistam os resultados eleitorais fala por si e na verdade tem havido e acontecido o que toda a gente sabe, devido a fraquezas na actuação dos políticos que fazem parte da oposição. Sem uma mudança célere e profunda na maneira dos políticos se situarem e agirem no seu quotidiano não haverá como reverter esta situação de falsificação continuada dos resultados eleitorais. Falar deste modo não é mentir pois está documentado e é do conhecimento de todos, que em Moçambique os resultados que servem para validar a vitória de uns e a derrota de outros são fruto de manobras ilícitas. Não é estranho que depois de votos favoráveis a uma das partes terem sido anulados e supostamente deitados no mar ou em rios, depois de votos de círculos eleitorais, importantes do ponto de vista demográfico, terem sido esquecidos na altura da contagem, que os resultados não cheguem a expressar a vontade popular. Também o silêncio cúmplice de grande parte dos observadores nacionais e internacionais não é obra do acaso.
A situação denominada de democracia entre nós é ridícula e insustentável devido ao modo como se governa o país e devido ao modo como as pessoas chegam às cadeiras do poder.
Toda a glória que cobria uma parte considerável dos nossos libertadores se esfumou conforme os anos foram passando. Agora o jogo aberto é agarrar e manter o poder sem olhar a meios. Também há que sermos francos e afirmar que muitos dos opositores não dispõem de argumentos e apresentam-se com tal ingenuidade que não coincide nem corresponde aos desafios nacionais e muito menos às aspirações dos moçambicanos.
Toda a embrulhada de teorias, primeiro marxistas e depois liberais mostra a fibra de que é feita muita da nossa classe política.
Deixemo-nos de ilusões quanto a integridade, substância e verticalidade de muitos daqueles que por uns meios ou outros chegaram ao poder. Os ideais que muitos diziam defender estão todos esburacados. Fica à mostra toda uma motivação política que em virtude da sua implementação abriu feridas profundas no tecido social do país. Egocentrismo, ambição desmedida, uma luta de libertação feita sob dependência e manipulação de parceiros interessados em aumentar a sua zona de influência, as inconsistências no posicionamento do Ocidente, tudo isso favoreceu o surgimento de manifestações e um ordenamento político contrários às lógicas de normalidade governativa. As condições de edificação de um Estado fundado na democracia começaram a ruir por aí. Os programas inscritos nos estatutos da principal força de libertação jamais foram postos em prática. O que infelizmente se pode verificar em termos de opções políticas concretizadas no país, não passa de políticas feitas por arrastamento ou cópias pouco fiáveis de modelos aplicados noutros países. Debilidade ideológica associada à própria debilidade do país tem colocado os moçambicanos à mercê da conjuntura. Uma globalização galopante e que não se compadece com fraquezas e lamúrias dos que se dizem fracos e desprotegidos piora o quadro em que se faz politica no país.
Qualquer pretensão de se por termo ao subdesenvolvimento e a criação de condições concretas para que a democracia eleitoral se traduza em desenvolvimento e normalização requer que os políticos se situem no país real e procedam de acordo com as exigências e as dificuldades existentes.
O fim das batotas e do jogo sujo institucional só pode acontecer com a atenção e trabalho político bem como técnico consistente e não com actuações esporádicas.
As maquinações organizam-se e os partidos concorrentes às eleições devem-se preparar de maneira adequada em tudo o que diga respeito ao processo eleitoral.
Os aspectos de tecnologia informática não devem ser deixados unicamente para o STAE. A fiscalização não pode ser descurada e confiada a quadros medíocres em momento algum. Partidos e observadores devem com a sua insistência e denúncia colocar a polícia no lugar que lhe cabe estar no âmbito eleitoral.
As organizações da sociedade civil tem de manter a equidistância necessária e evitar por todos os meios transformarem-se em mais uma organização de massas do partido no poder ou de outro.
Importa que todos nos compenetremos de que a possibilidade de alternância democrática do poder continuará de remota realização enquanto não houver trabalho com afinco.
Qualquer distracção no processo paga-se com a derrota eleitoral. Os detentores do poder jamais facilitarão. Eles se estão preparando e afinando a sua máquina no sentido de garantir a continuação no poder. Aos eleitores cabe não deixar as águas correrem sem que sejam eles a dirigirem-nas sob pena de depois ser tarde demais.
( Noé Nhantumbo, no Canal de Moçambique de 19/08/08, retirado com a devida vénia)
Noé Nhantumbo fez aqui uma lúcida e exaustiva análise da actual conjuntura política moçambicana. Numa altura em que os próximos pleitos eleitorais se aproximam velozmente, fica o aviso de que as pessoas de boa vontade estão atentas às manobras da Frelimo e de que é tempo de a Oposição arregaçar as mangas para o árduo trabalho em frente.
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