O docente universitário e analista político, Alberto Ferreira, disse ao DEBATE que o país precisa de um Governo técnico e não político como o actual, porque iria contribuir para acabar com a apatia das instituições públicas, dinamizar e assegurar um desenvolvimento efectivo e inclusivo, incluindo o fortalecimento das instituições que pouco ou quase nada fazem para dinamizar e consolidar o processo democrático que enferma de apatia e disfuncionalidade que está a gerar repercussões negativas, nomeadamente a intolerância política que mina a paz, o desenvolvimento e o bem-estar social, económico e político.
A fonte explica que há necessidade dos partidos políticos, movimentos associativos e outros actores políticos serem pragmáticos e activos, com vista a influenciar o Governo a observar a cultura democrática ainda inexistente, de modo a garantir a transição de governos políticos, que continuam submissos às ideologias, para os governos técnicos, e desta forma contribuir para o alcance do desenvolvimento efectivo e com impacto em cada integrante da sociedade.
Ferreira sublinha que Moçambique não necessita de desenvolvimento de ideologias partidárias, mas da nação, que continua a ser a principal sacrificada, quer pela Renamo que coloca em perigo a estabilidade económica, política e social, quer pelo Governo, que se mostra incapaz de estancar as assimetrias sociais de acesso ao sistema judicial, educação condigna, participação na tomada de decisões, entre outros males que enfermam os moçambicanos.
Na óptica do entrevistado, foi a própria Frelimo que exagerou ao conceder e aceitar todas as exigências da Renamo, que foram bem aproveitadas pela perdiz, muito por culpa da fraqueza do seu oponente, o que demonstra que a ocorrência de uma chantagem política é o resultado da falta de clareza na actividade do Estado, porque não tem sido imparcial e muito menos justo – caso da retirada polémica do dr. Augusto Paulino na Procuradoria-Geral da República.
“O chefe de Estado, Filipe Nyusi, eleito nas eleições de 15 de Outubro, vai encontrar barreiras para impor-se na sociedade, o que o coloca em desvantagem. Por isso, deve criar e solidificar o poder, porque não é reconhecido pela população e não reúne consenso no partido, mesmo sendo o actualmente número um”, disse.
Constituição da República é anti-democrática
Para Ferreira, o presidente moçambicano tem muitos poderes que acabam por sufocar ou silenciar outras formas de poder, nomeadamente o judicial e o legislativo, porque a Constituição moçambicana é anti-democrática, pois não desequilibra os três poderes.
“O governo moçambicano é anti-democrático a partir da lei-mãe, o que se reflecte em actos e inconstitucionalidades frequentes, admite o pluralismo político que não encontra efectivação na prática, o que inibe que haja justiça, porque o estadista é quem concentra e decide sobre todos os assuntos pertinentes para a implantação e funcionamento do Governo”, replicou a fonte.
Por outro lado, olha para o deputado moçambicano como um instrumento de chancela das vontades dos assuntos oriundos da presidência e não para aprovação de políticas que acomodem as necessidades da população, o que demonstra que a Assembleia da República não possui autonomia e nem poder para contrariar as decisões do chefe do Governo.
“A nomeação de reitores limita o seu raio de acção, porque a Universidade não é um centro de harmonização ideológica, tal como tem acontecido actualmente, mas um campo de produção científica, o que impede o desenvolvimento da investigação, porque apenas faz-se o que agrada o regime no poder”, afiançou Ferreira.
Precisamos de instituições fortes e não líderes com pujança
Líderes fortes apenas acomodam os seus interesses e o Estado depende dele para funcionar, ou seja, é apropriado como propriedade privada. Portanto, Moçambique necessita de instituições fortes que garantam o funcionamento da justiça, autonomia, independência e bem-estar da população, revelou Ferreira.
Portanto, o entrevistado alerta para que não se atribuam poderes excessivos ao Chefe de Estado, porque pode perigar e tornar fraco qualquer acção governativa, tornando-a refém do líder e transformando a democracia numa aristocracia, tal como acontece em Angola.
Governo tem medo da Renamo
Segundo Ferreira, o Governo tem medo da Renamo. O testemunho disso é a atribuição de um montante ingente ao líder da perdiz que vai usufruir anualmente 71 milhões de meticais, o que representa um salário mensal equivalente a seis milhões, uma vez que a Renamo reforçou-se quando esteve nas matas de Muxúnguè.
Apesar da insegurança do partido no poder, ela não deve acomodar a exigência da criação do Governo de gestão, mas nomear alguns indivíduos da oposição com competência para servir com isenção e imparcialidade o Estado, através da introdução paulatina do processo de inclusão.
"O grande erro da Frelimo foi, e continua a ser, a visão de olhar para outras forças políticas como inimigas e não como adversários políticos e caso permaneça a exclusão, a guerra não será apenas da Renamo, mas de todos os actores políticos, sociedade civil e outras forças activas, por causa da promoção de cargos de direcção, com base nas filiações partidárias", sustentou o analista.
Comissão Nacional de Eleições é escrava dos partidos
A partidarização da instituição, a elaboração de uma lei exclusória e tendenciosa tornam as eleições incredíveis e volúveis, porque acomodam interesses dos partidos que estão representados, relegando para o segundo plano outras formações políticas, desabafou o pedagogo.
"Devemos tornar a CNE apartidária, de modo a garantir imparcialidade, credibilidade e confiabilidade nas acções de supervisão, realização e divulgação de resultados livres, justos e transparentes, e desta forma assegurar igualdade e competitividade política".
Política moçambicana é aceitável e não ideal
Ferreira assegura que Moçambique, em comparação com os países africanos, apresenta um panorama político aceitável, devido a ocorrência de eleições regulares, inexistência de golpes de estado, guerras civis e militares, direito de escolha, entre outras, embora ainda persista a tendência ou cultura política de que quem ganha é dono de tudo e o derrotado perdeu tudo, o que do ponto de vista de convivência política constitui uma ameaça gritante.
“E mais, quem ganha tem a possibilidade de excluir e humilhar o adversário. Por isso, que a Renamo não recorre à via do diálogo para resolver as diferenças, mas ao uso da força para se fazer sentir, e por causa dessa situação persiste a instabilidade política, as reclamações sobre a ingestão partidária nos assuntos que ocorrem de forma frequente, porque a exclusão tende a ganhar contornos alarmantes”, disse.
Ferreira realça que parece que há uma vontade do partido no poder de eliminar o adversário, o que poderá pôr fim a aparente democracia, por falta de respeito das diferenças ideológicas e políticas. “Há outra confusão do partido-estado, porque faz do Estado e do Governo um partido, o que demonstra que estamos perante um sistema de partidocracia e não democracia, como legalmente está plasmado”.
Na visão de Ferreira, a partidocracia significa hegemonia do partido, que suplanta o Governo e o Estado, onde as pessoas vivem à custa do partido para colmatar as insuficiências pessoais, porque não têm capacidade e competência para desenvolver actividades que catapultem a sua economia e do país. O que demonstra que o partido já não é uma instituição do Estado, mas uma filiação coerciva e condição primordial para ascender aos cargos de grande magnitude, porque a competência é deixada para o segundo plano.
O país ainda ressente-se das sequelas ideológicas do marxismo, não do ponto de vista ideológico, mas como instrumento que legitima os interesses do partido no poder, que ainda prefere excluir os outros como única forma para manter a sua hegemonia, revelou o entrevistado.
Frelimo usa a exclusão para manter-se no poder
A criação de limites para que os partidos da oposição não participem, de forma constante na actividade política, testemunha que estas instituições são vistas como um inimigo a abater. Para mudar esse cenário há necessidade da sociedade civil, as forças políticas e a população participarem, de forma constante, na vida política para desencorajar a ingestão partidária, explicou ainda Ferreira.
O interlocutor defende também que não são apenas os madgermanes que devem insurgir-se ou efectuar greves. Todos os actores da população devem desenvolver acções que desencoragem o enraizamento da partidocracia no Estado moçambicano.
Ferreira revelou ainda que mais de metade da população é analfabeta, e deste universo os que percebem de política não atingem a cifra de 2 porcento, facto que cria condições para que a população não tenha nenhum poder, porque não exerce a democracia, por causa do desconhecimento do funcionamento da máquina governativa, dos seus reais direitos e participação quase nula na vida política, o que somente contribui para a consolidação do poder da Frelimo.
“Quando o partido atinge 80 a 90 porcento de consenso num Estado, mata a democracia. Por isso, deve existir uma disputa equilibrada e igualdade de oportunidade na governação, de modo a assegurar o fortalecimento da democracia”, advertiu Ferreira.
Ferreira acrescenta que os dois partidos excluem a fonte da legitimidade – o povo – porque quem legitima o poder do partido é a população e não a luta de libertação e da democracia. Por isso, há necessidade de deixar a mania de autolegitimar-se, para que os eleitores chancelem quem deve dirigir os destinos do país.
Coutinho Fernando (coutofernando.fernando1@gmail.com)
FONTE: Debate
FONTE: Debate
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