Wednesday, 27 May 2015

O extremismo em nome da lei


Para quem vem acompanhando o discurso de Filipe Nyusi nos últimos dias, fica claro o endurecimento e o radicalismo das suas posições em relação à Renamo e a Afonso Dhlakama. Tais posições de extremismo são susceptíveis de criar preocupação a qualquer cidadão minimamente avisado, quando ainda está fresca a memória de um passado recente, em que o extremismo também foi anacronicamente usado como estratégia.
Apesar de o discurso oficial ter adoptado o refrão “tensão político-militar”, a verdade é que o país chegou a viver uma segunda guerra civil, exactamente por causa dessa postura radical que nos é dada a assistir hoje, tomada por quem era de se esperar que demonstrasse doses mínimas de responsabilidade.
Hoje, estamos perante um Filipe Nyusi que também quer provar que é homem, à custa da estabilidade política e militar do país. Tudo indica que os episódios de 2013, que acabaram com um débil segundo Acordo de Paz, não foram escola suficiente para mostrar as fraquezas da arrogância e do radicalismo político.
A forma de tratamento que está a ser dada à Renamo e a Afonso Dhlakama é fielmente igual à que nos levou à guerra. Primeiro, é o cinismo e a hipocrisia. Depois, é uma tentativa de infantilização e de diabolização do outro, com o habitual número legal do Estado de Direito e de evocação de leis, por mera questão de conveniência.
Filipe Nyusi chegou a um acordo com Afonso Dhlakama, que estabelecia que a reivindicação da Renamo carecia de um documento legal que devia ser submetido à Assembleia da República. Ficou-se com a ideia de um espírito de homologação parlamentar, mediante cedências mútuas. Mas não. Tudo indica que a estratégia da desonestidade e do cinismo estavam ainda em fase de ensaio.
Hoje, Nyusi é outro. Já não é de paz, muito menos de estabilidade. É um Nyusi declarante de que “não há espaço” para nada. Daqui para frente, é a segunda parte da estratégia. A infantilização e a diabolização, que consiste em colar a Renamo e Afonso Dhlakama à imagem de desestabilizadores, com o epíteto de “divisionista” à mistura.
Valha-nos o povo, que não é assim tão estúpido quanto Nyusi pensa, para perceber quem de facto anda com falsas promessas de unidade nacional e imerso em patriotismos da mais refinada hipocrisia. Vamos por partes. Diz Nyusi que a implementação das autarquias provinciais não é viável para o desenvolvimento do país.
Ora, ressalvando é claro algumas questões que precisam de ser trabalhadas num diálogo legal honesto, a proposta da Renamo tem o maior mérito de querer descentralizar a administração, incluir as províncias, e colocá-las como autoras do seu próprio destino. É este o grande mérito que reside naquele documento, que a todo o custo está a ser diabolizado, com a ajuda de alguns juristas de ocasião estomacal. Neste mérito da descentralização é onde reside a maior incompetência do Governo da Frelimo. Durante todos estes anos, a Frelimo foi colocando as províncias numa posição de feudos, em que a sua população só conta apara efeitos de voto e de estatísticas para atrair ajuda financeira. A Frelimo nunca contou com as províncias como locais onde reside gente pensante, capaz de tomar decisões estratégicas para o seu próprio destino. A Frelimo acredita que só os iluminados de Maputo (quem diz Maputo, fala da região a sul do Save) é que são capazes de ter ideias. Só eles é que estão habilitados a pensarem por todos. Do Save para cima é, na perspectiva da Frelimo, uma zona intelectualmente nula. São zonas de recursos naturais. E não há mais do que essa perspectiva.
Desfazer-se dessa visão retrógrada e tribalista é o maior problema, que a Frelimo tem medo de resolver. Quer continuar a exportar pensadores de Maputo para as províncias. Quer continuar a exportar as “visões estratégicas” de Maputo para as províncias. Quem não estiver em Maputo, é nulo.
Agora falemos da lei que Nyusi tanto defende. Na opinião do “jurista” Nyusi, as autarquias provinciais não têm fundamento legal, porque contrariam a Constituição da República e as demais leis. Muito conveniente, esta perspectiva. Gostaríamos de recordar ao senhor Filipe Nyusi, que, se as leis fossem de facto leis, neste país, primeiro teríamos editais das eleições. Depois, deviam estar detidos os que fizeram com que o senhor tivesse um número de votos superior ao número de eleitores, como aconteceu em Gaza. Depois, os dirigentes dos órgãos eleitorais deviam demitir-se. Mais tarde, faríamos as contas para saber se o senhor Nyusi seria o líder da oposição ou o terceiro candidato mais votado. Esta é a disposição correcta das coisas, se houvesse de facto leis. Mas, como elas são de conveniência, até o senhor Nyusi fala delas com algum sentido de legitimidade.
E analisando todo este teatro político, ficamos com a sensação de que Nyusi está escolher a violência como saída. Armando Guebuza também achava que a Lei Eleitoral, nos moldes em que era proposta, era uma aberração e não havia “espaço”. Mais tarde, reconheceu que havia “espaço”. Armando Guebuza também achava que a oposição não devia existir neste país, mas mais tarde foi obrigado a almoçar com a oposição. Portanto, a postura de arrogância tem o condão de ter um único firmamento: a ilusão da ignorância. Esperamos sinceramente que Nyusi encontre o caminho da sobriedade, antes que os acontecimentos comecem a emitir a factura da arrogância. A tal “elite maconde” não estará aqui, quando as coisas começarem a aquecer, tal como ontem se assistiu à fuga, quando o tecto de Guebuza começou a ruir. Somos pela estabilidade nacional e contra a arrogância.





(Editorial do Canal de Moçambique)

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