Friday 25 April 2014

Águas turvas e perigosas por causa dos recursos naturais

Beira (Canalmoz) – Muita guerra de palavras, confrontação militar aberta, já com vítimas mortais e feridos, bens destruídos e instabilidade afectando a economia de todo o país.
Roturas ou quebras na exportação de carvão, limitação no tráfego rodoviário, alertas de insegurança em alguns troços rodoviários.
Conversações inconclusivas arrastando-se interminavelmente.
Dir-se-ia que é por causa dos recursos, mas é por causa da postura que os políticos moçambicanos têm sobre o assunto.
Os recursos naturais sempre estiveram aí, conhecidos ou desconhecidos. Quando alguns falam de descobertas, outros falam de redescobertas.
O já dilacerado Sudão do Sul prova que alguns governos e seus políticos pecam e erram, quando chega a vez de gerir os recursos minerais. O petróleo, em vez de ser uma dádiva generosa da natureza, está sendo o pomo da discórdia e razão para assassinatos e uma guerra fratricida.
Em Moçambique, num processo paulatino em que os protagonistas sempre procuraram esconder dos cidadãos, o dossier dos recursos minerais tem sido tratado no maior dos segredos.
A coisa começou no governo de Joaquim Chissano e aprofundou-se sob o mandato de AEG.
Há um claro interesse de impedir que se saiba ou se conheça em profundidade a modalidade adoptada pelos governantes para concederem licenças de prospecção e exploração.
Quando se fala de transparência na exploração dos recursos minerais, termina-se na publicação de relatórios superficiais que não afectam o andamento dos verdadeiros negócios no que diz respeito aos lucros que ficam com as multinacionais e as contrapartidas que ficam no país, mas que efectivamente ninguém sabe onde ficam e onde são utilizadas. Se em outros países se constituem fundos soberanos, em Moçambique o Governo considera que não é oportuno.
Todos os pacotes relativos à paridade eleitoral, militar, policial poderão ser negociados e assinados, mas, quando chegar a questão do pacote económico e financeiro, haverá barreiras e recuos de todo o tipo.
Há no ar a sensação de que alguns se querem apropriar em exclusivo dos benefícios que a exploração e exportação de recursos minerais podem trazer.
Quando as pessoas se agarram ao poder ou manifestam intenção de exercer indefinidamente o poder, não é pelo simples facto de que este seja algo em si grandioso, glorificante ou qualquer outra denominação elogiosa. O poder, em países em que a democracia é produto raro, de existência formal e muitas vezes efémera, constitui uma forma de enriquecimento rápido inquestionável, pois acontece ao abrigo de uma quase completa impunidade.
De uma situação política que gerou no passado uma guerra civil de génese complexa, evolui-se para um AGP que comportava, em princípio, as bases para uma convivência política de tolerância e de equilíbrio entre os políticos.
A aparente regressão política de hoje parece ser causada pelo exagero de uma parte, mas na verdade é produto directo da intolerância da outra parte.
Quando as partes se respeitavam não havia tiros. Quando havia contenção no saque do erário público, não havia barulho nem confusões de maior. Quando, nas FADM, coexistiam elementos provenientes das FPLM e da Renamo, não havia reclamações relacionadas com pretensas discriminações ou reformas compulsivas. Não se falava de limitação no progresso nas carreiras.
Havia um capital importantíssimo de confiança, embora que ainda em crescimento. As partes toleravam-se minimamente. Não havia uma clara linha de ataque nem tentativas de liquidação mútua.
Os impasses actuais têm a sua génese e razão de ser. Uma parte desprezou os compromissos assumidos e rasgou um acordo precioso que custou o sangue de muitos moçambicanos.
Quando se fala de “mentira oficial” cavalgando cidadãos e conspurcando o panorama político nacional, não é invenção, pois isso corresponde ao modus operandi de quem detém o poder.
No lugar de um engajamento político construtivo promotor de confiança nacional e da moçambicanidade, verificam-se situações de repressão das legítimas aspirações e direitos políticos dos cidadãos.
Face à impunidade judicial generalizada e fomentada por uma PGR paralisada, cresce a arrogância de governantes e agentes da PRM em todos os escalões.
A via da guerra para a manutenção do poder é manifestamente insustentável e perigosa. Os efeitos serão similares aos da primeira guerra civil, senão piores. Colocaremos o país na rota da secessão e da destruição.
O momento é crítico e um daqueles em que os protagonistas deveriam abandonar as suas pretensões de exclusividade e entender que coexistir pacificamente é muito mais importante do que a acumulação ilícita de riquezas. Muitos nem terão tempo de gozar o acumulado. A história tem demonstrado isso repetidamente.
A selvajaria e a barbárie evidenciadas em países do centro de África nos dias que correm podem descer para Moçambique, se a teimosia continuar imperando.
Enquanto se conversa, seria de bom-tom que os confrontos militares fossem controlados e desencorajados por instruções políticas explícitas das partes.
Há todo um potencial de violência que pode eclodir, mas ao mesmo tempo existem condições para tréguas que se tornem uma paz duradoura.
A distância entre a paz e a guerra é demasiado curta para que se arrisque num jogo de empurra-empurra.
O belicismo e a via da intolerância revelam agendas díspares dos reais interesses do país que muitos dizem amar e defender.
Não nos enganemos uns aos outros. Defender a riqueza individual acumulada é muito diferente de defender a soberania, a Constituição e o país, bem como o seu povo.
Hipocrisia, quando praticada por políticos, é dinamite pura.
Desistir ou baixar a barra, deixar de lutar pelos seus direitos inalienáveis, não constitui opção para os milhões de moçambicanos entregues à sua sorte.



(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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