Tupolev Aterrou em Mbala com Excesso de Peso
Sérgio Vieira alega que a tripulação não queria viajar de noite. Contrariando o superior hierárquico, o chefe da segurança do voo diz que os pilotos russos tencionavam voar através da província de Tete.
A viagem de Samora Machel à Zâmbia no dia 19 de Outubro de 1986 era para ser feita num Boeing-737 da LAM, tendo como piloto o Comandante Sá Marques. Por decisão do Ministério da Segurança, alteram-se os planos, sendo o voo atribuído à tripulação soviética que para tal utilizaria o Tu-134A. A medida reflectia a situação tensa que reinava em Moçambique. Cerca de uma semana antes, o Ministério da Segurança havia emitido um comunicado, alertando o País para a iminência de “um ataque directo” do regime do apartheid contra Maputo (subentenda-se, na criptologia Frelimo, a descoberta de uma conspiração no seio das Forças Armadas de Moçambique para derrubar o Presidente Samora Machel).
Ao que consta, a mudança repentina colheu o Presidente Samora Machel de surpresa. Ao dirigir-se da Sala VIP para a placa do Aeroporto de Maputo, o chefe de Estado moçambicano, ao reparar que o Tupolev ali se encontrava estacionado, terá questionado, “então é neste avião que vamos?” Os recentes incidentes envolvendo a aeronave presidencial em Cabo Delgado, com a primeira-dama a bordo, certamente pairavam na memória do presidente.
Embora tivesse sido reabastecido no dia anterior, o Tupolev voltaria a meter combustível nos tanques ao efectuar uma escala técnica em Lusaka, menos de duas horas após de ter descolado de Maputo. Efectivamente, em Lusaka o Tupolev presidencial foi reabastecido com 7620 kg de combustível. Isto faria com que a aeronave, ao aterrar em Mbala pelas 11 horas da manhã, estivesse com excesso de peso (para cima das 43 toneladas), o que não era permitido para poder efectuar uma aterragem em segurança na pista dessa Base Aérea zambiana. Este, um dos muitos erros cometidos pela tripulação ao longo da viagem, tanto na ida como no regresso a Maputo, mas que a União Soviética insistiu que fosse omitido do Relatório Factual elaborado por peritos sul-africanos, moçambicanos e soviéticos integrados na Comissão de Inquérito instaurada pela África do Sul. O facto é relatado por Des Lynch, um dos investigadores sul-africanos, num manuscrito intitulado, Investigating C9-CAA – The true events of the investigation into the aviation accident in which President Samora Machel died. Lynch refere que a referida comissão teve de ceder às exigências da União Soviética pois receava que Moscovo viesse a dar ordens aos seus peritos para que não assinassem o Relatório Factual se esse pormenor constasse deste documento base das investigações sobre o acidente de Mbuzini.
A escala técnica efectuada em Lusaka serviu, no entanto, para ilustrar as intenções de voo do comandante do Tupolev. Ao reabastecer o avião em tão curto espaço de tempo depois da descolagem da capital moçambicana, o comandante deixava claro o seu objectivo de regressar a Moçambique num voo directo, Mabala-Maputo, sem escala técnica ao longo do percurso. Um outro factor indicativo dessa sua intenção foi o pedido feito à Torre de Controlo de Lusaka para subir até aos 3,700 metros depois de descolar de Mbala, precisamente para poupar combustível.
Estes factos contrariam uma versão, posta a circular anos mais tarde em Maputo, por um antigo funcionário do Ministério da Segurança, sobre o não reabastecimento do Tupolev para o voo de regresso a Moçambique. Em declarações ao semanário Embondeiro, por ocasião do 18° aniversário do acidente de Mbuzini, Fernando Manuel João, que desempenhou as funções de chefe de segurança do voo de 19 de Outubro de 1986, dizia que “os pilotos russos tencionavam viajar até à província moçambicana de Tete, no centro do País, uma vez que o combustível era muito pouco.” Acrescenta Fernando João, que foi um dos sobreviventes do desastre: “Mas Samora Machel negou, dizendo que tinha que estar em Maputo naquela noite. Usou-se assim o pouco combustível de reserva. O Presidente nem precisou de consultar alguém pois era comandante-em-chefe.”
Trata-se, pois, de uma tentativa de sectores afectos ao Ministério da Segurança moçambicana, de desculpabilizar, por intermédio de um sobrevivente, a tripulação do Tupolev, quando a responsabilidade pelo reabastecimento adequado da aeronave cabia a ela própria, não estando, portanto, dependente da alegada teimosia de um dos passageiros, independente de ser comandante-em-chefe. Aliás, é de duvidar que a troca de palavras entre os pilotos russos e o Presidente Machel tivesse tido lugar no momento da partida de Mbala, pois a intenção para um voo directo, sem escala técnica, já havia sido tomada antes pela tripulação ao reabastecer a aeronave em Lusaka, no voo de ida. E a inconsistência das palavras do referido ex-funcionário do Ministério da Segurança moçambicano, voltou a estar em evidência quando o seu superior hierárquico, em declarações recentes ao semanário O País, tentava desculpabilizar a tripulação soviética de uma outra forma, acabando até por provocar a ira da antiga primeira-dama moçambicana. Disse o então ministro da segurança, Sérgio Vieira:
“Samora Machel queria voltar a Maputo porque havia um aniversário que queria celebrar. Na volta, à porta do avião, o comandante disse: ‘Eu tenho ordens para não viajar à noite.’ Ele disse: ‘Ordens de quem?’. O piloto respondeu: ‘Dos ministros da Defesa e da Segurança’. Samora disse: ‘Eu sou o comandante-em-chefe’.”
E remata Sérgio Vieira: “Se o comandante do avião fosse um civil, teria recusado, mas como era um militar, deu continência ao presidente e obedeceu às suas ordens.”
Fernando João, Sérgio Vieira, dois antigos responsáveis do sector da segurança, duas versões diferentes com um mesmo fim em mente: ilibar uma tripulação culpada do acidente de Mbuzini, em que um diz que os pilotos até estavam dispostos a voar através de Tete, e outro afirma que a tripulação tinha relutância em descolar de Mbala ao cair do dia.
E Sérgio Vieira volta a contrariar os factos, quando, na mesma entrevista afirma que a tripulação havia telefonado de Mbala para Maputo, “a informar que estavam a descolar e não havia como voltar para trás, porque o comandante-em-chefe dera ordens”.
Na altura do acidente de Mbuzini não havia telemóveis que permitissem comunicações como as que sugere Sérgio Vieira, nem tão pouco o Tupolev estava equipado com o sistema SATCOM, que utiliza comunicações via satélite, segundo declarou ao ZAMBEZE Luís Brito Dias, antigo piloto da LAM. Dias salientou que “a incapacidade do Tupolev de comunicar com quem quer que fosse é confirmada por nem sequer ter conseguido transmitir o Plano de Voo Mbala-Maputo.” Dias acrescentou ter desempenhado, “diversas vezes, as funções de Co-piloto e Comandante de Voos Presidenciais e nunca me lembro de termos transmitido antes da partida as nossas intenções de voo. Pelo contrário, era tudo mantido em sigilo não fossem os sul-africanos interceptarem as comunicações. Eu voei como Co-piloto com o Samora e pelo que os meus colegas também contavam na altura ele até era uma pessoa muito disciplinada quanto a voos presidenciais. Nunca soube que ele interferisse na condução dos voos.”
De facto, o Relatório Factual acima referido fornece com pormenor toda a aparelhagem existente no avião, e desta não consta nenhum aparelho de comunicações que permitisse à tripulação do Tupolev contactar Maputo no momento da descolagem. Se de facto houve o telefonema alegado por Sérgio Vieira, é estranho que na primeira comunicação entre o Tupolev e a Torre de Controlo de Maputo, após o avião ter entrado no espaço aéreo moçambicano, a tripulação tivesse sentido necessidade de informar que levava a bordo o “No. 1”, ou seja, o Presidente Samora Machel.
Sérgio Vieira alega que a tripulação não queria viajar de noite. Contrariando o superior hierárquico, o chefe da segurança do voo diz que os pilotos russos tencionavam voar através da província de Tete.
A viagem de Samora Machel à Zâmbia no dia 19 de Outubro de 1986 era para ser feita num Boeing-737 da LAM, tendo como piloto o Comandante Sá Marques. Por decisão do Ministério da Segurança, alteram-se os planos, sendo o voo atribuído à tripulação soviética que para tal utilizaria o Tu-134A. A medida reflectia a situação tensa que reinava em Moçambique. Cerca de uma semana antes, o Ministério da Segurança havia emitido um comunicado, alertando o País para a iminência de “um ataque directo” do regime do apartheid contra Maputo (subentenda-se, na criptologia Frelimo, a descoberta de uma conspiração no seio das Forças Armadas de Moçambique para derrubar o Presidente Samora Machel).
Ao que consta, a mudança repentina colheu o Presidente Samora Machel de surpresa. Ao dirigir-se da Sala VIP para a placa do Aeroporto de Maputo, o chefe de Estado moçambicano, ao reparar que o Tupolev ali se encontrava estacionado, terá questionado, “então é neste avião que vamos?” Os recentes incidentes envolvendo a aeronave presidencial em Cabo Delgado, com a primeira-dama a bordo, certamente pairavam na memória do presidente.
Embora tivesse sido reabastecido no dia anterior, o Tupolev voltaria a meter combustível nos tanques ao efectuar uma escala técnica em Lusaka, menos de duas horas após de ter descolado de Maputo. Efectivamente, em Lusaka o Tupolev presidencial foi reabastecido com 7620 kg de combustível. Isto faria com que a aeronave, ao aterrar em Mbala pelas 11 horas da manhã, estivesse com excesso de peso (para cima das 43 toneladas), o que não era permitido para poder efectuar uma aterragem em segurança na pista dessa Base Aérea zambiana. Este, um dos muitos erros cometidos pela tripulação ao longo da viagem, tanto na ida como no regresso a Maputo, mas que a União Soviética insistiu que fosse omitido do Relatório Factual elaborado por peritos sul-africanos, moçambicanos e soviéticos integrados na Comissão de Inquérito instaurada pela África do Sul. O facto é relatado por Des Lynch, um dos investigadores sul-africanos, num manuscrito intitulado, Investigating C9-CAA – The true events of the investigation into the aviation accident in which President Samora Machel died. Lynch refere que a referida comissão teve de ceder às exigências da União Soviética pois receava que Moscovo viesse a dar ordens aos seus peritos para que não assinassem o Relatório Factual se esse pormenor constasse deste documento base das investigações sobre o acidente de Mbuzini.
A escala técnica efectuada em Lusaka serviu, no entanto, para ilustrar as intenções de voo do comandante do Tupolev. Ao reabastecer o avião em tão curto espaço de tempo depois da descolagem da capital moçambicana, o comandante deixava claro o seu objectivo de regressar a Moçambique num voo directo, Mabala-Maputo, sem escala técnica ao longo do percurso. Um outro factor indicativo dessa sua intenção foi o pedido feito à Torre de Controlo de Lusaka para subir até aos 3,700 metros depois de descolar de Mbala, precisamente para poupar combustível.
Estes factos contrariam uma versão, posta a circular anos mais tarde em Maputo, por um antigo funcionário do Ministério da Segurança, sobre o não reabastecimento do Tupolev para o voo de regresso a Moçambique. Em declarações ao semanário Embondeiro, por ocasião do 18° aniversário do acidente de Mbuzini, Fernando Manuel João, que desempenhou as funções de chefe de segurança do voo de 19 de Outubro de 1986, dizia que “os pilotos russos tencionavam viajar até à província moçambicana de Tete, no centro do País, uma vez que o combustível era muito pouco.” Acrescenta Fernando João, que foi um dos sobreviventes do desastre: “Mas Samora Machel negou, dizendo que tinha que estar em Maputo naquela noite. Usou-se assim o pouco combustível de reserva. O Presidente nem precisou de consultar alguém pois era comandante-em-chefe.”
Trata-se, pois, de uma tentativa de sectores afectos ao Ministério da Segurança moçambicana, de desculpabilizar, por intermédio de um sobrevivente, a tripulação do Tupolev, quando a responsabilidade pelo reabastecimento adequado da aeronave cabia a ela própria, não estando, portanto, dependente da alegada teimosia de um dos passageiros, independente de ser comandante-em-chefe. Aliás, é de duvidar que a troca de palavras entre os pilotos russos e o Presidente Machel tivesse tido lugar no momento da partida de Mbala, pois a intenção para um voo directo, sem escala técnica, já havia sido tomada antes pela tripulação ao reabastecer a aeronave em Lusaka, no voo de ida. E a inconsistência das palavras do referido ex-funcionário do Ministério da Segurança moçambicano, voltou a estar em evidência quando o seu superior hierárquico, em declarações recentes ao semanário O País, tentava desculpabilizar a tripulação soviética de uma outra forma, acabando até por provocar a ira da antiga primeira-dama moçambicana. Disse o então ministro da segurança, Sérgio Vieira:
“Samora Machel queria voltar a Maputo porque havia um aniversário que queria celebrar. Na volta, à porta do avião, o comandante disse: ‘Eu tenho ordens para não viajar à noite.’ Ele disse: ‘Ordens de quem?’. O piloto respondeu: ‘Dos ministros da Defesa e da Segurança’. Samora disse: ‘Eu sou o comandante-em-chefe’.”
E remata Sérgio Vieira: “Se o comandante do avião fosse um civil, teria recusado, mas como era um militar, deu continência ao presidente e obedeceu às suas ordens.”
Fernando João, Sérgio Vieira, dois antigos responsáveis do sector da segurança, duas versões diferentes com um mesmo fim em mente: ilibar uma tripulação culpada do acidente de Mbuzini, em que um diz que os pilotos até estavam dispostos a voar através de Tete, e outro afirma que a tripulação tinha relutância em descolar de Mbala ao cair do dia.
E Sérgio Vieira volta a contrariar os factos, quando, na mesma entrevista afirma que a tripulação havia telefonado de Mbala para Maputo, “a informar que estavam a descolar e não havia como voltar para trás, porque o comandante-em-chefe dera ordens”.
Na altura do acidente de Mbuzini não havia telemóveis que permitissem comunicações como as que sugere Sérgio Vieira, nem tão pouco o Tupolev estava equipado com o sistema SATCOM, que utiliza comunicações via satélite, segundo declarou ao ZAMBEZE Luís Brito Dias, antigo piloto da LAM. Dias salientou que “a incapacidade do Tupolev de comunicar com quem quer que fosse é confirmada por nem sequer ter conseguido transmitir o Plano de Voo Mbala-Maputo.” Dias acrescentou ter desempenhado, “diversas vezes, as funções de Co-piloto e Comandante de Voos Presidenciais e nunca me lembro de termos transmitido antes da partida as nossas intenções de voo. Pelo contrário, era tudo mantido em sigilo não fossem os sul-africanos interceptarem as comunicações. Eu voei como Co-piloto com o Samora e pelo que os meus colegas também contavam na altura ele até era uma pessoa muito disciplinada quanto a voos presidenciais. Nunca soube que ele interferisse na condução dos voos.”
De facto, o Relatório Factual acima referido fornece com pormenor toda a aparelhagem existente no avião, e desta não consta nenhum aparelho de comunicações que permitisse à tripulação do Tupolev contactar Maputo no momento da descolagem. Se de facto houve o telefonema alegado por Sérgio Vieira, é estranho que na primeira comunicação entre o Tupolev e a Torre de Controlo de Maputo, após o avião ter entrado no espaço aéreo moçambicano, a tripulação tivesse sentido necessidade de informar que levava a bordo o “No. 1”, ou seja, o Presidente Samora Machel.
ZAMBEZE – 11.09.2008
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