Friday 3 October 2014

Olhar para a floresta e não ver as árvores



 Mais do que probidade pública, temos o conflito de interesses cancerígeno

 Muita tinta correu sobre o Mercedes Bens da CTA e a sua devolução pelo Presidente da República. Foi um importante exercício de cidadania e, ao mesmo tempo, uma prova irrefutável de que a opinião pública tem valor. Afinal, nem sempre a caravana passa…
Mas em Moçambique há assuntos que, pela sua dimensão e importância, ultrapassam questões como aquela viatura. Embora concorde que todo o passo que for dado no sentido da democratização e moralização seja importante, convém não ficarmos por aqui.
Moçambique está atrasado e praticamente na cauda das estatísticas que vêm sendo publicadas, porque as suas opções governativas apresentam-se inquinadas pelo conflito de interesses entre o público e o privado.
Uma miríade de alianças e de conluios estabelecidos para delinquir e drenar fundos públicos existe e vegeta à vista de um parlamento impávido e sereno.
As falcatruas documentadas e conhecidas ao nível de ministérios, empresas públicas e fundos de fomento disto ou daquilo minam os cofres do Estado e instilam na sociedade uma cultura de rapina.
Quando ministros se tornam ministros-empresários e estabelecem negócios com o Estado, isso não só é pernicioso, como, de todo, ilegal.
O barulho do MB não aconteceu quando o nosso “Tatagate” emergiu e os pagamentos foram feitos.
Quantas vezes se toma conhecimento de que negócios envolvendo fundos do Estado são fechados sem que o parlamento os sancione e nem as leis sobre “procurement” estatal sejam respeitadas?
Logo que se instaurou o mercado livre no país, ocorreram transformações profundas tanto económicas como sociais.
Ninguém está contra o enriquecimento dos moçambicanos, mas a riqueza que não resulte do trabalho, da diligência e cometimento dos cidadãos tem origens sinistras que importa impedir que se generalize.
Um país não pode coabitar com uma falsa economia que se alimenta do tráfico de influências e de outros tráficos ilícitos.
Quando o antigo PGR, Augusto Paulino afirmava que o “boom” na construção civil pronunciava a existência de mecanismos de enriquecimento fora-da-lei, convenhamos que não estava mentindo.
Não se disse nem se explorou a possibilidade aberta, e os paladinos habituais, os defensores do perdão da dívida pública, as ong’s e os profissionais do “lambebotismo” ignoraram positivamente os factos apresentados.
Este Moçambique cimentou uma cultura de impunidade e de desvios de recursos públicos que é manifestamente um cancro que impede o seu desenvolvimento harmonioso.
Os reflexos disso tudo na situação política, na emergência de conflitos político-militares não podem ser ignorados.
Aquela oposição feroz a uma democracia efectiva no país é o expediente encontrado para garantir que se continue a abocanhar o país com exclusividade.
Temos motivos suficientes para preocupação e, enquanto não houver uma clarificação e definição definitiva de agendas, continuaremos tendo problemas.
Avançar com a despartidarização do Estado e com uma discussão profunda dos “dossiers” económicos públicos é de importância estratégica.
Desenvolver Moçambique requer que se assuma uma postura de respeito pelas leis, mas, sobretudo, que ninguém esteja acima das leis.
A marcha para 15 de Outubro é uma oportunidade que os moçambicanos têm de escolher novos caminhos, caminhos para um progresso que se viva, um desenvolvimento que se reflicta na qualidade vida de milhões, e não só de uma elite de rapina plantada nos cofres do Estado.



(Noé Nhantumbo, Canlmoz)

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