Telesfério Nhapulo lançou, no ano passado, o Atlas Histórico de Moçambique. O académico olha para o debate em torno dos heróis nacionais de forma desapaixonada. Diz que a História é uma ciência e “está permanentemente à procura da verdade.” Ou seja, o que “está a ser ignorado hoje, amanhã pode ser venerado.”
Aliás, os heróis, diz, devem ser construções do povo. A Revolução de Jasmim, diz o historiador, pode, mais tarde, criar heróis legitimados pelo contexto daquele episódio. Há, então, sempre o reverso da moeda. Por tudo isto, os manuais de História já não falam de Urias Simango como reaccionário. Quanto à obra de Bernabé Lucas Nkomo, afirma que não pode ser posta de parte. Até porque ela faz parte do processo de construção da nossa História.
@VERDADE (@V) – Como se define um herói nacional? Telesfério Nhapulo
(TN) - Isso é difícil de responder porque há vários objectivos que estão subjacentes quando falamos de heróis nacionais. No sentido lato, os heróis são homens extraordinários pelas suas qualidades e pelos seus feitos. São pessoas de grandes valores e magnitude.
Isto significa dizer que, no seio do seu meio social, se destacaram pelas suas acções. Recuando um pouco na história, os gregos chamavam de heróis aos homens divinizados.
Heróis também são homens notáveis pelos seus desmandos, por exemplo, existe uma ordem instituída num determinado país e esses indivíduos contrariam as leis ou impõem-se à ordem instituída, esses indivíduos são também heróis. Olhemos o caso da Tunísia e do Egipto, os acontecimentos que estão a ter lugar hoje, dali podem nascer vários heróis, heróis daquele facto identificado.
É um pouco complexo vermos na essência quem são os heróis. A ciência histórica não aconselha a nomeação de heróis, temos de falar de grandes figuras que se notabilizaram com as suas acções. Mas uma nação tem de ter heróis. Oficialmente podemos indicar, mas o povo é que reconhece os verdadeiros heróis.
(@V) - Tem havido debates sobre a atribuição do estatuto de herói a figuras vivas. Que comentário faz em torno dessa questão?
(TN) - Os heróis têm funções diversas e usam-se para várias finalidades. E falar de eles é como falar da História. Olhemos, por exemplo, para o ensino de História em Moçambique. Porque ensinamos a História às crianças? Um dos grandes desafios que temos hoje em Moçambique é que ela cumpra com a sua função de identificação e de integração num espaço como uma história comum.
A criança tem de se sentir identificada com a pátria, usos e costumes, e a cultura do seu povo. E esse processo de identificação quando for olhar diz, por exemplo, pertenço ao grupo chopi, mas não olha só para esse conjunto olha também para a questão de espaço onde está inserido e a sua história. Então, quando os governantes identificam determinadas figuras políticas, históricas, artísticas ou culturais e outras, o grande dilema em que estão envolvidos é na luta para a construção da unidade nacional.
Buscam essas personagens como figuras integrativas naquilo que se quer como um país. E esse processo da selecção dos heróis pode ser bem feito ou mal feito. Outro grande objectivo é a socialização do Homem. Os indivíduos têm de se identificar com os espaços e os sistemas de valor que dão um carácter moralizante apelando à unidade nacional.
Mas neste processo de apelo à unidade nacional pode-se correr o risco de subverter a própria História. Isto quer dizer que nesta luta para construir o ideal de uma nação una e indivisível se corre sempre o risco de não contar a verdadeira História. Este é o dilema que muitos construtores da nação têm e, muitas vezes, têm de pôr à parte muitas verdades históricas.
(@V) - Podemos dizer que a História de Moçambique cedeu excessivamente ao apelo da unidade nacional, excluindo algumas verdades?
(TN) - A História é uma ciência que permanentemente, por ser história, está sempre a questionar, problematizar e buscar incessantemente a verdade. O que pode ser verdade hoje, amanhã pode não ser como resultado deste questionamento e problematização.
É por isso que eu disse que alguns heróis podem ser ignorados hoje e amanhã podem ser rebuscados porque a História está permanentemente à busca da verdade. O que está a ser ignorado hoje, amanhã pode ser venerado. Se olharmos para as figuras heróicas que hoje estão na proa não significa que daqui a 30 ou 40 anos elas continuarão, não é necessariamente isso. Podem estar outros. Este é que é o problema.
(@V) – Num dos seus artigos de opinião, o analista político escreve “hoje, ao olhar a nossa Praça dos Heróis, sinto que ela corre o risco de, na verdade, se tornar um SIMPLES CEMITÉRIO FAMILIAR, visto que os que lá repousam pertencem quase à mesma linhagem etnolinguística, regional e cultural”. Esta é uma questão oportuna?
(TN) - Esses são debates que se fazem mas o importante não é isso. O problema é que todas as escolhas que forem feitas nunca vão satisfazer as vontades de todos, daí que está sempre presente, no processo da selecção, a crítica e a problematização. A História abre este campo e significa que aqueles heróis podem ser representativos assim como não. Ao longo do tempo, uns vão sendo eliminados pela História e outros vão sobreviver, isso depende muito daquilo que representa na memória das pessoas.
(@V) - Podemos considerar o livro de Bernabé Lucas Nkomo um manual de História para consulta, uma vez que nos traz uma outra versão da História de Moçambique e apresenta-nos um Uria Simango diferente daquele que nos foi dado a conhecer?
(TN) – Nos últimos 10 anos, os manuais de História já não falam assim, significa que houve uma correcção, é aquilo que digo que a História está permanentemente a autocensurar- se e auto-criticar-se.
Isto para dizer que, se olhar para os vários acontecimentos da nossa História, há muita informação que temos hoje que não havia há 10 anos. Então, a obra de Bernabé Nkomo é mais uma obra que contribui, digamos, para uma reflexão histórica, para o debate e ela não pode ser posta à parte. Ela faz parte do processo da construção da nossa História.
A História não se esgota com o livro de Nkomo, com o manual de História publicado pela UEM, com a obra de Teresa Cruz e Silva ou de António Sopa. A construção da nossa História é um processo que vai evolver estudiosos que vão trazendo coisas novas para a nossa História e nesse percurso vão trazer novos heróis e eliminando alguns. É a dinâmica do processo da construção da História.
(@V) - Diversas pessoas têm vindo a questionar a heroicidade de algumas figuras, tal como Samora Machel…
(TN) - Este é o grande problema da nomeação de heróis. Quando o poder político indica que fulano é herói, sicrano é herói, cria esses questionamentos, esses debates e não só. Também faz surgir diferentes linhas de interpretação. Mas olhando para aquilo que são os grandes objectivos da construção da nação moçambicana, Samora Machel foi uma personalidade marcante na História de Moçambique.
Foi o primeiro Presidente da República, independentemente de as pessoas quererem ou não. O nascimento de Moçambique como República nasce com esta grande figura política. Ele está intimamente ligado a esta nação e, para alguns círculos políticos, ele é um grande herói moçambicano, uma figura política de destaque para a nação. O debate que se levanta à volta da heroicidade se recuarmos e olharmos para aqueles conceitos, existem várias interpretações.
Se consideramos herói nacional uma pessoa que soube enfrentar o sistema de dominação colonial, nesta perspectiva ele é herói. Podemos ver noutros quadrantes: a questão da moralidade e outros elementos que são trazidos para a classificação da personalidade.
Pode ser aprovado numa e desqualificado noutras, porque para aceitarmos uma determinada figura como herói tínhamos de trazer uma série de critérios. Se os critérios forem claros é fácil chegarmos a esta conclusão, mas esses preceitos também com o andar de tempo podem ser postos em causa. Este debate é extremamente complexo.
(@V) – Que critérios deveriam ser usados de modo a ter-se um consenso?
(TN) - Sou um professor de História e, como professor de História, o que devo ensinar às crianças é a olharem para as figuras e as personalidades políticas e analisarem os seus feitos e cada aluno chegar à sua conclusão. Esta é a linha mais correcta.
(@V) - Existe uma outra forma de reconhecer os feitos de certas pessoas que não seja atribuir os seus nomes a escolas, avenidas, ruas e praças.
(TN) - Este é um debate que ultrapassa o meu nível de análise porque se olharmos para a História do mundo as grandes figuras mereceram atenção por parte dos seus concidadãos. O problema de atribuição de nomes a figuras tem a ver com o reconhecimento que as pessoas têm para com aquela personalidades e isso acontece em quase todo o mundo e Moçambique não seria uma excepção. Seria um absurdo que as nossas avenidas, ruas, jardins não tivessem os nomes das grandes figuras que se notabilizaram em diversas áreas.
As pessoas devem perceber que em qualquer país os heróis estão ao serviço das finalidades moralizadoras. Por exemplo, quando enaltecemos Malangatana estamos a mostrar às gerações vindouras que você como jovem pode ser como Malangatana, desde o momento que siga o exemplo dele como homem íntegro, trabalhador e aplicado.
Os políticos no seu exercício buscam sempre figuras para ajudá- los no processo da gestão da política de Estado. Mas não significa que estas figuras não cometeram erros na vida, afinal, eles também são humanos.
A Verdade
Aliás, os heróis, diz, devem ser construções do povo. A Revolução de Jasmim, diz o historiador, pode, mais tarde, criar heróis legitimados pelo contexto daquele episódio. Há, então, sempre o reverso da moeda. Por tudo isto, os manuais de História já não falam de Urias Simango como reaccionário. Quanto à obra de Bernabé Lucas Nkomo, afirma que não pode ser posta de parte. Até porque ela faz parte do processo de construção da nossa História.
@VERDADE (@V) – Como se define um herói nacional? Telesfério Nhapulo
(TN) - Isso é difícil de responder porque há vários objectivos que estão subjacentes quando falamos de heróis nacionais. No sentido lato, os heróis são homens extraordinários pelas suas qualidades e pelos seus feitos. São pessoas de grandes valores e magnitude.
Isto significa dizer que, no seio do seu meio social, se destacaram pelas suas acções. Recuando um pouco na história, os gregos chamavam de heróis aos homens divinizados.
Heróis também são homens notáveis pelos seus desmandos, por exemplo, existe uma ordem instituída num determinado país e esses indivíduos contrariam as leis ou impõem-se à ordem instituída, esses indivíduos são também heróis. Olhemos o caso da Tunísia e do Egipto, os acontecimentos que estão a ter lugar hoje, dali podem nascer vários heróis, heróis daquele facto identificado.
É um pouco complexo vermos na essência quem são os heróis. A ciência histórica não aconselha a nomeação de heróis, temos de falar de grandes figuras que se notabilizaram com as suas acções. Mas uma nação tem de ter heróis. Oficialmente podemos indicar, mas o povo é que reconhece os verdadeiros heróis.
(@V) - Tem havido debates sobre a atribuição do estatuto de herói a figuras vivas. Que comentário faz em torno dessa questão?
(TN) - Os heróis têm funções diversas e usam-se para várias finalidades. E falar de eles é como falar da História. Olhemos, por exemplo, para o ensino de História em Moçambique. Porque ensinamos a História às crianças? Um dos grandes desafios que temos hoje em Moçambique é que ela cumpra com a sua função de identificação e de integração num espaço como uma história comum.
A criança tem de se sentir identificada com a pátria, usos e costumes, e a cultura do seu povo. E esse processo de identificação quando for olhar diz, por exemplo, pertenço ao grupo chopi, mas não olha só para esse conjunto olha também para a questão de espaço onde está inserido e a sua história. Então, quando os governantes identificam determinadas figuras políticas, históricas, artísticas ou culturais e outras, o grande dilema em que estão envolvidos é na luta para a construção da unidade nacional.
Buscam essas personagens como figuras integrativas naquilo que se quer como um país. E esse processo da selecção dos heróis pode ser bem feito ou mal feito. Outro grande objectivo é a socialização do Homem. Os indivíduos têm de se identificar com os espaços e os sistemas de valor que dão um carácter moralizante apelando à unidade nacional.
Mas neste processo de apelo à unidade nacional pode-se correr o risco de subverter a própria História. Isto quer dizer que nesta luta para construir o ideal de uma nação una e indivisível se corre sempre o risco de não contar a verdadeira História. Este é o dilema que muitos construtores da nação têm e, muitas vezes, têm de pôr à parte muitas verdades históricas.
(@V) - Podemos dizer que a História de Moçambique cedeu excessivamente ao apelo da unidade nacional, excluindo algumas verdades?
(TN) - A História é uma ciência que permanentemente, por ser história, está sempre a questionar, problematizar e buscar incessantemente a verdade. O que pode ser verdade hoje, amanhã pode não ser como resultado deste questionamento e problematização.
É por isso que eu disse que alguns heróis podem ser ignorados hoje e amanhã podem ser rebuscados porque a História está permanentemente à busca da verdade. O que está a ser ignorado hoje, amanhã pode ser venerado. Se olharmos para as figuras heróicas que hoje estão na proa não significa que daqui a 30 ou 40 anos elas continuarão, não é necessariamente isso. Podem estar outros. Este é que é o problema.
(@V) – Num dos seus artigos de opinião, o analista político escreve “hoje, ao olhar a nossa Praça dos Heróis, sinto que ela corre o risco de, na verdade, se tornar um SIMPLES CEMITÉRIO FAMILIAR, visto que os que lá repousam pertencem quase à mesma linhagem etnolinguística, regional e cultural”. Esta é uma questão oportuna?
(TN) - Esses são debates que se fazem mas o importante não é isso. O problema é que todas as escolhas que forem feitas nunca vão satisfazer as vontades de todos, daí que está sempre presente, no processo da selecção, a crítica e a problematização. A História abre este campo e significa que aqueles heróis podem ser representativos assim como não. Ao longo do tempo, uns vão sendo eliminados pela História e outros vão sobreviver, isso depende muito daquilo que representa na memória das pessoas.
(@V) - Podemos considerar o livro de Bernabé Lucas Nkomo um manual de História para consulta, uma vez que nos traz uma outra versão da História de Moçambique e apresenta-nos um Uria Simango diferente daquele que nos foi dado a conhecer?
(TN) – Nos últimos 10 anos, os manuais de História já não falam assim, significa que houve uma correcção, é aquilo que digo que a História está permanentemente a autocensurar- se e auto-criticar-se.
Isto para dizer que, se olhar para os vários acontecimentos da nossa História, há muita informação que temos hoje que não havia há 10 anos. Então, a obra de Bernabé Nkomo é mais uma obra que contribui, digamos, para uma reflexão histórica, para o debate e ela não pode ser posta à parte. Ela faz parte do processo da construção da nossa História.
A História não se esgota com o livro de Nkomo, com o manual de História publicado pela UEM, com a obra de Teresa Cruz e Silva ou de António Sopa. A construção da nossa História é um processo que vai evolver estudiosos que vão trazendo coisas novas para a nossa História e nesse percurso vão trazer novos heróis e eliminando alguns. É a dinâmica do processo da construção da História.
(@V) - Diversas pessoas têm vindo a questionar a heroicidade de algumas figuras, tal como Samora Machel…
(TN) - Este é o grande problema da nomeação de heróis. Quando o poder político indica que fulano é herói, sicrano é herói, cria esses questionamentos, esses debates e não só. Também faz surgir diferentes linhas de interpretação. Mas olhando para aquilo que são os grandes objectivos da construção da nação moçambicana, Samora Machel foi uma personalidade marcante na História de Moçambique.
Foi o primeiro Presidente da República, independentemente de as pessoas quererem ou não. O nascimento de Moçambique como República nasce com esta grande figura política. Ele está intimamente ligado a esta nação e, para alguns círculos políticos, ele é um grande herói moçambicano, uma figura política de destaque para a nação. O debate que se levanta à volta da heroicidade se recuarmos e olharmos para aqueles conceitos, existem várias interpretações.
Se consideramos herói nacional uma pessoa que soube enfrentar o sistema de dominação colonial, nesta perspectiva ele é herói. Podemos ver noutros quadrantes: a questão da moralidade e outros elementos que são trazidos para a classificação da personalidade.
Pode ser aprovado numa e desqualificado noutras, porque para aceitarmos uma determinada figura como herói tínhamos de trazer uma série de critérios. Se os critérios forem claros é fácil chegarmos a esta conclusão, mas esses preceitos também com o andar de tempo podem ser postos em causa. Este debate é extremamente complexo.
(@V) – Que critérios deveriam ser usados de modo a ter-se um consenso?
(TN) - Sou um professor de História e, como professor de História, o que devo ensinar às crianças é a olharem para as figuras e as personalidades políticas e analisarem os seus feitos e cada aluno chegar à sua conclusão. Esta é a linha mais correcta.
(@V) - Existe uma outra forma de reconhecer os feitos de certas pessoas que não seja atribuir os seus nomes a escolas, avenidas, ruas e praças.
(TN) - Este é um debate que ultrapassa o meu nível de análise porque se olharmos para a História do mundo as grandes figuras mereceram atenção por parte dos seus concidadãos. O problema de atribuição de nomes a figuras tem a ver com o reconhecimento que as pessoas têm para com aquela personalidades e isso acontece em quase todo o mundo e Moçambique não seria uma excepção. Seria um absurdo que as nossas avenidas, ruas, jardins não tivessem os nomes das grandes figuras que se notabilizaram em diversas áreas.
As pessoas devem perceber que em qualquer país os heróis estão ao serviço das finalidades moralizadoras. Por exemplo, quando enaltecemos Malangatana estamos a mostrar às gerações vindouras que você como jovem pode ser como Malangatana, desde o momento que siga o exemplo dele como homem íntegro, trabalhador e aplicado.
Os políticos no seu exercício buscam sempre figuras para ajudá- los no processo da gestão da política de Estado. Mas não significa que estas figuras não cometeram erros na vida, afinal, eles também são humanos.
A Verdade
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