..se é a nobreza que comanda o exército, é o terceiro estado (povo) que o compõe; se a nobreza verte uma gota de sangue, o povo derrama torrente; a nobreza esvazia o tesouro, o povo enche-o; numa palavra, o povo paga tudo e não beneficia de nada”.
O continente africano vive, nos últimos dias, um novo fenómeno: as manifestações populares que culminam com as quedas de governos ditatoriais e prepotentes. É, na verdade, uma segunda vaga de independências, desta vez, contra colonizadores africanos, os mesmos que expulsaram o europeu em nome da libertação da terra e do homem. Contrariamente às primeiras independências, as actuais independências visam libertar economicamente o continente africano de um grupinho de governantes que enriquecem à custa do tesouro produzido pelos pobres e desgastado povo africano. Refiro-me a um grupo de nobres africanos – cá em Moçambique também temo-los – proprietários de grandes empresas, mega-projectos, enormes extensões de terras. Uma nobreza cuja proveniência da sua riqueza se desconhece, cujos filhos são também grandes empresários, frequentaram e continuam a frequentar as maiores e melhores escolas e faculdades europeias e americanas, quando os de pobres se amontoam debaixo de árvores, sem carteiras, sujando todos os dias a sua pobre roupa, no entanto, sem dinheiro para adquirir detergentes para a limpeza. As suas aulas dependem das condições climatéricas. Quando chove, faz frio e vento, não há aulas. Os nossos governantes sabem que “aqueles que, graças ao poder, ao nascimento ou à riqueza, beneficiam de privilégios devem tratar todos como iguais, evitando humilhações e exigências despropositadas”, porque a violação deste princípio é que originou a escravidão.
Diderot, filósofo iluminista, um dos autores da enciclopédia, a partir de 1751, dizia que, “nos países submetidos a um poder arbitrário, os príncipes, os cortesãos e os ministros dispõem livremente de toda a riqueza da nação, enquanto os restantes cidadãos não têm senão o estritamente necessário ou, na maior parte dos casos, vivem na pobreza. Nenhum homem recebeu da natureza o direito de dirigir os outros(...). O poder que se baseia na violência não é mais do que uma usurpação e só durará enquanto durar a força do usurpador e a submissão dos dominados. Quando estes sacodem o jugo e expulsam o tirano, fazem o uso de um direito legítimo. O poder que deriva do consentimento do povo pressupõe regras que o tornam legítimo”.
Decidir que o filho de escravo nasça escravo e de pobre nasça pobre é, segundo Jean Jacques Rousseau, filósofo e autor do Contrato Social, em 1762 - ideias que precipitaram a revolução francesa -, “decidir que ele não nasça homem. (...) no contrato social, a minoria deve submeter-se à vontade da maioria – é uma consequência do próprio contrato. As decisões que devem prevalecer são aquelas que representam a vontade geral”. No nosso país, está a acontecer o contrário, a inversão dos princípios do contrato social. As decisões que prevalecem são de cerca de três dezenas de governantes e não da maioria dos 20 milhões de moçambicanos . Por exemplo, decidiram que o pobre não pode ter direito a passaporte justamente porque é pobre e não possui condições para viajar para fora de Moçambique, esquecendo que passaporte é um documento de identificação a que todo o cidadão, independentemente da sua condição financeira, tem direito.
Uma coisa é certa: o nascimento de um novo mundo, tal como dizia Thomas Paine, no “O Senso Comum” – ideias das revolução das 13 Colónias Inglesas –, está ao alcance das nossas mãos. O que os egípcios e tunisianos fizeram foi apenas materializar este princípio. O jovem tem de ter em mente que quando, no decurso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo romper os laços do passado e políticos que o prende a um partido ou Governo, essa necessidade deve forçosamente realizar-se, sobretudo quando esse passado é usado para criar desigualdades sociais e económicas.
“Temos o direito de enriquecer porque lutámos por este país”, dizia Alberto Chipande. Quer dizer, se nós quisermos enriquecer, também temos de lutar por este país. Chipande pronunciou-se sem imaginar o precedente que abria para um futuro imprevisível, num país em que o custo de vida castiga o cidadão que o elegeu, o pobre tornou-se mais pobre e o rico cada vez mais rico.
Os nossos governantes nunca podem esquecer-se de que, tal como estipulava a Declaração da Independência dos EUA, saída do Congresso de Filadélfia, a 4 de Julho de 1776, “Os governos são estabelecidos pelos homens para garantir esses direitos e o seu justo poder emana do consentimento dos governados. Todas as vezes que um governo se torna contrário a esses objectivos, o povo tem o direito de o mudar ou de o abolir e estabelecer um novo governo”.
Na verdade, foi esta declaração que precipitou os movimentos iluministas em todo o mundo, com maior evidência e fulgor para a França, onde isso criou condições para a queda da monarquia absoluta e a consequente execução, na guilhotina, do rei Luís XVI, a 21 de Janeiro de 1793.
O rei caiu porque não queria ceder às exigências do povo, maioritariamente pobre e sufocado de impostos. Foi na sequência disso que o povo elaborou e apresentou um “caderno de queixas” em que dizia: “fechar à classe mais numerosa e mais útil o acesso aos empregos e cargos honrosos é sufocar o génio e o talento (...). Só os nobres gozam de todos os privilégios. Desta forma, a nobreza beneficia de tudo, possui tudo (...). Entretanto, se é a nobreza que comanda o exército, é o terceiro estado (povo) que os compõe; se a nobreza verte uma gota de sangue, o povo derrama torrente; a nobreza esvazia o tesouro, o povo enche-o; numa palavra, o povo paga tudo e não beneficia de nada”.
Lázaro Mabunda, O País
O continente africano vive, nos últimos dias, um novo fenómeno: as manifestações populares que culminam com as quedas de governos ditatoriais e prepotentes. É, na verdade, uma segunda vaga de independências, desta vez, contra colonizadores africanos, os mesmos que expulsaram o europeu em nome da libertação da terra e do homem. Contrariamente às primeiras independências, as actuais independências visam libertar economicamente o continente africano de um grupinho de governantes que enriquecem à custa do tesouro produzido pelos pobres e desgastado povo africano. Refiro-me a um grupo de nobres africanos – cá em Moçambique também temo-los – proprietários de grandes empresas, mega-projectos, enormes extensões de terras. Uma nobreza cuja proveniência da sua riqueza se desconhece, cujos filhos são também grandes empresários, frequentaram e continuam a frequentar as maiores e melhores escolas e faculdades europeias e americanas, quando os de pobres se amontoam debaixo de árvores, sem carteiras, sujando todos os dias a sua pobre roupa, no entanto, sem dinheiro para adquirir detergentes para a limpeza. As suas aulas dependem das condições climatéricas. Quando chove, faz frio e vento, não há aulas. Os nossos governantes sabem que “aqueles que, graças ao poder, ao nascimento ou à riqueza, beneficiam de privilégios devem tratar todos como iguais, evitando humilhações e exigências despropositadas”, porque a violação deste princípio é que originou a escravidão.
Diderot, filósofo iluminista, um dos autores da enciclopédia, a partir de 1751, dizia que, “nos países submetidos a um poder arbitrário, os príncipes, os cortesãos e os ministros dispõem livremente de toda a riqueza da nação, enquanto os restantes cidadãos não têm senão o estritamente necessário ou, na maior parte dos casos, vivem na pobreza. Nenhum homem recebeu da natureza o direito de dirigir os outros(...). O poder que se baseia na violência não é mais do que uma usurpação e só durará enquanto durar a força do usurpador e a submissão dos dominados. Quando estes sacodem o jugo e expulsam o tirano, fazem o uso de um direito legítimo. O poder que deriva do consentimento do povo pressupõe regras que o tornam legítimo”.
Decidir que o filho de escravo nasça escravo e de pobre nasça pobre é, segundo Jean Jacques Rousseau, filósofo e autor do Contrato Social, em 1762 - ideias que precipitaram a revolução francesa -, “decidir que ele não nasça homem. (...) no contrato social, a minoria deve submeter-se à vontade da maioria – é uma consequência do próprio contrato. As decisões que devem prevalecer são aquelas que representam a vontade geral”. No nosso país, está a acontecer o contrário, a inversão dos princípios do contrato social. As decisões que prevalecem são de cerca de três dezenas de governantes e não da maioria dos 20 milhões de moçambicanos . Por exemplo, decidiram que o pobre não pode ter direito a passaporte justamente porque é pobre e não possui condições para viajar para fora de Moçambique, esquecendo que passaporte é um documento de identificação a que todo o cidadão, independentemente da sua condição financeira, tem direito.
Uma coisa é certa: o nascimento de um novo mundo, tal como dizia Thomas Paine, no “O Senso Comum” – ideias das revolução das 13 Colónias Inglesas –, está ao alcance das nossas mãos. O que os egípcios e tunisianos fizeram foi apenas materializar este princípio. O jovem tem de ter em mente que quando, no decurso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo romper os laços do passado e políticos que o prende a um partido ou Governo, essa necessidade deve forçosamente realizar-se, sobretudo quando esse passado é usado para criar desigualdades sociais e económicas.
“Temos o direito de enriquecer porque lutámos por este país”, dizia Alberto Chipande. Quer dizer, se nós quisermos enriquecer, também temos de lutar por este país. Chipande pronunciou-se sem imaginar o precedente que abria para um futuro imprevisível, num país em que o custo de vida castiga o cidadão que o elegeu, o pobre tornou-se mais pobre e o rico cada vez mais rico.
Os nossos governantes nunca podem esquecer-se de que, tal como estipulava a Declaração da Independência dos EUA, saída do Congresso de Filadélfia, a 4 de Julho de 1776, “Os governos são estabelecidos pelos homens para garantir esses direitos e o seu justo poder emana do consentimento dos governados. Todas as vezes que um governo se torna contrário a esses objectivos, o povo tem o direito de o mudar ou de o abolir e estabelecer um novo governo”.
Na verdade, foi esta declaração que precipitou os movimentos iluministas em todo o mundo, com maior evidência e fulgor para a França, onde isso criou condições para a queda da monarquia absoluta e a consequente execução, na guilhotina, do rei Luís XVI, a 21 de Janeiro de 1793.
O rei caiu porque não queria ceder às exigências do povo, maioritariamente pobre e sufocado de impostos. Foi na sequência disso que o povo elaborou e apresentou um “caderno de queixas” em que dizia: “fechar à classe mais numerosa e mais útil o acesso aos empregos e cargos honrosos é sufocar o génio e o talento (...). Só os nobres gozam de todos os privilégios. Desta forma, a nobreza beneficia de tudo, possui tudo (...). Entretanto, se é a nobreza que comanda o exército, é o terceiro estado (povo) que os compõe; se a nobreza verte uma gota de sangue, o povo derrama torrente; a nobreza esvazia o tesouro, o povo enche-o; numa palavra, o povo paga tudo e não beneficia de nada”.
Lázaro Mabunda, O País
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