Não será arriscado dizer-se que muito do futuro do Ocidente se vai jogar no Egipto nos próximos meses. E alguns cenários não são nada risonhos
O que está em jogo no Egipto não é só o destino de um povo. Nem é só o destino da nação que construiu as pirâmides 2500 anos antes de os imperadores romanos as terem admirado. O que está em causa no Egipto é a relação do Ocidente com o islão. É a relação que produziu os ataques do 11 de Setembro e as guerras do Afeganistão e do Iraque. Não é coisa pequena.
O problema com que se depara o Ocidente é simples. Por um lado, gostaríamos de promover a democracia e o de-senvolvimento egípcio. Por outro, uma democracia egípcia poderia produzir um governo islamita e antiocidental. Esta tensão, impossível de resolver, obriga o Ocidente a correr riscos que não controla inteiramente.
A chave do problema encontra-se nas mãos das forças armadas egípcias. Mubarak sempre dependeu delas. E elas dependem em larga medida dos EUA. Desde o acordo de Camp David entre Israel e o Egipto em 1978, os EUA dão anualmente aos militares egípcios cerca de mil milhões de euros em treino e equipamento. Os tanques nas ruas do Cairo são M1 americanos, tal como o são os aviões F-16 que os sobrevoam. Isto faz com que as chefias militares egípcias tenham interesse em manter o apoio de Washington. É por isso que as forças estacionadas na capital têm sido tão passivas. Ora o Ocidente pode usar esta alavanca para influenciar o futuro do Egipto numa de duas direcções.
O cenário prudente é a continuação do actual regime com um novo ditador. De facto, parece ser esta a estratégia de Mubarak. Por um lado, colocou um homem da confiança dos militares, Omar Suleiman, na linha de sucessão. Por outro, não ordenou às tropas que dispersassem os manifestantes, deixando esse trabalho sujo a esquadrões dos seus "apoiantes". Com esta manobra dupla, mantém o exército do lado do regime - e do lado do aliado americano, que não quer violência. No Outono, as eleições serão comme d''habitude manipuladas, e delas sairá um novo homem forte do Cairo, com muitas promessas ocas de reforma e o apoio da máquina militar. Garante-se um Egipto pró-ocidental, mas garante-se também o reforço do desencanto do mundo islâmico em relação ao Ocidente.
O cenário arriscado começa por pressionar Mubarak a sair já. Depois os EUA pressionam Suleiman e as chefias militares para que não interfiram no processo eleitoral do Outono. Entretanto o Ocidente apoia a formação de partidos políticos seculares, moderados, e genuinamente reformistas. Por fim, resta-nos rezar para que a coisa corra bem. Se assim for, o Egipto terá dentro de meses um governo democrático secular com uma agenda progressista e uma postura internacional pró-Ocidente. A Irmandade Muçulmana sairá das eleições com uma representação parlamentar suficientemente forte para lhe dar voz no sistema político, mas não tão forte que lhe permita controlar o governo.
E se as coisas correrem mal?
Aí configura-se o pior cenário possível. O que acontece se a Irmandade Muçulmana abandonar a sua actual retórica moderada? Ou se o seu apoio ao candidato reformista Mohamed ElBaradei for apenas uma tentativa de infiltrar a democracia para depois a subverter? Ou simplesmente se a Irmandade Muçulmana ganhar as eleições sozinha? O que farão os militares egípcios? E o que fará o Ocidente? Fecha os olhos a um golpe militar que assegure os interesses estratégicos ocidentais mas devolva o Egipto à ditadura e enraiveça muçulmanos pelo mundo fora? Ou aceita que um dos seus principais aliados na região se torne um bastião de fundamentalismo e instabilidade? São estes os riscos.
Neste momento nada é certo. Apenas que é este o cenário que melhor expõe as contradições do Ocidente. E essas contradições são as nossas. De cada um de nós.
Nuno Monteiro, Professor de Relações Internacionais, Universidade de Yale
3 comments:
Talvez a solucao seja a hipotese de um "Islao democratico",
Nao estariamos a transformar o Islao, pois ele sempre teve principios socialistas, e ate democraticos( so nao os tem na concepcao do ocidente), mas provavelmente uma hipotese de mudanca de estrategica do Israel em relacao a Palestina, a resolucao desse conflito poderia eventualmente democratizar os paises da regiao, e lancar bases pra uma paz duradoura no medio oriente,e como consequencia a Democracia, tao aparentemente desejada pelo Ocidente.
Nao sei se manter a farsa do "Islao ameaca", cobrindo Israel, mantendo o Povo Palestino numa situacao injusta e humanamente inaaceitavel, podera alguma vez chamar-se democracia.
Por outro lado, SIM, a manutencao da farsa, e a continua injustica e massacres contra o Povo palestino, nao vai reduzir a "raiva" ou a ameaca de "ataques terroristas", coincidentemente dos muculmanos,
Coincidentemente porque nem todos terroristas sao muculmanos e nem todos muculmanos sao terroristas, que pelo meu entender, o chamado "terrorismo islamico", tem a sua origem e causa associada a retaliacao a Israel e seus aliados, relativamente ao conflito palestino.
Karim, as revoltas populares que se alastram um pouco por todo o lado inspiram todo o Mundo. É um facto que o Povo está cansado de ditadores e de corruptos. É neste contexto que os democratas se solidarizam com mudanças que podem conduzir à democracia.
É legítimo que se questione qual vai ser o futuro do Egipto e o articulista apresenta alguns cenários possíveis.
Seria bom recordarmos o que se passou no Irão com a queda do Xa e o regresso de Khomeini, todos acreditavam, mesmo no Ocidente, que era o princípio de uma nova era de democracia e direitos humanos.Infelizmente, isso não aconteceu.
Temos de torcer para que no Egipto e nos outros países em revolta, surjam regimes verdadeiramente democráticos que respeitem os direitos humanos,seculares, tolerantes e que escutem as aspirações do Povo.
Talvez tenhas razao, eu nao digo que nao pode haver receios, ponho apenas uma hipotese e possibelidade da maioria dos conflitos do medio oriente puderem vir a ser resolvidos com uma mudanca estrategica do Israel.
SIM, vamos torcer para que haja de facto mudancas verdadeiramente democraticas em todos os paises onde ha revoltas.
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