Eu não sei porque razão certos homens, a meu ver, quanto mais pequenos são maiores querem parecer. António Aleixo, poeta português
Já estava concluída e pronta para fazer publicar a crónica sobre o valor do artesanato no desenvolvimento de Nampula quando constatei que, na nossa imprensa doméstica, as notícias sobre a visita do Primeiro-ministro, Aires Aly, à província de Sofala eram publicadas às carradas para o consumo dos leitores.
Parecia que estávamos no tempo fértil do Comunismo em que os jornais eram telecomandados a partir de um farol ideológico do partido no poder, extremamente feroz, que sustentava os débeis pilares do sistema até então vigente no país.
Como de um califa de Bagdad se tratasse, grande parte das redacções dos jornais e das rádios nacionais disponíveis online, incluindo alguns ‘blogues’, quase que todas estas ‘vuvuzelas’, diga-se, úteis da comunicação social deixaram de lado os principais entraves do desenvolvimento do país, nomeadamente a problemática da fome, da miséria, da corrupção óssea, do desemprego crónico, do analfabetismo, do “lambebotismo” – males que devem ser atacados todos os santos dias do ano, sem nenhuma interrupção, de modo a evitar a hereditariedade e a proliferação dos mesmos, porquanto as coisas más tendem a criar escolas e novas vagas de alunos no país.
No lugar disso, de activar o antivírus contra estes entraves, assistimos os mesmos rituais de sempre quando um determinado dirigente do poleiro visita as províncias do país, a imprensa faz dele Messias, até é capaz de fazer descrições miraculosas, como se esse dirigente fosse o adamastor da razão e Moçambique fosse apenas Maputo. Às vezes é preciso perder algumas horas a reler o espólio jornalístico de Carlos Cardoso e do professor Carlos Serra, para perceber que fazer jornalismo não é “polir o governo do dia”. Bajulação desmedida pode levar à dependência crónica. Mas, não escrevi esta crónica para dar sermão aos nossos jornalistas, porquanto o leitor saberá - como sempre - diferenciar o trigo do joio.
Voltemos à meada. À semelhança do Presidente da República (exceptuando apenas no aparato de segurança), a visita do Primeiro-ministro, Aires Aly, às províncias do país é um autêntico festival de peripécias. Por um lado são as tolerâncias de ponto esforçadas que se verificam quando este e a sua comitiva escalam um determinado ponto do país, depois são os funcionários do Aparelho do Estado que deixam de produzir riqueza para o país (para recepcionar o Primeiro-ministro); as escolas também seguem a mesma onda e tiram alguns dias de folgas porque é preciso levar as nossas crianças ao aeroporto e/ou ao local do discurso para que o Primeiro-ministro as veja dançar ‘makwayela’; os mercados informais encerram as portas por algumas horas, porquanto é preciso convidar as ‘mamanas’ desses mercados para que se mostre ao visitante os raros passos da arte dançarina do nosso vasto Moçambique.
Ademais, as reuniões fecundam novos parasitas e solidificam os já existentes na fileira, cujas funções resumem-se sobretudo na bajulação e na apresentação de relatórios quiméricos de uma situação bem diferente do real (dolorosa).
A História parece repetir-se. Na primeira visita à província de Sofala, o Primeiro-ministro, Aires Aly, foi alvo de uma recepção espectaculosa. Segundo apurei de alguns ‘Munas’ (irmão em macua) residentes na cidade da Beira disseram-me tratar-se da primeira vista daquele dirigente à província de Sofala, por isso era necessário “caprichar na ornamentação” e na bajulação. Porém, não é a primeira vez que Aires Aly visita a província de Sofala. Uma coisa é certa, visitando como membro sénior do partido Frelimo ou como Primeiro-ministro não altera absolutamente nada na vida das populações de Sofala.
A questão da pobreza em Moçambique dificilmente será vencida com visitas às províncias como, aliás, se viu com as ‘presidências-abertas’ do Presidente da República. Tão-pouco será vencida com homilias evasivas, é preciso mais do que isso. A solução para os problemas do país passa necessariamente pela introdução de uma “lavandaria” na administração pública de modo a varrer do Aparelho do Estado os parasitas que lá se encontram, sobretudo aqueles que têm escapado o saneamento das brigadas anticorrupção e das reformas no sector público, aqueles que usam a “farda revolucionária” para lograr vantagens pessoais. Percebe-se agora que a luta travada pela ministra Vitória Diogo é inútil.
Coitada da minha compatriota, está a tentar encher um tambor furado. Está, na verdade, a combater um inimigo interno.
Vivo num país onde o Primeiro-ministro não é idolatrado nem pela imprensa, tão-pouco pela população. Ser Primeiro-ministro na Bélgica é igual a ser um “cidadão qualquer”, e este não se apoia na imprensa para dizer aquilo que faz ou deixa de fazer. Simplesmente trabalha sem ter em conta o pulsar da comunicação social ou de qualquer outro meio. Já que a ideia é colocar o Primeiro-ministro a fiscalizar as actividades do governo, sugeria que o Presidente da República descentralizasse o poder e colocasse alguns ministérios nas províncias, até porque tal pressuposto iria reduzir significativamente os gastos excessivos das contas públicas.
Todos os dias, para além do respectivo governador e dos directores provinciais visitarem às províncias; o Presidente da República, os ministros, os directores nacionais, os deputados da Assembleia da República, (afora os Secretários Permanentes porque estes são, de facto, permanentes!); o secretário-geral da Frelimo, o “pimpão” da Mobilização e Propaganda, Edson Macuácua, também visitam as províncias. Todos recebem, diariamente, os mesmos problemas de há 35 anos, acontece, porém, que tudo fica na mesma, isto é, nas promessas de um futuro melhor e nada mais do que isso.
Viajar para cortar fitas e/ou para visitar um empreendimento é o mesmo que, no meu entender, ir fazer turismo à beira-mar.
Há que repensar nas sistemáticas visitas dos nossos dirigentes às províncias.
O que é que elas realmente representam para o país. Ainda não termino esta crónica sem antes perguntar ao Senhor Primeiro-ministro, Aires Aly, para quando uma resposta cabal dos problemas dos 'Madjermans' assim como de muitas fábricas adormecidas no país? Porque não apostar nas novas tecnologias de informação e comunicação, ao invés de “despachar-se” a si e a outros dignatários do Estado para as províncias, com intuito de ver se a obra X ou Y avançou ou não?
“Kochikuro” (Obrigado).
gentoroquechaleca@gmail.com
PS: Esta semana ficamos a saber, pelo Wamphula Fax, que Nacala–Porto vai ter uma nova universidade – A Politécnica. Ainda não sabemos se esta universidade vai funcionar numa garagem ou em instalações próprias. A ‘sarna’ das universidades está ao rubro. Hoje em dia todos querem ser doutores e, por causa disso, o país regista um grande défice de artesãos, pedreiros, enfermeiros, professores, mecânicos, etc. Até nos cemitérios há ‘distinção’ entre os doutores falecidos e os que não o foram. Onde chegamos, Samora, heim?
Crónica de Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas, WAMPHULA FAX – 18.02.2011, citado no Moçambique para todos
Já estava concluída e pronta para fazer publicar a crónica sobre o valor do artesanato no desenvolvimento de Nampula quando constatei que, na nossa imprensa doméstica, as notícias sobre a visita do Primeiro-ministro, Aires Aly, à província de Sofala eram publicadas às carradas para o consumo dos leitores.
Parecia que estávamos no tempo fértil do Comunismo em que os jornais eram telecomandados a partir de um farol ideológico do partido no poder, extremamente feroz, que sustentava os débeis pilares do sistema até então vigente no país.
Como de um califa de Bagdad se tratasse, grande parte das redacções dos jornais e das rádios nacionais disponíveis online, incluindo alguns ‘blogues’, quase que todas estas ‘vuvuzelas’, diga-se, úteis da comunicação social deixaram de lado os principais entraves do desenvolvimento do país, nomeadamente a problemática da fome, da miséria, da corrupção óssea, do desemprego crónico, do analfabetismo, do “lambebotismo” – males que devem ser atacados todos os santos dias do ano, sem nenhuma interrupção, de modo a evitar a hereditariedade e a proliferação dos mesmos, porquanto as coisas más tendem a criar escolas e novas vagas de alunos no país.
No lugar disso, de activar o antivírus contra estes entraves, assistimos os mesmos rituais de sempre quando um determinado dirigente do poleiro visita as províncias do país, a imprensa faz dele Messias, até é capaz de fazer descrições miraculosas, como se esse dirigente fosse o adamastor da razão e Moçambique fosse apenas Maputo. Às vezes é preciso perder algumas horas a reler o espólio jornalístico de Carlos Cardoso e do professor Carlos Serra, para perceber que fazer jornalismo não é “polir o governo do dia”. Bajulação desmedida pode levar à dependência crónica. Mas, não escrevi esta crónica para dar sermão aos nossos jornalistas, porquanto o leitor saberá - como sempre - diferenciar o trigo do joio.
Voltemos à meada. À semelhança do Presidente da República (exceptuando apenas no aparato de segurança), a visita do Primeiro-ministro, Aires Aly, às províncias do país é um autêntico festival de peripécias. Por um lado são as tolerâncias de ponto esforçadas que se verificam quando este e a sua comitiva escalam um determinado ponto do país, depois são os funcionários do Aparelho do Estado que deixam de produzir riqueza para o país (para recepcionar o Primeiro-ministro); as escolas também seguem a mesma onda e tiram alguns dias de folgas porque é preciso levar as nossas crianças ao aeroporto e/ou ao local do discurso para que o Primeiro-ministro as veja dançar ‘makwayela’; os mercados informais encerram as portas por algumas horas, porquanto é preciso convidar as ‘mamanas’ desses mercados para que se mostre ao visitante os raros passos da arte dançarina do nosso vasto Moçambique.
Ademais, as reuniões fecundam novos parasitas e solidificam os já existentes na fileira, cujas funções resumem-se sobretudo na bajulação e na apresentação de relatórios quiméricos de uma situação bem diferente do real (dolorosa).
A História parece repetir-se. Na primeira visita à província de Sofala, o Primeiro-ministro, Aires Aly, foi alvo de uma recepção espectaculosa. Segundo apurei de alguns ‘Munas’ (irmão em macua) residentes na cidade da Beira disseram-me tratar-se da primeira vista daquele dirigente à província de Sofala, por isso era necessário “caprichar na ornamentação” e na bajulação. Porém, não é a primeira vez que Aires Aly visita a província de Sofala. Uma coisa é certa, visitando como membro sénior do partido Frelimo ou como Primeiro-ministro não altera absolutamente nada na vida das populações de Sofala.
A questão da pobreza em Moçambique dificilmente será vencida com visitas às províncias como, aliás, se viu com as ‘presidências-abertas’ do Presidente da República. Tão-pouco será vencida com homilias evasivas, é preciso mais do que isso. A solução para os problemas do país passa necessariamente pela introdução de uma “lavandaria” na administração pública de modo a varrer do Aparelho do Estado os parasitas que lá se encontram, sobretudo aqueles que têm escapado o saneamento das brigadas anticorrupção e das reformas no sector público, aqueles que usam a “farda revolucionária” para lograr vantagens pessoais. Percebe-se agora que a luta travada pela ministra Vitória Diogo é inútil.
Coitada da minha compatriota, está a tentar encher um tambor furado. Está, na verdade, a combater um inimigo interno.
Vivo num país onde o Primeiro-ministro não é idolatrado nem pela imprensa, tão-pouco pela população. Ser Primeiro-ministro na Bélgica é igual a ser um “cidadão qualquer”, e este não se apoia na imprensa para dizer aquilo que faz ou deixa de fazer. Simplesmente trabalha sem ter em conta o pulsar da comunicação social ou de qualquer outro meio. Já que a ideia é colocar o Primeiro-ministro a fiscalizar as actividades do governo, sugeria que o Presidente da República descentralizasse o poder e colocasse alguns ministérios nas províncias, até porque tal pressuposto iria reduzir significativamente os gastos excessivos das contas públicas.
Todos os dias, para além do respectivo governador e dos directores provinciais visitarem às províncias; o Presidente da República, os ministros, os directores nacionais, os deputados da Assembleia da República, (afora os Secretários Permanentes porque estes são, de facto, permanentes!); o secretário-geral da Frelimo, o “pimpão” da Mobilização e Propaganda, Edson Macuácua, também visitam as províncias. Todos recebem, diariamente, os mesmos problemas de há 35 anos, acontece, porém, que tudo fica na mesma, isto é, nas promessas de um futuro melhor e nada mais do que isso.
Viajar para cortar fitas e/ou para visitar um empreendimento é o mesmo que, no meu entender, ir fazer turismo à beira-mar.
Há que repensar nas sistemáticas visitas dos nossos dirigentes às províncias.
O que é que elas realmente representam para o país. Ainda não termino esta crónica sem antes perguntar ao Senhor Primeiro-ministro, Aires Aly, para quando uma resposta cabal dos problemas dos 'Madjermans' assim como de muitas fábricas adormecidas no país? Porque não apostar nas novas tecnologias de informação e comunicação, ao invés de “despachar-se” a si e a outros dignatários do Estado para as províncias, com intuito de ver se a obra X ou Y avançou ou não?
“Kochikuro” (Obrigado).
gentoroquechaleca@gmail.com
PS: Esta semana ficamos a saber, pelo Wamphula Fax, que Nacala–Porto vai ter uma nova universidade – A Politécnica. Ainda não sabemos se esta universidade vai funcionar numa garagem ou em instalações próprias. A ‘sarna’ das universidades está ao rubro. Hoje em dia todos querem ser doutores e, por causa disso, o país regista um grande défice de artesãos, pedreiros, enfermeiros, professores, mecânicos, etc. Até nos cemitérios há ‘distinção’ entre os doutores falecidos e os que não o foram. Onde chegamos, Samora, heim?
Crónica de Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas, WAMPHULA FAX – 18.02.2011, citado no Moçambique para todos
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