Wednesday 12 November 2014

Boletim sobre o processo político em Moçambique

CNE rejeita protesto da Renamo por 'inobservância dos procedimentos'


Por um voto, 9 a favor e 6 contra, com 2 abstenções, a Comissão Nacional de Eleições (CNE), rejeitou uma petição de Renamo para declarar nulas as eleições de 15 de outubro. A rejeição deveu-se a "inobservância dos procedimentos legais de impugnação prévia junto da mesa da assembleia de voto quanto a matéria atinente à votação e apuramento eleitoral."
Com efeito, a Renamo não seguiu os procedimentos que a própria Renamo colocou na lei eleitoral no início deste ano, segundo os quais, o primeiro protesto deve ser feito na assembleia de voto, e se isso for recusado ou rejeitado, deve ser imediatamente submetido a um tribunal distrital. Em vez disso, a Renamo coletado todas as suas queixas e apresentou-as à CNE.
Mas CNE continua a afirmar que "a decisão ora tomada não afasta nem põe em causa a legitimidade da propositura dos factos, tal como são arrolados pelo reclamante, pelo que a serem provados considera-as graves e por isso, propõe-se averiguá-los."
A CNE, agora fortemente dividida, reuniu durante quatro horas na tarde de segunda-feira 03 de novembro, sem nenhum consenso e, retomou na terça-feira de manhã onde se procedeu a votação. A Deliberação detalhada não foi distribuída, mas foi publicada no site da CNE: a Deliberação nº 84/CNE/2014, de 4 de Novembro; http://bit.ly/116cJqa
Curiosamente, tanto a CNE e bem como a Renamo se recusaram em disponibilizar o protesto submetido pela de Renamo, e por isso não há maneira de confirmar com exactidão o que dele consta. No entanto, a CNE na sua deliberação diz que "o reclamante alega, em resumo, que o processo eleitoral não foi livre, justo e transparente tendo em conta a fraude massiva perpetrada por técnicos dos órgãos eleitorais a mando do Partido Frelimo."
A CNE diz ainda que a uma das fundamentações da Renamo para fundamentar o seu é "porque o processo eleitoral desde o início se constatou estar completamente viciado, desacreditado e uma evidente desorganização da parte dos órgãos eleitorais que mostram falta de idoneidade, isenção, criação de condições para verificação da fraude, por parte de quem deveria garantir a regularidade e transparência das mesmas, nada nos resta, senão pedir a declaração da nulidade das Eleições Presidenciais, Legislativas e das Assembleias Provinciais".
Enquanto isso, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o terceiro maior partido nas eleições, apresentou uma petição ao Conselho Constitucional na segunda feira 03 de novembro, pedindo a anulação das eleições em três províncias - Maputo, Tete e Sofala - e na Cidade de Maputo, onde eles afirmar ter havido irregularidades graves. Tal como a Renamo, o MDM recusou-se a dar quaisquer detalhes sobre o seu protesto.


Dhlakama assume que a desmobilização não será em breve e exige um 'governo de gestão'

O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, em uma longa entrevista na Savana (07 de novembro) expõe a sua posição nas negociações sobre uma série de questões. Os Três principais pontos são:
- Ele quer um "governo de gestão", não um "governo de unidade". Serviria até as eleições de 2019 e ele iria nomear alguns membros. Ele não iria fazer parte do governo de gestão.
- Ele quer uma mudança constitucional de modo a criar um cargo para o líder da oposição.
- A desmobilização de homens armados da Renamo não vai acontecer em breve.

Chefes e outros

Dhlakama usou um tom depreciativo quando se referiu a algumas figuras-chave, e salientou que ele é um lider. Em nenhum momento mencionou o nome do presidente da CNE, Sheik Abdul Carimo, sempre se referiu com desdém, usando termos como "o muçulmano". Dhlakama afirmou: "de facto, alguém obrigou-o a publicar os resultados e a dar vitória à pessoa que vai ganhar com fraude." E sobre Carimo, ele disse que "dentro da religião ficou sujo."
O líder do governo nas negociações com a Renamo, o ministro da Agricultura e membro da comissão política da Frelimo, José Pacheco, pelo menos é mencionado pelo nome. "O Pacheco é um fala barato. É um mufana [miúdo]." Quanto a Filipe Nyusi, "ninguém votou nele. Mesmo na sua terra ninguém votou nele. É meia dúzia de macondes em Muidumbe, Nangade e Mueda."
E referindo-se a si mesmo, ele disse simplesmente "O chefe é chefe. ... Na nossa terra dizemos que a galinha, por mais que chova se não entra na capoeira, os pintainhos sempre ficam a apanhar chuva." Essa foi a razão da campanha da Renamo não ter iniciado até a saída de Dhlakama do mato, porque "o chefe sempre vai à frente e os outros seguem."


Governo de gestão

Dhlakama diz não a um governo de unidade nacional e, em seu lugar propõe um governo de gestão formado por "profissionais competentes".
"O Governo do presidente Guebuza tem que terminar. Não há alguém que tem que ficar. Tudo tem que cair. Se calhar vão ficar os embaixadores. Já que de princípio os embaixadores não pertencem a governos, mas aqueles que fazem propaganda do regime têm que sair,"

A proposta é que "Dhlakama forneça uma lista de pessoas competentes, pessoas com elevado grau de profissionalismo para os ministérios, para governadores ... A Frelimo também apresentaria as suas propostas e negociaríamos. Por exemplo, eu diria que o meu homem chamado João vai para os Negócios Estrangeiros, o Pedro quero que vá aos Transportes. Não vou dar só a lista e a Frelimo seleccionar como quiser."
O último ponto, tem sido o central de Dhlakama em todas as negociações ao longo dos últimos 20 anos - ele quer ter o direito de nomear pessoas da sua confiança, para lugares específicos. Ele está rejeitando o sistema moçambicano comum e pretende compartilhar responsabilidades, sugerindo a elaboração de uma pequena lista de três pessoas para ocupar um determinado cargo e que seria submetida para escolha final.
O governo de gestão serviria até as eleições de 2019 e Dhlakama não faria parte dele. Ao invés disso, Dhlakama disse que quer aceitar uma proposta feita pelo presidente Armando Guebuza "aquando da assinatura do acordo de cessação das hostilidades em Setembro, ele publicamente anunciou o interesse do país implementar a ideia de criar um estatuto de líder da oposição. Isso eu posso exigir. Mesmo amanhã,"


Desmobilização

Embora não tenha sido preciso, Dhlakama deixou claro que será necessário salvaguardar várias questões nas negociações, antes de se avançar para a desmobilização dos homens armados da Renamo. Ele diz ser errado chamar a Renamo um "partido armado" e que a sua guarda presidencial armada só foi mantida porque "a Frelimo chateou-nos muito com a Polícia." Ele quer ver os seus homens integrados em uma "polícia republicana, técnica e profissional", mas isso ainda não pode acontecer "porque esta polícia ainda é da Frelimo."
Da mesma forma, após uma sessão de negociação havida recentemente, Pacheco foi citado como tendo afirmado que a Renamo iria enviar seus homens para as actuais Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Dhlakama disse "Não. A Renamo não vai meter nenhum homem nas FADM. A Renamo vai pegar a sua gente que já está nas FADM a ser marginalizada, gente que está escravizada. Para reactivá-los, promovê-los, nomeá-los no âmbito do acordo político. Temos os nossos lá, que andam a varrer nos quartéis, que são moleques e são chamados de assessores"
E a entrevista tem avisos implícitos de um retorno à violência. "São encontros partidários para falarmos sobre aquilo que aconteceu durante a campanha e até nos resultados, no âmbito de tentativa de acalmar as emoções dos simpatizantes e a população, sobretudo, do centro e norte que queriam demonstrar o seu descontentamento com a fraude e dizer basta. Eu disse que não. Acreditem em mim. Sou o vosso porta-voz. … Vou acalmar as pessoas, porque o país não pode parar." Mas ele continua a advertir "estou cansado de apagar o fogo”.


Fui roubado

"Sabia que fui roubado e o meu partido foi roubado." Isso tem acontecido em todas as cinco eleições, afirma Dhlakama. "Sabe que em 99 eu ganhei as eleições com 69%. Todo o mundo sabe. … Depois manipularam tudo e me deram 49%"
Um dia após o dia das eleições, Dhlakama diz que ele se atendeu "os nossos líderes religiosos, políticos, activistas e desmobilizados. É a primeira entrevista que dou depois das eleições. Eles exigem e dizem claramente que não votamos Nyusi. Como é que nos vai governar? Chega. Dizem também que se eu aceitar isso devo sair da liderança ou posso continuar presidente da Renamo, mas eles vão tomar conta sozinhos."

A entrevista completa de Savana está em:
http://bit.ly/1w0WmCO

Renamo alega fraude massiva mas não vai mostrar a prova

Renamo apresentou 107 páginas de evidências no seu protesto submetido a CNE, que agora afirma que vai investigar estas evidências. Mas a Renamo recusou-se em fornecer cópias das "provas" ou da queixa submetida à CNE aos meios de comunicação ou observadores, o que torna impossível verificar a qualidade das provas ou a precisão do relatório submetido a CNE.
Em eleições anteriores, a Renamo permitiu que o Boletim tivesse acesso as evidências e publicamos algumas delas. Por exemplo, as queixas da Renamo, expondo o uso de marcas de tinta extra para invalidar boletins de voto, foram publicadas na primeira vez por este Boletim. Mas este ano, a Renamo recusou-se em mostrar as suas evidências.

A CNE, na sua Deliberação 84 relata os detalhes das queixas da Renamo. As citações são da CNE, e não da Renamo.
- "Na Província de Gaza, os membros do partido Renamo, designados para integrar os órgãos eleitorais nomeadamente, vogais das Comissões Distritais/Cidade, Membros das Mesas de Voto (MMV) e delegados de candidatura, foram recusados os pedidos para arrendarem espaços habitacionais, de uma forma deliberada e com o objectivo de impedir a sua presença no acto de votação, não puderam exercer as suas actividades por falta de espaços habitacionais. ,,, Na mesma província, o reclamante alega ainda que os seus membros foram objecto de actos hostis e atentórios à vida por se ter ateado fogo à casa que tinham arrendado … Face a este ambiente hostil, o reclamante diz que os seus membros indicados para as mesas de votação acabaram por desistir de participar no processo, fazendo com que ficassem sem representantes nas mesas de votação."
- "Detenções arbitrárias dos delegados de candidatura bem como intimidação dos votantes por parte da Polícia da República de Moçambique."
- "Cortes planificados de energia eléctrica para facilitação do enchimento de urnas de votação a favor da Frelimo e seu candidato."
- "Recusa de receber reclamações e protestos bem como, a distribuição das actas e editais aos representantes dos partidos políticos da oposição, por parte dos Presidentes das Mesas de Votação."
- "Expulsão dos delegados de candidatura no momento das operações de contagem de votos."
- "Expulsão de delegados de candidatura,"
- "Obstrução à fiscalização,"
- "Impedimento a que os MMVs indicados pelo partido exercessem as suas funções."
- "Inutilização de boletins de voto com tinta."
- "Desaparecimento de actas."
- "Abertura tardia de mesas de assembleias de voto," e
- "Enchimento de urnas."

Transparência da CNE
  Ainda sem resultados completes e sem dados do financiamento aos partidos

Apesar dos repetidos pedidos, a CNE ainda não forneceu resultados eleitorais completos. Os resultados, que foram distribuídos no dia 30 de outubro, último dia permitido pela lei, não incluem os resultados detalhados das províncias, por distrito e por assembleias províncias. Os resultados distritais da CNE são importantes porque podem ser confrontados com os resultados anunciados pelas comissões distritais de eleições. Mas até agora, a CNE anunciou apenas o número de assentos para as assembleias provinciais para cada um dos partidos, por distrito, mas não deu os detalhes dos resultados distritais.
Da mesma forma, temos vindo a pedir a mais de um mês para obter mais detalhes sobre o financiamento dos partidos, mas isto vem sendo recusado.


Observadores da UE dizem que as eleições foram descredibilizadas

A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) emitiu um breve comunicado na sexta-feira 6 de novembro. Ele constactou "uma série de irregularidades, incluindo restrições localizadas de movimento dos observadores e de representantes de partidos políticos e de acesso à informação pelos mesmos, muitas publicamente reconhecidas pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), descredibilizou o processo de apuramento de resultados, principalmente em quatro províncias.”
"As autoridades responsáveis pela adjudicação de queixas eleitorais poderão ainda contribuir para identificar e retificar algumas das principais deficiências sendo que todos os interessados deverão contribuir para este fim."
A Missão de Observação "considera que os problemas registados durante o processo de apuramento, e os actos de violência e de intolerância política observados durante a campanha eleitoral, evidenciam a necessidade de importantes melhorias nos futuros pleitos eleitorais em Moçambique."


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