O escritor Mia Couto disse esta terça-feira, dia 28 de Maio, que gostaria de usar o valor do Prémio Camões para desenvolver um projecto que dê "espaço aos jovens escritores moçambicanos", algo que, considera, Moçambique não dispõe nesta altura.

Segundo Mia Couto, "todas as semanas", algum jovem escritor lhe bate à porta com um "manuscrito para mostrar", o que lhe causa "muita impressão", pois revela "uma grande solidão", uma vez que "essas pessoas" não têm com quem partilhar a "preocupação" do valor da obra.
"Não existe instituição em Moçambique que possa receber esta gente, que possa organizar um momento que é essencial, que é alguém escutar, olhar aquele texto preparado pelo jovem e poder ver se ali há uma potencialidade de alguém que pode ser amanhã um escritor", disse.
Sobre a importância do Prémio Camões que recebeu para a literatura moçambicana, Mia Couto afirmou ter dúvidas quanto ao seu significado, argumentando que ela "é muito maior que a contribuição de um escritor", apontando ainda críticas à situação que o país vive neste aspeto.
"Literatura não é produzir livros, é esta dinâmica que anda à volta da escrita literária, que envolve as escolas, as famílias, as bibliotecas, a circulação dos livros. Tudo isso faz uma literatura. Não pensemos que há literatura moçambicana porque há meia dúzia de escritores que têm alguma projeção", sublinhou.
"Se a política oficial e prática do Governo não a tomar como prioridade, estamos a colocar em risco isso que se chama de literatura moçambicana", acrescentou.
Sobre o espaço da lusofonia e do seu potencial literário no mundo, Mia Couto entende que é necessário "acertar, dentro da família" de países de expressão portuguesa, "determinadas coisas", antes de se começar a "pensar num território tão grande, que é o mundo".
"Se não nos impomos, se não somos capazes de mostrar alguma coisa que tem um valor único, alguma espécie de contribuição inovadora, o mundo não quer saber de nós", considerou.
"Mesmo nós [Moçambique] temos uma posição de grande ambiguidade: às vezes a língua portuguesa é nossa, outras vezes, não é nossa; às vezes, é tida como língua nacional, outras vezes, não", lamentou.
Mia Couto, nascido na Beira, em 1955, é o mais recente vencedor do Prémio Camões, este ano na sua 25.ª edição, com um valor de 100 mil euros.
Entre a ficção e a poesia, Mia Couto soma perto de 30 livros, sendo os títulos "O Último Pé da Sereia", "O Último Voo do Flamingo", "Terra Sonâmbula" e "Raiz de Orvalho", alguns dos mais conhecidos.
O júri da 25.ª edição decidiu, na segunda-feira, premiar Mia Couto pela "vasta obra ficcional, caracterizada pela inovação estilística e pela profunda humanidade".
A obra de Mia Couto, "inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade", disse à Lusa José Carlos Vasconcelos, membro do júri.
O Prémio Camões foi criado por Portugal e pelo Brasil e atribuído pela primeira vez em 1989, distinguindo o escritor Miguel Torga.
Mia Couto é o segundo escritor moçambicano a receber o Prémio Camões, depois de José Craveirinha, em 1991.
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