Thursday 29 August 2013

Caiu a máscara do Tribunal Administrativo

“…São comissões de anti-corrupção criadas por corruptos
Para se subornarem entre eles e multiplicarem os lucros
Apontem estes corruptos ou então vocês são os corruptos”
Azagaia in “Povo no Poder”

Maputo (Canalmoz) – Caiu a máscara da organização suprema de fiscalização das contas do Estado: o Tribunal Administrativo. Um relatório de auditoria... às contas do tribunal constatou a aplicação irregular de fundos, a violação da Lei de Procurement, a utilização exagerada dos fundos do Estado, entre outros males.
Um artigo do Centro de Integridade Pública (CIP) descreve de uma forma detalhada todos os desvios do tribunal que fiscaliza as contas do Estado. É presidente do Tribunal Administrativo o juiz Machatine Munguambe (na imagem).

“O TA é financiado pelo Orçamento do Estado e por um Fundo Comum que se destina a apoiar o seu Plano Corporativo. Presentemente, os parceiros do Fundo Comum são o Governo da Finlândia, a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento, o Reino da Suécia e o Reino dos Países Baixos. O Memorando de Entendimento assinado entre o TA e seus parceiros estabelece a realização de auditorias anuais a todos os recursos financeiros, incluindo o Orçamento do Estado alocado àquela entidade. Nesta conformidade, decorreu a auditoria às demonstrações financeiras do período de Janeiro a Dezembro de 2012, bem como da conformidade e consistência dos procedimentos e registos administrativos, financeiros e contabilísticos, que consistiu em:

• análise do sistema de controlo interno;
• aferição da legalidade e regularidade na realização da despesa, com a realização de testes substantivos e de conformidade sobre os documentos de despesa.
A selecção abrangeu um universo de entidades, cuja execução orçamental totaliza 66% em 2012, conforme a tabela abaixo:

Auditor emite opinião com reservas

Ao longo do processo de auditoria, houve quatro versões do relatório que foram reduzindo os montantes envolvidos e o número de irregularidades detectadas. Este Newsletter versa sobre a quarta versão, que consolida todos os argumentos e contra-argumentos esgrimidos em sede do contraditório. Com tudo considerado, o auditor emitiu uma opinião com reservas, baseando-se nas seguintes observações:
Primeiro: violação do Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado (Decreto n.º 15/2010, de 24 de Maio). O plano de contratação para o fornecimento de bens, serviços e obras realizado em 2012 atingiu o valor de 280 467 217,00 MT. Deste montante, 103 343 935,00 MT, correspondente a 36%, foi adjudicado pela modalidade de ajuste directo, quando se exigia, em conformidade com o Decreto n.º 15/2010, de 24 de Maio, a realização de concurso público. O anexo 1 indica o detalhe das principais adjudicações. Em sede do contraditório, o TA fundamentou a sua opção com base no artigo 113 do Decreto n.º 15/2010, de 24 de Maio. No entanto, tal não procede, pois o regime de Ajuste Directo constitui sempre uma excepção. Não se pode considerar excepção a 36% de 280 467 217,00 MT. Nestes termos, não foram seguidos critérios essenciais de economicidade, eficiência e eficácia nos contratos assinados pelo TA, no valor em alusão.

Segundo: contratação problemática de serviços à empresa Linhas Aéreas de Moçambique, EP (LAM). O TA estabeleceu contrato com a empresa LAM, no qual ficou clausulado que esta presta e cobra directamente os seguintes serviços: (i) venda de passagens aéreas; (ii) aluguer de viaturas nas províncias (intermediação); e (iii) reserva e pagamento de serviços de hotelaria (intermediação). Se com relação às passagens aéreas, a situação de exclusividade é aceitável, o aluguer de viaturas e hospedagem já não o é, pois confere exclusividade a uma empresa para prestação de serviços que estão fora do seu objecto de actuação. É que o contrato fere o princípio de livre concorrência, conferindo exclusividade a uma empresa que faz intermediação com provedores de serviços.
Durante o ano de 2012, os valores pagos pelo TA à LAM totalizaram 59 758 400,00 MT (pagamentos através do Orçamento Corrente, Orçamento de Investimento – Componente Externa e Orçamento de Investimento – Componente Interna). Deste montante, não há informação sobre os custos incorridos por item, como por exemplo, passagens, hospedagem e aluguer de viaturas. Da análise das facturas emitidas pela LAM, os auditores constataram o seguinte:

a) a maior parte dos bilhetes de passagens aéreas comprados directamente na LAM apresentam preços superiores aos praticados pelas agências de viagens que prestam serviço à LAM;

b) ainda sobre as passagens aéreas, não foi possível relacionar as facturas com os bilhetes utilizados e os respectivos talões de embarque;

c as facturas relacionadas com viaturas não descrevem o tipo de viatura nem o número de dias de aluguer (não é apresentada nenhuma folha de utilização da viatura, prática comum nas empresas de Rent a Car);

d) as facturas relacionadas com hospedagem e alimentação não discriminam o nome dos hóspedes nem o tipo de consumos efectuados.
A transcrição da Factura 29 542, de 4 de Junho de 2012, abaixo, elucida as situações a que se referem as alíneas b) e c).

Terceiro: pagamento de subsídios irregulares. Em 2012, o TA efectuou o pagamento de subsídios mensais irregulares a funcionários de topo no montante de 2 380 294,00 MT, para coadjuvarem consultores externos. No âmbito de uma consultoria para a “Reforma de Legislação, Procedimentos, Aperfeiçoamento e Modernização do Processo de Auditoria” realizada por uma empresa privada nacional, foi estabelecida uma parceria remunerada com funcionários de topo do TA para o período de duração da consultoria. Este trabalho de consultoria, de que resultou o pagamento de subsídios mensais, está intrinsecamente ligado às normais funções exercidas por estes funcionários de topo no próprio TA, não havendo, por isso, qualquer fundamento legal para a sua remuneração em forma de subsídios, porque estavam a receber subsídios no âmbito de uma consultoria, para fazer aquilo que deviam, normalmente, fazer como funcionários do Estado. No contraditório, o TA tentou aproximar este pagamento à ‘figura’ de horas extraordinárias, o que também não procede, pelo facto de esta ‘figura’ estar vedada aos funcionários que exercem cargos de chefia ou direcção (artigo 58 do EGFAE), como é o caso em apreço.
Quarto: subsídio para netmóvel excedido. Os funcionários do TA beneficiam de um valor mensal que não está regulado, mas que tem como referência o limite imposto pelo Ministério das Finanças para o subsídio de telemóveis, i.e., 2 000,00 MT. Assim, tendo como referência este valor, os auditores constataram que alguns magistrados e funcionários excederam o limite num total de 746 082,00 MT (detalhe no anexo 2). Destaque vai para uma factura que inclui dois casos individuais com gastos, respectivamente, de 458 280,00 MT e 118 063,88 MT, o que é inaceitável.
Quinto: pagamentos antecipados a fornecedores. Os auditores constataram, ainda, que, nos finais do ano de 2012, foram efectuadas transferências por conta de fornecimentos ou serviços a prestar no ano seguinte, no montante de 1 020 000,00 MT, o que constitui grave irregularidade financeira. Deste valor, 350 000,00 MT foram para a VODACOM e 600 000,00 MT para a MCEL.
Para além destes pontos, que constituem a base para uma opinião com reservas por parte do auditor, há, ainda, outras irregulares levantadas pela auditoria, com destaque para as seguintes:

• Consumo de combustíveis

O consumo de combustível para as viaturas do TA é pago em duas modalidades, como sejam:
− abastecimento feito a crédito, existindo, para o efeito, um contrato estabelecido entre o TA e a British Petroleum – Moçambique (BP). O mesmo é efectuado mediante requisições emitidas pelo Departamento de Finanças (Sector dos Transportes). Entre os dias 10 e 15 do mês seguinte, o TA recebe a factura detalhada do consumo do mês anterior.
− pagamento adiantado para o fornecimento de senhas de consumo correspondentes ao valor pago. Este sistema vigora com o fornecedor Timsay Gestão e Comércio, Lda.

Principais deficiências constatadas:

− Para a primeira modalidade, não há evidência de reconciliação entre a factura detalhada (consumo) e o controlo paralelo das requisições emitidas pelo TA; e
− No caso da segunda modalidade, não há evidência do controlo das senhas entregues.

• Garantias

O Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado (Decreto n.º 15/2010, de 24 de Maio) estabelece como condição prévia para a celebração de contratos a apresentação de garantia. Subsequentemente, o eventual pagamento de adiantamentos está condicionado à apresentação de garantia pelo mesmo valor. No seu trabalho, os auditores constataram:

− não exigência, na generalidade, pela Unidade Gestora e Executora de Aquisições (UGEA) das garantias definitivas nas situações de Ajuste Directo;
− falta de evidência documental de que os adiantamentos de valores (previstos contratualmente) estejam a ser cobertos por garantia pelo mesmo valor;
− falta de registo, pela UGEA, das garantias recebidas e devolvidas, o que está em harmonia com a constatação de que, nos casos em que existam, as garantias são mantidas em arquivo pessoal do funcionário encarregado do processo e não encaminhadas, como correctamente deveria ser, para o Departamento Financeiro.

• Verificação da conformidade dos bens e/ou serviços

O auditor constatou que os processos de despesa relativa ao fornecimento de bens e/ou serviços não incluem a evidência da verificação da conformidade, o que é claramente exigido no artigo 52 do Decreto 15/2010, de 24 de Maio. Isto tem graves implicações, com destaque para (i) impossibilidade de confirmar a recepção dos bens e serviços nos exactos termos do encomendado e em exclusivo proveito da instituição e (ii) possibilidades do Estado ser defraudado.
Como se pode depreender, as violações aqui reportadas são por demais graves e não devem passar impunes, ademais, por o violador da legalidade orçamental ser a entidade suprema de auditoria na República de Moçambique que, como tal, tem a obrigação de cumprir em primeira linha os ditames legais que norteiam a gestão das finanças públicas, como também fazer cumprir a legislação inerente a esta matéria. Nesta conformidade e para uma punição mais abrangente, sugerimos que se combine a responsabilização individual dos gestores públicos implicados e institucional”.



(Redacção/CIP)

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