Tuesday 6 April 2010

Os dilemas da sucessão

Afinal a questão do terceiro mandato e os apetites despertados pela maioria qualificada de 2009 não são apenas vox populi.

E o último conclave da Frelimo mostrou que, mesmo no topo da hierarquia, há preocupações sobre a potencial recondução do actual presidente a um terceiro mandato.

São tentações a que a região não está imune. Já aconteceu na Zâmbia, no Malawi, na Namíbia, mesmo na sofisticada África do Sul. O Zimbabwe claramente chumbou na transição e Angola, como a nova Constituição parece dar indicações, sugere que dos Santos continuará no Futungo de Belas por muitos mais anos.

Se a agenda é a mesma, os pressupostos são diferentes. Guebuza, a cumprir-se o que está na Constituição, será o primeiro presidente de Moçambique a quedar-se no poder por apenas 10 anos, dois mandatos portanto. Os círculos que lhe são próximos, contestam tempo tão reduzido com o exemplo que vem detrás e com o estafado estribilho da tradição africana, do chefe sábio vitalício por oposição aos mandatos limitados, tradicionais nas democracias ocidentais. Os mesmos sectores, em última análise, têm dúvidas da capacidade interna de se fazer a primeira passagem de testemunho para alguém que não venha da tradição dos “ten years”, vulgo “antigos combatentes e que, por outro lado, não tenha o cordão e a tradição hereditária sepultada no sul.

Não deixa de ser verdade que o novo sempre assusta e é mais reconfortante pensar nas coisas que damos como certas. Por isso também, a opção mais rocambolesca, a possibilidade de candidatarem a sua esposa, elegível constitucionalmente e com a estrelinha politicamente correcta de vir das terras de Manica, um dos pontos cardinais do paradigma não oficial estabelecido para futuros sucessores. A opção primeira-dama seria a “solução Argentina” .

Publicamente e, também agora na reunião da Matola, Guebuza tem sido inequívoco: é presidente para os mandatos estipulados pela Constituição.

Por muitos sobressaltos que a transição provoque, a Frelimo tem de olhar para a frente e enfrentar os desafios com opções de modernidade, como o tem demonstrado em algumas outras facetas. Mesmo com as suas próprias especificidades, a Tanzânia, o Botswana e as Maurícias têm completado os seus ciclos de poder sem sobressaltos de maior. Não é por acaso que estes últimos países lideram muitos dos rankings internacionais de democracia, transparência, boa governação e ambiente de negócios. A Tanzânia partindo de trás, tem vindo a galgar lugares nas estatísticas e claramente é um dos adversários directos de Moçambique nesses rankings.

Os sectores mais conservadores e retrógrados no partido do poder devem procurar compreender que o país não é uma ilha e a Frelimo não é a dona dos destinos do país.

A adesão ao multipartidarismo e às regras de alternância democrática implicam a aceitação de princípios que estão para além das eleições periódicas e semi-fraudulentas em cada cinco anos.

A falta de compreensão de novas regras e princípios ocasiona lamentáveis colisões de parceiros, como aconteceu recentemente no braço de ferro com os apoiantes do Orçamento de Estado.

Através do debate – sério ou induzido – da sucessão, o presidente Guebuza tem de mostrar-se à altura dos desafios e demonstrar que a passagem do testemunho é parte integrante da visão de modernidade que queremos para o país.



Por Fernando Lima, SAVANA, 02/04/10

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