Friday 8 March 2013

EDITORIAL

HÁ cerca de uma semana que a actualidade informativa em Moçambique e na África do Sul é marcada pela notícia e desenvolvimentos à volta da morte do jovem taxista moçambicano, Emídio Macia, vítima de agressão protagonizada por agentes da Polícia sul-africana.
Porque o caso já está a ser tratado a nível da justiça, não é nossa intenção apressar julgamentos sobre os contornos e motivações do crime, pois acreditamos que os factos serão apurados e a prova material produzida em sede do tribunal.
O que nos parece relevante reflectir neste espaço é a maneira recorrente como cidadãos moçambicanos radicados na África do Sul são presos e seviciados pela polícia local, muitas vezes sem direito à defesa e muito menos a um julgamento com base nas leis que regem a convivência entre os Homens.
Indigna-nos a aparente impunidade com que foram tratados todos os casos similares anteriormente denunciados pela comunicação social ou que, tendo escapado às redes sociais, aos jornais, rádios e televisões, aconteceram e acontecem, de facto, e deixam marcas profundas de dor e até de luto em muitas famílias.
As imagens de crueldade que correram o mundo, mostrando agentes da Polícia sul-africana a amarrar um ser humano nas traseiras de uma viatura policial e de seguida arrastá-lo por centenas de metros perante o olhar impotente de muitas pessoas, chamam-nos atenção para uma realidade grave, que não pode ser encarada de ânimo leve.
Ainda assim, e mesmo tendo memória fresca de outros actos macabros perpetrados contra nossos concidadãos radicados na África do Sul, é preciso ter cautela suficiente para não assumir que tais atitudes vinculam o povo sul-africano, ou que eventualmente correspondem à conduta defendida pela Policia local enquanto corporação.
Aliás, da mesma forma que não assumimos que os episódios de atropelo às normas ou de corrupção que ocorrem na nossa Polícia vinculam toda a corporação, somos impelidos a admitir que o comportamento dos oito agentes acusados na morte de Mido Macia não pode ser visto como espelho da postura da Polícia sul-africana, corporação cuja responsabilidade extravasa os limites da fronteira convencional, pelo papel importante que a África do Sul joga no contexto regional, nas dimensões histórica, política, cultural e até económica.
As várias manifestações de repúdio e de solidariedade demonstradas ao mais alto nível pelos Governos dos dois países, pela sociedade civil e até por cidadãos anónimos atestam, quanto a nós, o nível de repulsa que o acto suscitou.
Testemunhamos essas manifestações tanto em Moçambique como na própria África do Sul, e percebemos o interesse com que as próprias autoridades assumiram o caso desde a primeira hora. Vimos a multidão que acorreu ao acto religioso organizado esta semana em Daveyton, na África do Sul, em homenagem ao jovem taxista.
Tudo isso reflecte, em nossa opinião, o sentimento de que a atitude de um indivíduo não se pode sobrepor, e muito menos se confundir com a postura da instituição que porventura representa, e que a responsabilidade pelos actos deve, em determinadas circunstâncias, ser isolada e individualizada, para o seu melhor exercício.
O pressuposto que nos assiste é de que se é verdade que há indivíduos desonestos nas nossas instituições, é também verdade que há tantos outros por lá, muitas vezes em maioria, que pautam por condutas responsáveis e irrepreensíveis.
Na verdade, seria refrescante que as próprias autoridades sul-africanas, nomeadamente o Tribunal encarregue do caso “Mido Macia”, dessem mostras de verticalidade e distanciamento em relação ao crime cometido. E nisto, acreditamos que não há erro que possam ter sido cometido por Mido Macia que merecesse tão execrável e abominável tratamento e, pior, por parte de agentes de uma Polícia treinada e equipada pelo Estado para proteger os seus cidadãos.
É preciso assegurar que a família da vítima, sobretudo os dependentes menores, tenha o necessário acompanhamento e apoio das autoridades, garantir que as crianças tenham acesso à educação. Todo apoio será pouco para se evitar que o reflexo da brutalidade cometida contra Mido Macia não interfira na sua afirmação como cidadãos com responsabilidades na construção de uma sociedade responsável e segura.
O alcance de todos estes objectivos começa, em nossa opinião, com um julgamento justo deste caso, que conduza à punição exemplar dos autores do crime.
Agindo assim, as autoridades sul-africanas estarão a demonstrar ao mundo que, afinal, não se trata de um problema de sul-africanos contra moçambicanos, nem tão pouco da Polícia sul-africana contra cidadãos moçambicanos, mas sim de atitudes e comportamentos que precisam de ser correctamente dimensionados e tratados como crimes puníveis nos termos da Lei.
São medidas que se impõem nesta altura, porque é preciso assegurar que o crime, isolado ou organizado, não ponha em causa, em momento algum, a estrutura das relações entre dois povos, Estados e países que já não podem sobreviver um sem o outro.

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