Monday 12 December 2016

Armando Guebuza desresponsabilizou-se das Garantias dadas pelo seu Governo, violando a Constituição de Moçambique, e apelou ao seu passado de libertador para afirmar a sua idoneidade

Armando Emílio Guebuza foi ouvido no passado dia 28 pela Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) que está a investigar as dívidas das empresas Proindicus, Empresa Moçambicana de Atum(EMATUM) e Mozambique Asset Management(MAM). O @Verdade publica na íntegra os esclarecimentos do antigo Presidente de Moçambique que, mais do que esclarecer os contornos destes empréstimos que foram secretamente contraídos, desresponsabilizou-se das Garantias dadas pelo seu Governo violando a Constituição e apelou ao seu passado de libertador para afirmar a sua idoneidade.
Viemos a esta Comissão Parlamentar de Inquérito, conforme vossa notificação, não obstante suscitar-se uma questão de interpretação da lei, relativamente ao que dispõe o artigo 16 da Lei n° 5/2005, de 1 de Dezembro, que regula a organização do Conselho de Estado e define o estatuto dos seus membros.
Com efeito, tendo a Comissão de Inquérito poderes de autoridade judiciária, nos termos do artigo 96 da Lei no 17/2013, de 12 de Agosto, que aprova o Regimento da Assembleia da República, combinado com o disposto no no 3 do artigo 2 da Resolução no 16/2016, de 1 de Agosto, gozando as comissões de inquérito de poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, entendemos que a nossa vinda deveria ter sido precedida de prévia autorização do Conselho do Estado.
Muito novo abandonei a família para me juntar à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em Dar-Es-Salaam. A caminho, fui preso, devolvido ao país e enviado à cadeia a mando da temível PIDE. Depois de sair, de novo fugi para me juntar à FRELIMO, para combater e libertar a Pátria. É pela Pátria e com o mesmo sentido de Pátria que hoje vivo.
Quando em 2 Fevereiro de 2005 prestei juramento, segundo o qual: juro por minha honra respeitar e fazer respeitar a Constituição, desempenhar com fidelidade o cargo de Presidente da República de Moçambique, dedicar todas as minhas energias à defesa, promoção e consolidação da Unidade Nacional, dos direitos humanos, da democracia e ao bem-estar do povo moçambicano e fazer justiça a todos os cidadãos, juramento este que foi repetido em Janeiro de 2010, estava ciente da nobre responsabilidade que representava a função de Presidente da República, como Chefe de Estado e garante da Constituição, Chefe do Governo e como Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança e não era para mim um juramento de ânimo leve.
O exercício do cargo de mais Alto Magistrado da Nação requer fazer funcionar os órgãos colegiais, assim como requer a capacidade de acção dos dirigentes aos vários níveis, então nomeados por mim, com os quais, como timoneiro tenho o dever de solidariedade com os seus actos praticados no exercício da acção governativa.
Na verdade, constitui motivo de orgulho para mim e para os meus colegas do Governo, o trabalho realizado nos dois mandatos presidenciais. Os resultados eleitorais do segundo mandato, bem como, os resultados colhidos (nomeadamente o crescimento económico, visível na rápida expansão de infraestruturas e índices macroeconómicos sustentáveis - estávamos a citar V.Excias no introito da pergunta nº 8) nesse período, são produto de dedicação dos dirigentes a todos os níveis e, sobretudo, da colaboração sempre saudável do maravilhoso povo moçambicano.
Na minha qualidade de Comandante-Chefe das Forças Armadas de Defesa e Segurança, tomei decisões estratégico-militares, quer no contexto da prevenção, quer no contexto da operacionalização do funcionamento das diversas unidades e sub-unidades que, em circunstância alguma, podem ser partilhadas fora desse contexto, em respeito ao juramento à bandeira. Assim, em resposta às perguntas formuladas, no âmbito da averiguação da situação das dívidas contraídas pelas empresas EMATUM, SA, MAM, SA e PROINDICUS, SA, tenho a grata honra de dizer o seguinte:

Pirataria e Renamo como justificação para às dívidas secretas

PERGUNTA DA CPI: Em que contexto e quais foram os pressupostos que ditaram a criação das empresas EMATUM, PROINDICUS e MAM e a contração das dívidas? Qual é o enquadramento dessas empresas na política da defesa nacional?
A história ensina-nos que a pirataria marítima é um ilícito de duração secular. Dentre os vários factores, possíveis de ser apontados, como propiciadores ou catalisadores da pirataria marítima, salta-nos à vista a falta de recursos financeiros para a aquisição de meios de protecção e patrulhamento marítimo, e formação técnico-humana.
A emergência de novos centros de poder económico, por força do crescimento da economia asiática, tornou o Oceano Índico uma rota apetecível e viável para o transporte marítimo de carga.
A Somália, carente de um poder político estável e de instituições que o conformem, e de meios humanos e técnicos, tem sido palco desde 2006 do recrudescimento da pirataria marítima ao longo da sua costa. Essa pirataria estendeu-se vertiginosamente a norte e a sul das águas daquele país.
É preciso recordar a V. Excias que Moçambique tem uma linha de costa à volta de 2. 700 quilómetros, para além de várias ilhas que fazem parte do nosso território nacional, o que nos torna expostos a incursões dos piratas marítimos e do terrorismo nacional.
O sequestro da embarcação de pesca da empresa Pescamar, Vega 5, praticamente ao largo da costa de Inhambane, no dia 27 de Dezembro de 2010, com cerca de 24 tripulantes, entre moçambicanos e estrangeiros, é disso um facto demonstrativo.
A par destes casos de pirataria, Moçambique tem um histórico, nos últimos tempos, de imigração ilegal contrabando de madeira, pesca ilegal e tráfico de drogas, males com efeito, negativo, na economia e na balança de pagamentos do país.
Moçambique vive desde 2011/2012 uma instabilidade política e militar protagonizada pela Renamo.
Com efeito, o líder da Renamo abandonou a cidade de Maputo, capital do país, tendo se estabelecido na cidade de Nampula, tendo sido, essa sua deslocação acompanhada por um crescendo no seu discurso de desestabilização política, com várias ameaças à integridade territorial.
Ao mesmo tempo, foi-se assistindo, ao longo de várias partes do país, à mobilização dos homens armados da Renamo, tendo sido congregados em algumas das suas sedes por longos períodos de tempo.
Em particular, na sede da Renamo em Nampula, e à volta da residência do líder da Renamo, na Rua das Flores daquela cidade, verificava-se a presença de elevados contingentes de homens armados da Renamo.
Todas essas movimentações culminaram com algumas confrontações entre esses homens armados e as Forças de Defesa e Segurança, com realce para as que se verificaram na sede da Renamo em Nampula.
Vários porta-vozes da Renamo, para além das declarações incendiárias do seu líder, anunciavam a intenção de criar quartéis, incluindo o que chamavam quartéis-generais.
Entretanto, o líder da Renamo abandona Nampula e vai fixar-se nas imediações da serra da Gorongosa, a partir de onde se observa a escalada do discurso intimidatório e desestabilizador.
É nesta senda que a Renamo assaltou o paiol militar de Savane, na província de Sofala, no dia 17 de Junho de 2013, matando cinco jovens das nossas Forcas Armadas e assaltando material de guerra.
A Renamo declarou “guerra”, pela voz do deputado e brigadeiro da Renamo Jerónimo Malagueta, no dia 19 de junho de 2013, o que foi seguido de uma série de ataques ao povo moçambicano, às unidades das FDS, instalações e bens públicos e privados.
O próprio líder da Renamo, em declarações à imprensa, não se coibiu de declarar que havia mandado assassinar moçambicanos, civis e militares.
Face a isso, impunha-se por parte das FDS o dever constitucional de proteger pessoas e bens.
Numa altura que decorriam no país, na costa norte, em Cabo Delgado, distrito de Palma, acções de prospecção e pesquisa de hidrocarbonetos.
Acções que envolvem no seu funcionamento uma estrutura de custos muito elevada e requerem, por isso, um quadro de condições, dentre elas a segurança de alto nível, sem comprometer a soberania de Moçambique.
Nesse período, a ENI e a Anadarko contrataram serviços de segurança privada e estrangeira, quando esta nobre missão era das FDS ou atribuível a empresas com ligações umbilicais a elas.
Assistimos igualmente o recrudescimento de manobras subversivas protagonizada por meios electrónicos que escapavam ao controlo das nossas autoridades.
Na verdade, para dar resposta a estes novos desafios, tivemos que tomar medidas de natureza estratégico-militar.
PERGUNTA DA CPI: Qual foi o papel de V. Excia como Chefe de Estado, na constituição das empresas EMATUM, PROINDICUS e MAM, na contração dos respectivos financiamentos e na prestação e garantias do Estado?
Seria difícil encontrar uma intervenção específica do Chefe de Estado na constituição de empresas por tal matéria ser do domínio operacional. O Presidente da República, na sua qualidade de Titular do poder Executivo recebe as informações e relatórios dos responsáveis dos pelouros e em função disso dá as devidas recomendações.

PERGUNTA DA CPI: Na visão de V. Excia para a operacionalização do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção da Zona Económica Exclusiva, qual seria a repartição de responsabilidades, funções e atribuições entre as Forças Armadas, a Polícia, o SISE e as três empresas referidas nos parágrafos anteriores?
A Proindicus, SA é uma empresa das Forças de Defesa e Segurança (FDS), tendo como principal objectivo a protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique.
Tendo presente que a actividade de monitoria e segurança da Zona Económica Exclusiva é atribuição das FDS, no seu todo, enquadrada na salvaguarda da soberania nacional, integridade territorial e inviolabilidade das fronteiras, a actuação entre as empresas e as FDS é feita com base num princípio de colaboração mútua entre os intervenientes, visando criar as condições que garantam a operacionalização do Sistema Integrado de Monitoria da Zona Económica Exclusiva.
Quanto ao resto, abstemo-nos do detalhe por se tratar de matéria de natureza estratégico-militar.

PERGUNTA DA CPI: Sendo prática em Moçambique o licenciamento de empresas de segurança privada pelo Ministério do Interior, não teria sido aconselhável que esse Ministério fosse envolvido na tutela da Prolndicus?
A Proindicus, SA é uma empresa cujo objecto social tem em vista gerar receitas para as FDS, sendo a principal actividade prestar serviços de monitoria e protecção às empresas licenciadas para a prospecção e exploração de hidrocarbonetos ao longo da Zona Económica Exclusiva de Moçambique e na plataforma continental.
A estrutura accionista da Proindicus comporta a Monte Binga, SA (empresa do Ministério da Defesa Nacional) e GIPS- Gestão de Investimentos, Participações e Serviços, SA (empresa dos Serviços de Informação e Segurança do Estado), na proporção de 50% para cada. A não participação de uma empresa ligada ao Ministério do Interior na estrutura accionista da Proindicus deveu-se ao facto de a empresa desse Ministério ter estado a passar por um processo de reestruturação na altura.
Entretanto, sendo o Ministério do Interior parte das FDS, no seu todo, participa com a Proindicus na salvaguarda da soberania nacional, integridade territorial e inviolabilidade das fronteiras com base no princípio de colaboração mútua entre os intervenientes, visando criar condições que garantam a operacionalização do Sistema Integrado de Monitoria da Zona Económica Exclusiva.

“Em toda a nossa governação tivemos sempre como preocupação a observância da Constituição”

PERGUNTA DA CPI: O antigo Ministro das Finanças, Dr. Manuel Chang, assinou contratos de garantias do Estado muito acima do limite autorizado pela Assembleia da República, nas Leis Orçamentais do Estado de 2013 e 2014. Que mandato específico do Governo teve para o efeito?
Com base em princípios de ética, na minha qualidade de antigo Presidente da República, não posso, em consciência, em sede de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, fazer juízos de valor sobre actos praticados pelos meus antigos colaboradores. Por outro lado, os membros do Governo são solidários nos actos praticados por qualquer dos Ministros. Posso afirmar que em toda a nossa governação tivemos sempre como preocupação a observância da Constituição e das leis.

PERGUNTA DA CPI: Como Chefe de Estado, que jurou defender, respeitar e fazer respeitar a CRM, considera que na contração da dívida para o financiamento das três empresas referidas nos parágrafos 1 e 2, foram respeitadas a Constituição e as Leis?
Estamos em presença de juízos de valor e qualquer questão que tenha que ver com juízos de valor não pode merecer, por ora, avaliação do antigo Chefe do Estado, por um lado, e, por outro lado, impõe-se realçar que tudo foi feito para a salvaguarda da soberania e integridade territorial.
Considerando os acontecimentos de 27 de Dezembro de 2010, em que piratas somalis capturaram uma embarcação de pesca com 24 tripulantes, entre moçambicanos e estrangeiros e que o impacto desta acção não se cingiu a este acto específico.
Considerando que tal acção teve repercussões negativas na indústria pesqueira que viu baixar os índices de captura, na navegação marítima no canal de Moçambique e na prospecção de hidrocarbonetos, com gravíssimos prejuízos para a economia nacional, e, consequentemente, um obstáculo para a nossa agenda nacional de luta contra a pobreza.
E, do melhor modo, com as agressões desencadeadas pela Renamo, com realce para o assassinato de civis, como as que se verificaram em Muxungue, com o assassinato de agentes das FDS, em Muxúngue, Savane e outros locais, com a destruição de equipamentos e património nacional, bem como, claramente, com intenção de uma escalada de agressão para níveis cada vez maiores.
Qualquer Governo responsável, nessas condições, acredito que agiria como nós o fizemos, e, se tivéssemos que estar nas mesmas condições e para tomar as mesmas decisões, considerando o circunstancialismo descrito naquele momento, nós faríamos justamente da mesma maneira hoje, em defesa da Pátria Amada e do maravilhoso povo moçambicano.
Importa recordar que aquando do sequestro do Vega 5, em que embarcações piratas lograram progredir até à costa de Inhambane, onde aquela embarcação se encontrava em plena faina, vários quadrantes da sociedade moçambicana, com realce para a imprensa e sociedade civil; questionaram como é que um país como o nosso carecia em absoluto de uma capacidade militar para fazer face a actos daquela natureza para salvar as vidas de compatriotas, bem como de equipamento valioso para a economia nacional, como é o caso de uma embarcação de pescas.

“Eu e o Governo que dirigi fizemos tudo para garantir a ordem e segurança públicas, bem como, a integridade territorial”

PERGUNTA DA CPI: A Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar a situação da dívida pública constatou que houve elevado secretismo na criação das empresas Prolndicus e MAM e a contração das respectivas dívidas. O que terá levado a que este assunto fosse tratado com tão elevado grau de secretismo?
A idealização, concepção e contratação dos empréstimos visando adquirir meios destinados a operacionalizar o objectivo pretendido foi feita de forma sigilosa, em função de informação classificada, na posse das FDS, sobretudo, os Serviços de Informação e Segurança do Estado(SISE).
E tratando-se de uma questão de natureza estratégico-militar, não podia ser partilhada.

PERGUNTA DA CPI: Senhor Presidente: uma das frases lapidares que marcaram a sua Presidência foi: "Moçambique já não é um país de que se fala, mas sim um país com que se fala". Esta convicção era adensada pelo alto nível de crescimento económico visível na rápida expansão de infraestruturas e em índices macroeconómicos sustentáveis. Hoje por causa da Dívida Pública a situação do país alterou-se negativamente, em parte pela reacção dos parceiros bilaterais e multilaterais, instalando-se um ambiente sombrio no desenvolvimento do país. Como acha que a situação da dívida terá contribuído para este cenário negativo na vida do país?
Mais uma vez estamos em presença de juízos de valor, para o que abstemo-nos de qualquer consideração.
Temos, no entanto, a convicção de que eu e o Governo que dirigi fizemos tudo para garantir a ordem e segurança públicas, bem como, a integridade territorial do nosso país, paralelamente, ao crescimento económico, tanto nas zonas rurais, como nas zonas urbanas, e, nos orgulhamos de termos introduzido e incrementado um sistema de empoderamento dos moçambicanos com a introdução dos sete milhões de meticais.
E temos a plena convicção de que Moçambique continua a ter condições para crescer e para propiciar cada vez melhores condições de vida ao nosso maravilhoso povo. Para mim e os meus colegas do Governo, o crescimento económico estava indissociavelmente ligado à defesa da soberania, à estabilidade política e à segurança de todos os moçambicanos.
Demos como prioridade a produção de comida e o combate ao desemprego com o incremento do empoderamento local, tendo em conta três indicadores estruturantes: o investimento, o consumo e as exportações, o que, em consequência, contribuiu para o crescimento da economia, para o combate à pobreza e para a elevação da auto-estima de cada moçambicano.



A Verdade

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