Thursday, 19 February 2015

Poder bicéfalo em evidência indisfarçável

Quando o arrastamento e impasse são eleitos estratégia principal



 Para quem tinha dúvidas sobre a natureza bicéfala do poder na Frelimo, a presente viagem de “brigadas centrais” do partido serve para esclarecimento.
O presidente da Frelimo, Armando Emílio Guebuza, a partir da “Pereira do Lago”, está presente e, segundo os estatutos do seu partido, dirige uma máquina partidária que não tem necessariamente que estar em consonância com o poder executivo baseado na Ponta Vermelha.
Filipe Paúnde não é pessoa conhecida de espírito ou iniciativa individual para proferir discurso algum que seja. Ele tem sido sempre exímia caixa ressonância de decisões tomadas por outros. Ele cresceu no partido à custa de uma obediência extrema e da capacidade não fazer ondas. Damião José não difere dele, assim como outros afinam pelo mesmo diapasão.
Os integrantes das brigadas centrais estão fazendo a sua campanha pós-eleitoral num esforço para contrariar os banhos de multidões que têm acompanhado Afonso Dhlakama no seu périplo pelo país, comunicando a sua proposta de regiões autónomas.
Qual é o problema de alguns em aceitarem a ideia de uma autonomia administrativa e financeira substancial para províncias ou regiões de Moçambique?
Alegar indivisibilidade do país ou a sua unicidade não explica a questão em causa.
Aqui, e sem papas na língua, há que dizer que se receia o acesso aos recursos por e para mais pessoas.
Cairia por terra a criação de determinados ministérios e a nomeação de certas pessoas para ocuparem algumas pastas ministeriais.
Um projecto de autonomização regional ou provincial elaborado com qualidade e consequência tiraria algumas prerrogativas ao Governo central.
Questões como terra, recursos do solo, subsolo, hídrica, licenciamento, arrecadação e retenção de receitas fiscais e outras teriam que ser revisitadas e ajustadas a uma perspectiva condizente com uma realidade de autonomia e descentralização profunda.
Não seria necessariamente uma divisão do país, mas o surgimento de uma abertura, uma discussão significativa do conteúdo da Constituição da República.
Provavelmente poderia ou pode ser o pontapé de partida para a discussão e inclusão de uma cláusula ou emenda constitucional permitindo ou abrindo portas para que Moçambique se possa transformar numa federação.
Não tenhamos ilusões sobre a razão de tanta repulsa a uma autonomização regional/provincial.
O “Empoderamento” Económico Negro implementado desde a era de Joaquim Chissano tem como ponto de partida e funda-se no controlo dos recursos naturais, solo, subsolo, mar e florestas. As fortunas exibidas pela nomenclatura moçambicana, o seu poder económico e financeiro são resultado da sua capacidade de controlar em exclusivo a terra que, por lei, pertence ao Estado.
As “joint-ventures” agro-industriais, os empreendimentos energéticos, as fábricas, as empreitadas de construção civil públicas, o acesso a empréstimos internacionais são feitos e estabelecidos com base em contrapartidas.
Aquele arcaboiço exibido pelo partido no poder e alguns de seus membros tem alicerce no controlo que têm dos recursos nacionais.
Primeiro através da nacionalização e depois pela privatização, a Frelimo e o seu núcleo dirigente apossaram-se do país e uma eventual autonomização seria como “cortar as suas asas”.
Essa é a razão de tanta bílis vomitada pelos porta-vozes do partido no poder.
Agora que se entenda que um projecto de autonomização precisa de ser desenhado com abrangência e profundidade para que não seja algo cosmético como a ultima tentativa de revisão constitucional encabeçada por AEG e comandada por Eduardo Mulembwe.
Se houve uma abordagem do tema entre o FJN e AMMD, seria de bom tom e de coerência política que a Frelimo esperasse pela sua apresentação formal em sede do parlamento, consoante tudo indica que foi o entendimento entre as duas figuras.
Esta aparente pressa em rebater, denegrir e catalogar de inviável e anti-unidade nacional um anteprojeto que ainda nem foi submetido à AR compreende-se, e é “farinha do mesmo saco” de onde saíram outras adjectivações como “apóstolos da desgraça”, “imperativo nacional”, “espírito de deixa-andar”.
Essa ofensiva demonstra o nível de desespero em que se encontra uma determinada ala da Frelimo que nem toma em consideração atropelos à postura dialogante do seu PR.
A questão na mesa é complexa e, para alguns, “de vida ou de morte”, quando não é necessariamente isso que está acontecendo.
Mas de uma coisa há a certeza, que uma eventual aprovação ao nível do parlamento de um projecto de autonomização regional/provincial seria um “balde de água fria” para a segurança patrimonial de algumas pessoas.
O xadrez ministerial acordado e em funções jamais teve em conta tal eventualidade.
Todo o bocejar, vociferar e gritaria de alguns enviados do partido Frelimo é claramente uma distracção desnecessária para o Governo do dia.
Até onde chegarão as partes é algo que os moçambicanos esperam ver.
Um conselho gratuito a quem se mostra contrário à possibilidade de se viver em e sob autonomia é que não faça barulho e deixe que a decisão seja tomada em tal fórum próprio.
Quem não quer anarquia dá oportunidade a que os deputados eleitos estudem os “dossiers” em causa e tomem a sua decisão vinculativa sem espernear em público.
Porquê tanto medo, afinal? Será que já não há certeza quanto à coesão do passado?
Será que a disciplina partidária está enfraquecendo?



(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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