Wednesday, 25 February 2015

A política da hipocrisia: há muito que o país já está dividido



Depois da vergonhosa fraude eleitoral que transformou Nyusi em Presidente da República, o partido Frelimo decidiu adoptar agora uma agenda que lhe é muito peculiar: a hipocrisia. O linguista norte-americano Noam Chomsky definiu a hipocrisia como o acto humano de fingir crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. Em três palavras: um comportamento fraudulento.
Etimologicamente, a palavra deriva do latim “hypocrisis”, que, no conceito artístico, subjaz à ideia de uma representação ou uma actuação insuflada no fingimento. A caracterização mais repetida do exercício da hipocrisia é, por exemplo, o acto de denunciar alguém por um comportamento que é típico do denunciante.
Depois de a Frelimo ter assumido o poder, com a indicação da sua máquina governativa, ressuscitou um debate em que ela própria não credita. É a unidade nacional. Tudo na perspectiva de desacreditar todos os arranjos que a Renamo vai propondo para atenuar a “dor” da fraude.
Interessa agora à Frelimo arregimentar os seus habituais lacaios para falarem de unidade nacional, só porque a Renamo fala de autonomia na governação provincial, para argumentar que vai governar onde ganhou.
Logo “a priori” vê-se que o debate da unidade nacional só foi levantado porque a Frelimo foi acossada com propostas que, para seu azar, têm cobertura legal.
Já dissemos aqui que a direcção privilegiada da Frelimo, instalada em Maputo, usa a unidade nacional para conquistar a passividade das províncias e ir lá saquear as suas riquezas. A Frelimo não acredita em nenhuma unidade nacional. A Frelimo acredita na existência de províncias que têm recursos e na incapacidade geral e generalizada dos habitantes dessas regiões em gerir tais recursos. A Frelimo acredita apenas em Maputo.
É a partir de Maputo que, na óptica da Frelimo, saem os iluminados. É em Maputo onde se decide a qual amigo, do estrangeiro, se deve entregar os recursos do povo, sem que os donos desses mesmos recursos tenham a oportunidade de dizer qual é para eles a melhor opção.
Veja-se, por exemplo, como decorrem os debates em Moçambique. Uma Televisão de Moçambique e uma Rádio Moçambique com cobertura e delegações em todo o país não conseguem transmitir sequer um debate de interesse nacional que não seja a partir de Maputo, ou seja, os que não estão em Maputo não são intelectuais. Não pensam. Logo, as suas opiniões são dispensáveis. Que unidade nacional é essa?
No nosso modesto entender, é uma refinada hipocrisia aparecer agora a Frelimo com brigadas nas províncias a pregarem a unidade nacional, que alegadamente está sendo colocada em causa pelas propostas da Renamo ou pelas ameaças de divisão do país, com ou sem cancela no Save.
Há muito que a Frelimo já dividiu este país em moçambicanos da Frelimo e moçambicanos que não são da Frelimo. O próprio Filipe Nyusi foi muito claro, quando afirmou: “Conto, mais uma vez, com todos os membros do meu partido, em primeiro lugar…”. A especificação “em primeiro lugar” vem exactamente realçar esta realidade de “os primeiros” e “os últimos”. Ou seja, independentemente das suas competências, eles, os do partido dele, estão em primeiro lugar em tudo.
Há muito que há dois países a conviverem juntos dentro de um único país formal. Há aqueles moçambicanos que são transportados nas carrinhas de caixa aberta como se fossem gado. Há aquelas crianças que, em Xigubo, vivem de ementas com teor alcoólico produzidas por tubérculos impróprios para humanos. Há aquele povo de Niassa que há anos é votado ao esquecimento tal como os habitantes das restantes províncias. Estes fazem parte dos “moçambicanos de segunda”. Há os “de primeira”, que são os familiares dos dirigentes da Frelimo e do Estado, que não morrem nas filas dos hospitais à procura de um paracetamol. Que não percorrem mais de 10 quilómetros para frequentarem uma escola onde se sentam no chão. Que não são violentados pela Polícia quando tentam o seu próprio garimpo, que não são assassinados ou presos por se oporem ao poder da corrupção. Estes são os “moçambicanos de primeira”.
Portanto, a conversa de unidade nacional já não hipnotiza ninguém. O povo conhece quem nos anda a dividir nestes mais de 30 anos. É só ver as marcas das viaturas com que eles entram para a poeira com que convivemos a vida toda, para falar da tal unidade nacional. É um mero exercício de hipocrisia. Eles querem é o povo mais estúpido, para continuarem a roubar os recursos que estão nas províncias. Eles não acreditam na unidade nacional.
Se acreditassem na unidade nacional, acreditariam antes que nessas províncias há gente com capacidade para falar da tal unidade nacional. Mas, como pensam, erradamente, que nas províncias só vivem pacóvios, então é preciso que saia alguém de Maputo para iluminar os outros sobre a unidade nacional.
O divisionismo começou com as políticas frelimistas pró-Maputo. O divisionismo foi institucionalizado com os alegados “moçambicanos de gema”, como se existissem os “moçambicanos de clara” e os “moçambicanos de casca”. É pura hipocrisia acusar os outros de serem divisionistas quando os cultores da exclusão, da miséria do povo e os sectários são os dirigentes da Frelimo.



(Editorial do Canal de Moçambique)

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