Maputo (Canalmoz) – Há verdades que, por mais investimento de repressão que se possa fazer para escondê-las, jamais se vergam. Por mais armas, blindados e agentes da Unidade de Intervenção Rápida que se possa colocar, essas verdades continuam apenas verdades, para desespero de quem, a todo custo, tenta fingir que não vê. O nível de impopularidade a que o partido Frelimo e os seus dirigentes chegaram, conjugado com o desespero popular causado por décadas de permanente exclusão e marginalização, é um barril de pólvora que a qualquer momento tinha de ficar a descoberto.
As frequentes políticas pró-Maputo, aliás pró-“Julius Nyerere”, em detrimento da esmagadora maioria dos moçambicanos, levaram o povo a perceber que, com a actual estirpe que dirige o partido Frelimo e o Estado moçambicano, não se pode ir a lado nenhum. O verdadeiro povo do Norte, Centro e Sul de Moçambique está a ver a banda passar, com as riquezas do país a escorrerem para os bolsos das mesmas famílias. A população vive numa indignidade total, num país que produz riqueza suficiente para dar dignidade a todos. A pobreza, a exclusão, quando levadas ao extremo perante a ostentação de quem, por regra, devia garantir dignidade para os outros, é, em, si uma bomba-relógio, com a particularidade de a acção dos excluídos, não raras vezes, ter sentido de vingança.
As imagens que nos vêm dos comícios do líder da Renamo são uma antecâmera da força que existe por detrás de toda a exclusão, marginalização e ostracismo. Os dísticos da população com dizeres tais como “Estamos cansados e o melhor é dividir o país” são apenas a ponta de um iceberg de exclusão que se foi aglutinando nestas últimas décadas.
Dísticos tais como “Viva a República do Centro e Norte”, empunhados não por simpatizantes da Renamo, mas pela população, são uma mensagem inequívoca sobre com quem o povo conta e em quem o povo já não acredita.
Portanto atingimos um nível perigoso nesta República em que os excluídos preferem ficar excluídos oficialmente e não continuarem a ser enganados com uma unidade nacional que nunca os beneficiou. O povo descobriu que a unidade nacional só serve para a elite de Maputo ir às terras desse mesmo povo tirar carvão, gás, areias pesadas e outras potencialidades. Pela larga experiência de serem transformados em cidadãos de segunda, estas pessoas atingiram níveis de saturação que já não devem mais ser ignorados, sob o risco de a tragédia ser incalculável. Quem defende a divisão do país é porque percebeu que deve defender o pouco que lhe resta, antes que as aves de rapina acabem com tudo. É a exclusão levada ao extremo que produz pensamentos divisionistas. Tal como é a ganância levada ao extremo que faz com que uns olhem para outros como paisagem e cidadãos de terceira.
No passado, até se podia ensaiar aquela conhecida retórica de que é discurso divisionista da Renamo. Prender um Muchanga aqui, intimidar um delegado político acolá, e continuarem a enganar as pessoas.
Mas hoje é o povo que sai com dísticos de “Centro e Norte”. Queremos ver se existem cadeias suficientes para encarcerar todo o povo que foi ao comício apoiar a “República do Centro e Norte” com cartazes e dísticos.
Enquanto fazedores de opinião, somos sinceramente pela paz, unidade e indivisibilidade desta República, que foi construída sobre muito sangue. Mas não defendemos uma paz que serve para humilhar os outros. Não somos por uma paz que serve de instrumento para a marginalização dos outros. Não somos por uma paz podre, em que a violência simbólica sobre a maioria é o denominador. Somos por uma paz efectiva, que seja um bem comum para todos os filhos desta pátria.
O nosso interesse por uma paz e por um Moçambique de todos os moçambicanos faz-nos não ignorar as mensagens que nos são trazidas pelo povo do Centro e do Norte. E compreendemos perfeitamente o que leva este povo a pensamentos tão radicais.
Por exemplo, quando se aldraba toda uma eleição, emitindo um certificado colectivo de imbecilidade para todo um povo que fez a sua escolha, é porque a paz que se prega é para os “espertos”. Não há nenhum país sério do mundo que organiza eleições em que o povo faz a sua escolha e os órgãos eleitorais e da Justiça decidem quem deve ganhar. O que o povo pergunta é: porquê organizámos eleições se a decisão cabia ao sheik e ao senhor Gamito? Para quê? Porquê, até hoje, não existem editais que comprovem que os vencedores são de facto os vencedores? É de gente séria, isto? É de quem está comprometido com a paz, isto? Certamente que não.
O que nos assusta é que não há indicações de mudança de comportamento. A nova máquina de governação anunciada é uma continuação das práticas do antigo causador da nossa desgraça, que consistem em alinhar amigos e antigos credores de favores para assaltar o pote. Olhando para o novo Governo, fica claro que é uma selecção para distribuição dos recursos entre as habituais famílias, com alguns retoques. Mais nada. É isso que leva o povo ao desespero. É isso que faz as pessoas transportarem dísticos de divisão. Do nosso lado, não nos pesará a consciência, quando a bomba rebentar. Avisos, demos inúmeros! O que nos interessa é um Moçambique para os moçambicanos. E a mensagem que vem do Centro e do Norte é que há dois Moçambiques: um, o dos moçambicanos de primeira, e o outro, o dos moçambicanos de segunda. Isso é, por si, perigoso!
( Editorial do Canal de Moçambique)
No comments:
Post a Comment