Friday 4 October 2013

Paz minada pela paridade

              
       
21 anos depois, “O País” visita o AGP e revela o que periga a estabilidade política


Dos sete protocolos, dois continuam a constituir “cavalo de batalha” entre os dois principais actores políticos e antigas forças beligerantes, nomeadamente, os protocolos III e IV, “Dos princípios da Lei Eleitoral e “Das questões militares”, respectivamente. Porém, é o primeiro protocolo que tem criado alarido no sistema político nacional

Há 21 anos, o Governo e a Renamo assinavam o Acordo Geral da Paz, na cidade e capital italiana, Roma. No mesmo dia, foram assinados sete protocolos que estabeleciam as linhas gerais que deviam ser observadas no processo da materialização da paz, reconciliação nacional e para a construção de confian­ça, não só nas instituições do Estado, como também entre os principais actores militares, convertidos em políticos. Dos sete protocolos, dois continuam a constituir “cavalo de batalha” entre os dois principais actores políticos e antigas forças belige­rantes, nomeadamente, os pro­tocolos III e IV, “Dos princípios da Lei Eleitoral” e “Das questões militares”, respectivamente. Po­rém, é o primeiro protocolo que tem criado alarido no sistema político nacional.



“Dos princípios da lei eleitoral”

A grande preocupação da co­munidade internacional e dos mediadores do processo da paz era que a primeira Lei Eleito­ral garantisse uma estabilidade política em contexto de muitas desconfianças entre a Frelimo e a Renamo.
É neste contexto que, por for­ça do Acordo Geral da Paz, o artigo 107, nº3, da Constituição da República de 1990 – estabele­cia que o apuramento dos resul­tados das eleições obedecesse ao “sistema de eleição maioritá­ria” – foi revisto por uma emen­da constitucional (Lei nº 12/92 de Outubro), trocando-se o “sistema maioritário” por “sis­tema de representação propor­cional”. A mudança do sistema maioritário deveu-se ao medo, por parte da Renamo, das con­sequências que este sistema eleitoral poderia produzir, num país ainda em processo de paci­ficação. A Assembleia da Repú­blica, na altura constituída ape­nas pelos membros da Frelimo, decidiu aprovar a emenda sem nenhuma contestação.
Jaime Macuane, docente e po­litólogo nacional, considera, no seu artigo “Reforma, Contesta­ção Eleitoral e Consolidação da Democracia em Moçambique” de 2010, que o exemplo mais ilustrativo dessa desconfiança e receio pode ser provado pelo facto de a discussão do sistema eleitoral ter sido um dos princi­pais pontos de agenda do pro­cesso de negociação de paz, que “culminou com a escolha do sistema de representação pro­porcional, provavelmente por se temer os possíveis efeitos nefas­tos na representatividade que seriam acarretados pelo sistema maioritário”.
Esta preocupação, acrescenta no mesmo artigo, estendeu-se posteriormente a outras arenas, como a Comissão Nacional de Eleições (CNE), o Conselho Constitucional, o Conselho do Estado, que na sua composição ainda adoptam o critério de re­presentação parlamentar.
Atesta este argumento o fac­to de o acordo estabelecer, no mesmo protocolo “Dos princí­pios da Lei Eleitoral”, que “a Lei eLeitoral deverá ser elaborada pelo Governo, em consulta com a Renamo e todos os outros par­tidos políticos”.
Ademais, ficou estabelecido que a Renamo iria indicar um terço dos membros da Comis­são Nacional de Eleições. Foi na sequência disso que este partido indicou sete dos 21 membros da primeira Comissão Nacional de Eleições, criada pela Lei 4/93, cabendo ao Governo escolher 10 membros. Os restantes três elementos foram indicados pe­los partidos da oposição, o que, no final, resultou em paridade. Ou seja, a oposição (Renamo e os restantes partidos) indicou 10 elementos e o Governo, por sua vez, os outros 10. Ao Pre­sidente da República coube, segundo a Lei 4/93, nomear o presidente da Comissão Nacio­nal de Eleições, “sob indicação dos membros da Comissão Na­cional de Eleições”. E tal indi­cação só podia ocorrer quando houvesse consenso. “Na falta do consenso (…) caberá ao Presi­dente da República designar o presidente da Comissão Nacio­nal de Eleições, dentre cinco personalidades apresentadas pelos membros da Comissão Nacional de Eleições”. É exac­tamente esta paridade que a Renamo pretende resgatar para a actual Comissão Nacional de Eleições (CNE).
O Acordo Geral da Paz pre­conizava que o Presidente da República e o presidente da Renamo se comprometiam “a tudo fazerem para se alcançar uma efectiva reconciliação na­cional”. No entanto, tal como muitos académicos têm vindo a defender, tal reconciliação en­tre os principais actores milita­res, ora políticos, nunca chegou a acontecer, razão pela qual ain­da prevalecem desconfianças e exclusões, o que resulta em ten­sões e violência políticas.
Estava estabelecido, também, que o Governo se comprometia “a não agir de forma contrária aos termos dos protocolos que se estabeleçam, a não adoptar leis ou medidas e a não aplicar leis vigentes que eventualmente contrariem os mesmos protoco­los”.


 
O efeito do sistema maioritário

Ao defender um sistema pro­porcional, a Renamo receava que o sistema maioritário não lhe permitisse uma representa­ção considerável ou mesmo o seu desaparecimento à nascen­ça no Parlamento, uma vez que este tipo de sistema preconiza que “o vencedor leva tudo”. Ou seja, o vencedor de um círcu­lo eleitoral ganharia todos os mandatos desse mesmo círculo eleitoral. A Renamo ainda não tinha a dimensão da sua influ­ência político sobre um país que tinha sido fustigado durante 16 anos por uma guerra sangrenta. Temia que os 16 anos de guerra se reflectissem negativamente nos resultados eleitorais, o que, a acontecer, num sistema maio­ritário, reduziria significativa­mente a Renamo no Parlamen­to ou mesmo deixaria de existir, caso a Frelimo ganhasse em to­dos os círculos eleitorais.
Só que os resultados das pri­meiras eleições viriam a pena­lizar grandemente a Renamo, pela sua decisão. É que, se ti­vesse optado pelo sistema maio­ritário, conforme mostra Luís de Brito, nos seus estudos, a Renamo teria conseguido maio­ria no Parlamento (137 deputa­dos, contra 113 da Frelimo), em 1994, em virtude de ter ganho em quatro províncias (círcu­los eleitorais), nomeadamente, Nampula, Zambézia, Sofala e Manica (os três primeiros são os maiores círculos eleitorais do país).
Embora a Frelimo tivesse ga­nho em mais províncias, per­deria no parlamento. A mesma situação teria acontecido em 1999 (a Renamo teria conse­guido 166 assentos contra 84 da Frelimo), quando a Frelimo perdeu a maioria dos círculos eleitorais, a favor da Renamo – ganhou todas as províncias do Centro (Manica, Sofala, Zam­bézia e Tete), e duas do Norte (Nampula e Niassa). Quer em 1994 como 1999, Moçambique teria tido um parlamento lide­rado pela Renamo e um Presi­dente da República da Frelimo. Neste contexto, a vida do siste­ma político nacional teria sido outra.

O País

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