Wednesday 13 April 2011

O perigo de nomes de religiões no nosso futebol

“Se hoje o Governo permitiu que fossem criadas equipas como Liga e Atlético Muçulmanos, amanhã irá inevitavelmente permitir que surjam equipas como IURD FC, Liga Católica de Moçambique, Atlético Mundial do Poder de Deus de Moçambique”.

Este não é um tema para reflectir num espaço tão pequeno como este, pela dimensão sentimental e polémica que representa. Os clubes visados não podem analisar este artigo como um ataque a eles. Muito pelo contrário, procuro alertar para a possibilidade de este fenómeno vir a criar chama onde não devia existir. Se há algo que deve ser respeitado no mundo é a religião e as pessoas que a professam. A religião é mais do que uma paixão, amor. É, na verdade, uma loucura, um delírio. É mais do que gasolina sobre palha seca. Para o religioso nacionalista ou fanático, a morte, em nome de Deus, é um caminho para a salvação. Quer dizer, a morte é algo que não se deve temer, sobretudo, quando está em jogo o interesse supremo da religião.

Nos últimos tempos tem surgido, no nosso futebol, clubes com nomes religiosos. O Governo não tem esboçado qualquer tipo de reacção, no mínimo, um alerta. Creio que todos têm medo de tocar neste assunto. Mas é sério. Com o surgimento de novas ceitas religiosas, o nosso país poderá, caso continue a trazer religiões para o futebol, um dia, tornar-se num campo de batalhas religiosas. Não estou a insinuar, mas a alertar. O que acontece hoje na Nigéria, entre muçulmanos e cristãos, na Irlanda, entre católicos e protestantes, no Sudão, nos Estados Unidos, entre outros países, é-nos alheio hoje, mas amanhã poder ser um problema também nosso, caso continuemos a encubar situações desta natureza. Se hoje o Governo permitiu que fossem criadas equipas como Liga e Atlético Muçulmanos, amanhã irá inevitavelmente permitir que surjam equipas como IURD FC, Liga Católica de Moçambique, Atlético Mundial do Poder de Deus de Moçambique, entre outros, ostentando nomes religiosos, mesmo reconhecendo que religião é algo tão sagrado que se deve evitar levar para o desporto de massas, sobretudo num país multireligioso. Trata-se de religiões que movimentam milhares e milhares de crentes, entre moderados, nacionalistas e fanáticos. No dia que essas equipas se encontrarem, não se vai assistir outra coisa senão a um jogo de manifestações religiosas. Da pesquisa que tentei fazer, concluí que somos os únicos na região, senão no mundo (não sei), com equipas que ostentam nomes religiosos.

O que acontece, noutros países, é que há clubes que são apoiados por entidades ligadas à religião, o que é diferente de adoptar o nome de uma religião para uma equipa de futebol. Não se pode levar nomes de religiões para o futebol. Hoje, pode ser pacífico, mas não acredito que amanhã o seja. Aliás, A FIFA passou a proibir manifestações religiosas nos campos de futebol, sobretudo as escritas que os atletas mostravam sempre que celebrassem um golo. Os contestatários que levaram a Fifa a tomar esta decisão alegaram que “Com centenas de jogadores africanos, vários países europeus temem que a falta de uma punição por parte da Fifa abra caminho para extremismos religiosos e que o comportamento dos brasileiros – no jogo com a Dinamarca em 2002, em que depois do golo todos foram juntar-se num lugar e fazer uma oração prolongada – seja repetido por muçulmanos que estão em vários clubes da Europa. Tanto a Fifa quanto os europeus concordam que não querem que o futebol se transforme num palco para disputas religiosas, um tema sensível em várias partes do mundo”. Jim Stjerne Hansen, director da Associação Dinamarquesa de Futebol, disse, na altura, que “A religião não tem lugar no futebol” e que “oração promovida pelos brasileiros em campo foi exagerada”. “Misturar religião e desporto daquela maneira foi quase criar um evento religioso em si. Da mesma forma que não podemos deixar a política entrar no futebol, a religião também precisa de ficar fora”.

Num passado recente, nos Estados Unidos da América, foi interdito um torneio de futebol organizado por um jovem de 18 anos, justamente porque as equipas que deviam participar no evento ostentavam nomes religiosos. Igualmente, duas equipas de basquetebol foram obrigadas, em 1997, a mudar de nomes por terem adoptado designações religiosa e de balas (bullets), respectivamente. A admissão de equipas com nomes religiosas poderá criar condições para a emergência de nacionalismos religiosos a partir do futebol. O que poderá acontecer, no futuro, é as equipas unirem-se mais em nome da religião do que de adeptos de futebol. Aliás, na sua carta-denúncia de corrupção desportiva, Arnaldo Salvado revela que “Dias após o jogo e em contacto com o mesmo vice-presidente do Atlético Muçulmano, este disse-me que não iriam fazer a referida conferência de imprensa pois preferiam não entrar em outras guerras, antes preferindo concentrar-se na luta pela fuga à despromoção. Disse ainda que os mais altos dirigentes do clube achavam que deveria haver um sigilo e um encobrimento do caso visto ambos clubes pertencerem a uma mesma comunidade religiosa”. A ser verdade, isto já é sintomático. Igualmente, gostava de analisar, um dia, o perfil dos patrocinadores desses clubes para tirar algumas ilações.

A entrada da religião no futebol é uma ameaça muito séria ao nosso desporto. Se hoje as temos no futebol, amanhã as teremos no básquete e noutras modalidades. Esta situação deve ser levada em consideração pelas nossas autoridades. Com a religião não se pode brincar, tal como não se pode com as convicções. Nietzsche dizia que “as convicções são piores inimigas da verdade do que as mentiras, porque quem mente sabe que está mentindo, mas quem está convicto não se dá conta do seu engano” e que “o indivíduo fanático ocupa o lugar de escravo diante do senhor absoluto, que pode ser uma divindade, um líder mundano, uma causa suprema ou uma fé cega”.


Lázaro Mabunda, O Pais

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