Sunday 22 June 2008

Xenofobia silenciosa

Enquanto Moçambique e o mundo acompanhavam, incrédulos, as horrorosas cenas de xenofobia que iam acontecendo na África do Sul, que se prolongaram por quase um mês, deixando para trás um rasto de morte e desgraça, um outro fenómeno não menos repugnante passava-se num dos bairros de elite da capital moçambicana, onde 17 crianças com idades compreendidas entre os 10 e 17 anos estavam há já longo tempo sendo vítimas de pedofilia-para rimar com xenofobia- , supostamente praticada por indivíduos de nacionalidade turca que se faziam passar por mestres de alcorão. Contrariamente ao que se passou na vizinha África do Sul, em que a xenofobia era declarada, praticada nas ruas, no Bairro Triunfo ela era silenciosa, clandestina, que não transparecia para além das paredes opacas dos quartos onde me quartos onde meninos recrutados em algumas províncias do nosso país sob pretexto de beneficiarem de uma aprendizagem do islão, eram submetidos a abusos sexuais, matéria que por certo não consta no Alcorão. Qualquer que seja a pena que venha a ser aplicada aos presumíveis autores do crime, as marcas deixadas nas crianças em causa permanecerão indeléveis durante o resto das suas vidas.
Na verdade, o que se passou no Triunfo obriga a uma profunda reflexão sobre casos estranhos que frequentemente vêm a lume através da denunciante voz popular, que raramente encontra eco junto de quem, ao invés de um indiferente encolher de ombros,tem por obrigação investigar para apurar a veracidade dos factos. Várias notícias correram e continuam a correr, apontando casos de rapto ou tráfico de crianças, alegadamente para fins obscuros, alguns deles difíceis de provar, enquanto outros, como prostituição e mão-de-obra gratuita, há certeza da sua ocorrência. O “caso Diana” é apenas um de entre vários exemplos. Foi reconhecendo a exis-tência de pelo menos estes dois úl-timos casos que a Assembleia da República aprovou, na sua última sessão, a lei de protecção à criança.
Porque em matérias desta natureza Moçambique ainda se rege por aquilo que herdou da antiga potência colonial, actos como pedofilia, ou abuso sexual de menores, até aqui praticamente têm gozado de impunidade. Mesmo Portugal só despertou quando se deu o badalado escândalo da Casa Pia, por envolver influentes figuras públicas deste país.
Esperemos que o caso do Bairro Triunfo sirva também para despertar as nossas autoridades.

( Humberto Mandlate, em “ Matinal “, de 12-06-08, retirado com a devida vénia
)

3 comments:

Reflectindo said...

Não sei se impunidade foi por falta de leis próprias. No meu país a lei só serve para quem a lê de fora, decorando o país de rosas. Embora eu seja o fâ, mas pelo menos no seu tempo, Samora Machel nao deixava impune casos destes. Com ou sem lei, no tempo do Machel encontrava-se uma razão para se mandar os pedofilos à reeducacão. Lembro-me de 12 professores do distrito de Malema, em Nampula, conduzidos à reeducacão, em 1979. O grande erro do Machel e Óscar Monteiro era de misturar estes criminosos assumidos com as pessoas críticas ao regime marxista-leninista.

JOSÉ said...

Não acredito que a impunidade se deva a falta de leis, não faz sentido, penso que esta situação se deve a uma certa impassividade da sociedade e também se vive num clima de impunidade porque a Justiça e a polícia funcionam deficientemente.
Fico surpreendido com o comportamento dos pais, como nunca desconfiaram de nada nem questionaram os motivos? Estranho, revela um certo desleixo.
Falando do Machel e dos campos de reeducação, isto é um assunto muito sensível!

Reflectindo said...

Apenas para rectificar uma afirmacão. Não sou fã de Samora Machel, mas punir a pedofilos concordava com ele.

Quanto ao comportamento dos pais acho que se deva ao seu desespero. Podemos imaginar que eles não queriam perder a oportunidade. Vamos ter em conta que há escolas de ONGs mais ou menos sérias e que dão boas oportunidades a jovens mocambicanos.