O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, cessou as hostilidades militares por um período de sete dias em todo território moçambicano, a partir de 00h00 de terça-feira (27). A medida, segundo justificou, é consequência de uma conversa telefónica mantida há 48horas com o Presidente da República, Filipe Nyusi. Porém, para quem ouviu Dhlakama a insistir, ao longos dos últimos anos, que era vítima do regime, o seu anúncio pode ser interpretado não apenas como um volte-face, mas também como uma clara assunção de uma “postura belicista”, de quem controla a guerra e pode pará-la quando quiser. E ainda dá consistência à acusação que lhe atribuído pela Frelimo, de ser o cabecilha de um “grupo de bandidos armados”.
Certamente, nas hostes do partido no poder há quem afirme: “nós sempre dissemos ao povo que Dhlakama é o responsável pela guerra”.
O presidente do maior partido da oposição no país não é visto publicamente desde Outubro de 2015 e argumenta que se esconde por temer pela sua vida, pois está a ser caçado pelo Governo da Frelimo.
Ele sempre alegou que era vítima de emboscadas e ataques perpetrados pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) contra os seus guerrilheiros. “O Presidente da República manda atacar a região da Gorongosa, onde eu vivo”.
Recusando uma trégua com um adversário que presumivelmente lhe aponta as armas, por várias ocasiões, o líder da Renamo frisou que o cessar-fogo dependia da formação política no poder, que devia “mostrar interesse e boa-fé” por ser a parte que promove a guerra. “É o que eles têm feito aqui na Gorongosa”.
Todavia, numa mudança súbita de opinião, Dhlakama passou de vítima a senhor que controla a guerra e com poderes bastantes para pará-la quando achar conveniente. E foi o que fez. Numa clara contradições aos seus discursos afirmou:
“Anuncio a cessação das hostilidades militares a partir de zero hora de hoje, terça-feira, 27 de Dezembro de 2016. Em todo território moçambicano não haverá combate entre as Forças Armadas da Renamo e as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). E as Forças da Renamo ficarão nas suas bases. Poderão fazer patrulha numa área de três a quatro quilómetros por razões de segurança e, o Presidente da República, quero acreditar, que vai fazer o mesmo. As FADM e a FIR [ora UIR] também irão se manter nas suas posições”.
Por sua vez, o Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) disse, através do seu porta-voz Inácio Dina, que tomou conhecimento do armistício, “mas aquilo que é o papel da polícia continuará naturalmente. Continuaremos firmes".
Há dias, o líder da “Perdiz” disse ao Jornal “OPaís” que não falava com Filipe Nyusi havia um mês.
Contudo, na segunda-feira (26) quebrou o silêncio e teve “a iniciativa de ligar para o Presidente da República. Coloquei-lhe a possibilidade de oferecermos esta trégua provisória para os moçambicanos passarem as festas do ano novo em paz e ele concordou comigo. Irei dar ordem, aliás, já foram dadas ordem às nossas unidades em todas as províncias”.
“Posso garantir os nossos amigos, familiares de Maputo, Sofala, Cabo delgado e Zambézia que podem transitar à vontade nas vias e na Estrada Nacional número 1 (EN1) sem nenhum problema. Podem andar à vontade, até que a trégua termine”, afirmou Dhlakama em teleconferência a jornalistas, na sede da Renamo em Maputo. E questionou por que não, terminado o armistício, ele e o Chefe de Estado voltarem a falar.
A partir do seu esconderijo, supostamente em Gorongosa, o presidente da Renamo disse ao telefone que equaciona a possibilidade de a trégua prolongar-se por mais tempo para permitir que o diálogo político decora num ambiente sem tiros.
“Esta é a experiência que vamos ter. E, se tudo correr bem, poderemos prolongar por mais dias. Agora, o papel da mediação internacional vai continuar. A trégua não substitui as negociações. Ao contrário, a trégua é um sinal para que as pessoas percebam que há possibilidades de acabar com a guerra. Qualquer ataque que surgir, quer nas estradas, quer nas posições, não é a Renamo. A mediação vai continuar depois das festas. Todos poderão regressar à mesa do diálogo e desenhar o papel deles”.
Antes das declarações de Dhlakama, o Presidente da República disse em Nampula que o telefonema da sua contraparte “era simplesmente para desejar-se festas felizes, um ao outro e saber como as coisas estão, mas (...) esse tipo de contato tem que se explorar ao máximo. Ninguém deve morrer por causa de desencontros de ideias ou de posições, de diferenças entre as pessoas”.
Em Junho deste ano, Dhlakama disse, numa outra teleconferência a jornalistas, a partir da Gorongosa, que não era possível declarar um cessar-fogo antes de “tudo estar cozinhado (...) para evitar decepcionar o povo e a comunidade internacional. (...) Cessar-fogo significa o quê? Pararmos. Você para, alguém está escondido ali, você pensa que já está, paramos, alguém vai te capturar, vai te matar”.
Em Moçambique, a questão da guerra tem sido tratada de acordo com a vontade dos dois partidos (eternos) rivais desde o fim da década de 70. A troca de acusações e mimos estende-se ao Parlamento e gasta-se maior parte do tempo com discussões corriqueiras, ao povo enquanto, sobretudo do centro, é apontado o canhão.
A Verdade