Thursday 13 October 2016

O poder com que acabam cinicamente connosco


Estamos a acabar, mas, a cada dia que eles acabam connosco, pedem-nos que aguardemos com paciência e serenidade os resultados das investigações.
Mataram Siba-Siba Macuácua e mandaram-nos aguardar serenamente pelos resultados.
Sentámos num canto inconfortável dos nossos sofás, entre lágrimas.
Mas passam já mais de quinze anos que aguardamos serenamente pelos resultados da investigação que nunca chega ao desfecho. Eles sabem que acabam connosco, sabem que a nossa memória esquece muito rapidamente, por isso voltam a matar-nos e pedem-nos que aguardemos pacientemente pelos resultados da perícia, que nunca fazem, pedem que aguardemos pelos resultados da peritagem, que nunca fazem. Nós estamos a acabar, e eles sabem que o poder da nossa memória dilui-se, corrompe-se perante o foco das nossas preocupações que se concentram no estômago, na sobrevivência do dia-a-dia, a fome, a pobreza, a inflação, que não para de subir.
Desde Setembro do ano passado a esta parte, acabaram com a vida de oitenta pessoas e vieram dizer reiteradamente que estão a investigar e que aguardemos serenamente pelos resultados, que parecem aludir o secretismo, o apelo à espera que virá acabar connosco, como agentes que não se interessam que conheçamos os rostos dos criminosos, pois quando bem sabemos quais são os criminosos que levaram o país ao abismo e compraram armas para que os deserdados se matem uns aos outros numa guerra cuja motivação ninguém saberá explicar, os que se dedicam à investigação olham para os lados e troçam das nossas petições.
Não cessam de acabar connosco, pois à lista de assassinados acrescem o Juiz Kutumula e a sua esposa, o Francisco Mascarenhas, o Manuel Lole e Arlindo Mucuche.
Mataram-nos quando mataram o Pedro Bem, mataram-nos quando mataram o Paulo Machava. Matam-nos ainda mais a cada dia, porque nos mandam aguardar serenamente pelas investigações que nunca chegam a conclusões nenhumas.
Estamos a acabar, e eles a reafirmarem reiteradamente que estão na pista dos criminosos, que já têm sinais, como que fazendo pouco de nós, na nossa boa-fé, e na esperança de que ainda poderão vir a esclarecer os crimes. E quando voltamos aos sofás onde aguardamos os resultados entre lágrimas, eles acabam com mais um Gilles Cistac, acabam com o Jeremias Pondeca, uma ilustre figura que dá na morgue como desconhecido.
Eles mostram o seu poderio e até mandam os seus assassinos, os seus cães de caça transmitir-nos recados, praticarem atentados, que, se não calamos, acabam connosco, mais ainda do que nos têm acabado. Assim o fizeram com Manuel Bissopo e José Macuane.
Prometeram-nos aguardar serenamente pelos resultados de investigação, e eis que, para gozarem com a nossa cara, acabaram com a vida de José Manuel.
Eles não fazem nada senão prometer, senão matar. Acabaram connosco tirando a vida de Orlando José. Acabam connosco mil vezes em cada nova morte. Fizeram-no, quando mataram Marcelino Vilankulos.
Não há assassinato que doa mais como o silêncio que nos sufraga o coração a cada vez que nos vitimam, sem que nenhuma instituição da Justiça, num Estado de Direito esclareça as mortes com que nos têm infringido.
Eles mandam-nos aguardar serenamente, mas o que não sabemos é que com este apelo nos mandam aguardar serenamente o dia em que virão impiedosa e cobardemente assassinar-nos, para depois virem com novos enigmas: não sabem de nada, estão à busca e acharam um corpo deitado no chão.

(Adelino Timóteo)

CANALMOZ – 12.10.2016, no Moçambique para todos

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