Saturday 29 October 2016

Esta gente não é séria


Editorial
O que aconteceu na Gorongosa no passado sábado, e que Afonso Dhlakama conta na edição desta semana do “Canal de Moçambique” e na primeira pessoa, revela o que sempre denunciámos, aqui, neste espaço: a falta de seriedade desta gente, que encontra o expoente máximo na sua predisposição para o sangue avulso e o caos permanente.
Vamos por partes. Segundo Afonso Dhlakama, depois de um acordo tripartido, entre ele próprio, Filipe Nyusi e o chefe dos mediadores internacionais, o italiano Mario Raffaelli, os mediadores deviam ir à Gorongosa para, pela primeira vez, se reunirem com Dhlakama e ouvi-lo, em mais um esforço para se encontrar a paz.
Nyusi comprometeu-se a garantir que as tropas do Estado, ilegalmente ao serviço do partido Frelimo, não fossem interferir de forma negativa para que o encontro acontecesse em local que devia ser indicado por Dhlakama, o anfitrião. Segundo Dhlakama, tudo foi combinado secretamente, para que “forças estranhas” não interferissem no evento.
Já com a data, hora e local marcados, e exactamente naquele dia (no passado sábado) e a escassas horas do encontro, eis que as Forças de Defesa e Segurança já estavam no local, a disparar e tudo. Dhlakama teve de cancelar o encontro, informando aos mediadores, que já estavam na vila da Gorongosa e prestes a saírem ao encontro de Afonso Dhlakama.
Tal como temos vindo a anotar, aqui, neste mesmo espaço, infelizmente um acto destes, apesar de irresponsável, vil e repugnante, já só tem pouco ou nenhum potencial de nos causar estranheza.
Atingimos um nível de patologia social colectiva, em que actos de autêntico banditismo são a vocação dos que controlam o Estado.
Se olharmos para o requinte deste último acto, é fácil perceber que segue à risca todos os outros últimos episódios de emboscadas com o objectivo de liquidar Afonso Dhlakama. Desta vez, o detalhe são os mediadores internacionais, que provavelmente seriam usados para justificar um possível assassinato de Afonso Dhlakama. Em fogo cruzado, por exemplo, não seria estranho que o argumento fosse que as forças estavam lá para garantir a segurança dos mediadores.
Já vai em quatro o número das tentativas para acabar com Afonso Dhlakama. Duas em Manica, uma na Beira e esta última na Gorongosa.
Tudo isto tem o condão de deixar mais claro que, definitivamente, o partido Frelimo não acredita na paz. Tudo isto deixa claro que a famigerada solução angolana não foi abandonada, e vive-se com esta obsessão segundo a qual, matando Dhlakama, fica mais simples implementar o plano da destruição. Pelos vistos, ninguém no partido Frelimo quer usar os neurónios para equacionar a possibilidade do extremar da violência com um hipotético assassinato de Afonso Dhlakama e numa situação de um grupo armado sem líder nem quartel. Parece-nos que ninguém está disponível para pensar nessa possibilidade.
Mas também este último episódio é, se calhar, o detalhe que faltava para a comunidade internacional, que ainda debitava crédito nesta gente. Desta vez, quem escapou foi Mario Raffaelli. Talvez agora a comunidade internacional leve mais a sério este terrorismo praticado pela Frelimo. Assim é que as coisas não devem continuar.
Fica claro quem anda a investir tempo e recursos para que este país não seja um país normal. Fica claro sobre quem investe a sério para perpetuar o sofrimento deste povo e para fomentar o ódio e o regionalismo.
Se esta guerra tivesse como palco a zona onde todos os dirigentes vivem, já teríamos acordo de paz. Como as vítimas desta guerra são os que tiveram o azar de serem considerados pela lógica dominante como moçambicanos de segunda, então que cocem eles esta sua sarna.
Resta saber, agora, o que dirá Filipe Nyusi, depois dessa monumental pouca vergonha. Vai continuar a fingir que não ouve e não vê nada, como aconteceu na Beira? Vai continuar a passear e a mentir sobre um país que alegadamente está bem e a promover feiras de turismos a fazer num caldeirão efervescente?
Será importante para a opinião pública saber a opinião de Filipe Nyusi sobre esta vergonhosa empreitada.
Vamos continuar a brincar ao “está tudo bem”? O que tem Nyusi a dizer sobre isto tudo?
Quando houve a primeira emboscada em Macossa, Nyusi ficou calado. Quando houve a emboscada de Zimpinga, Nyusi ficou calado. Quando assaltaram a residência da Dhlakama na Beira, Nyusi também ficou calado. Isso, é claro, sem pretender excluir as vítimas dos esquadrões da morte, sorteando e distribuindo de forma gratuita morte violenta dos membros da oposição.
Desta vez, Nyusi acertou com Dhlakama e os mediadores o local, o dia e a hora. Na hora do evento, já estava lá montada a emboscada.
Não vos venha Nyusi dizer que são “forças estranhas” e que estão acima dele que estão actuar desta forma. Se existem “forças estranhas” a actuar superiormente, então estamos perante um caso paradigmático de incompetência. Se essas forças superiores existem, é porque Nyusi concorda com a sua existência, e Nyusi torna-se, em última instância, um subalterno dessas forças. O que impede Nyusi de expor essas “forças estranhas”? O que impede Nyusi de, por exemplo, se livrar dessas “forças estranhas”? O que faz com que Nyusi nunca se pronuncie sobre as acções de tais “forças estranhas”.
A resposta, quanto a nós, é simples: porque Nyusi é produto dessas “forças estranhas”. Nyusi só existe para tramitar o expediente dessas “forças estranhas”. Nyusi é, em si, a representação legal e autêntica da tal “força estranha”.
E é por isso que Nyusi nunca se demarcou dessas incursões assassinas.
O seu silêncio sobre estes actos todos é revelador de que repousa a sua consciência em concordância com esses actos. Permitir esses actos é sinal inequívoco de total apoio de expediente de aspersão selectiva de sangue. Como é que Nyusi ainda pretende ser levado a sério assim? Não há como levá-lo a sério. Estamos perante uma monumental fraude humana.

Nota da Redacção: É deplorável a tentativa do senhor Mario Raffaelli de desmentir o acontecimento sobre o qual temos toda a confirmação.
Ainda estamos a analisar se, daqui para frente, tomaremos como sérias as futuras declarações do senhor Mario Raffaelli. O senhor Mario Raffaelli tem a coragem de dizer que não esteve no interior do Chitengo (Parque Nacional da Gorongosa) no sábado, apesar de ter sido visto lá. Esta atitude é insultuosa.
Compreendemos todo o contexto diplomático, que torna difícil dar uma conferência de imprensa para confirmar que houve o ataque. Mas, daí até vir a público mentir de forma descarada, classificando como boato um acontecimento da maior gravidade, só revela que o senhor Mario Raffaelli tem nisto tudo algum interesse, o qual o leva a colocar o seu estatuto de parte interessada acima do seu alegado estatuto de mediador.




(Canal de Moçambique) 

CANALMOZ – 28.10.2016, no Moçambique pata todos

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