Thursday 28 April 2016

Dívida pública pode levar Moçambique à falência

Organizações debateram sobre a dívida pública esta quarta-feira (27.04), em Maputo. Especialistas falaram em falência do país e violações de leis, criticaram instituições internacionais e voltaram a pedir auditoria.



O Governo moçambicano revelou esta terça-feira (26.04), pela primeira vez publicamente, que o anterior executivo emitiu garantias para empréstimos contraídos em 2013 e 2014 - que não tinham sido reveladas - totalizando quase 1,4 mil milhões de dólares.
O porta-voz do Conselho de Ministros, Mouzinho Saíde, revelou que a as garantias foram emitidas a favor das empresas Proíndicus e Moçambique Asset Management.
O ministério do Interior realizou um crédito entre 2009 e 2014, no valor de 221 milhões de dólares e as garantias, emitidas a favor da Proíndicus, foram de 622 milhões de dólares.
Saíde explicou que esta empresa foi criada para agir como autoridade nacional, responsável pela proteção de infraestruturas nacionais estratégicas, incluindo a zona exclusiva, e num contexto em que o país estava a enfrentar ameaças de segurança - como pirataria, imigração ilegal, narcotráfico, proteção ambiental e pesca ilegal.
Barcos da EMATUM em Maputo, Moçambique
"Estas ameaças, aliadas à necessidade de garantir proteção nos ativos das empresas de petróleo e gás a operarem nesta zona económica exclusiva, fizeram com que a empresa adquirisse meios que possibilitassem a gestão de um sistema integrado de monitoria e proteção - tais como vários tipos de embarcação, aeronaves de patrulha marítima, radares espalhados ao longo da costa moçambicana e contratos de satélites," defendeu.
O porta-voz do Governo indicou que as garantias emitidas a favor da empresa Moçambique Asset Management foram no valor de 535 milhões de dólares.
"Esta empresa foi criada para operar algumas instalações navais com a finalidade de prestar serviços às embarcações do Governo. A EMATUM [Empresa Moçambicana de Atum], Proíndicus e outras, para prestar serviços comerciais e da indústria de petróleo e gás offshore, construção de raiz de algumas embarcações para venda tanto no mercado nacional como internacional. O projeto inclui a entrega de um estaleiro móvel especializado na manutenção de ativos, bem como na formação contínua de moçambicanos," enumerou.
O Governo promete dar mais pormenores sobre este endividamento nos próximos dias.

Baltazar Fael, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP)




Sociedade civil mobilizada
Entretanto, numa mesa-redonda realizada esta quarta-feira (27.04), em Maputo, o pesquisador António Francisco, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), considerou que o país está praticamente a entrar em falência. E acrescentou que numa situação normal o Governo deveria demitir-se.
"Nós estamos perante uma situação não de uma falência que se poderia dizer sem intenções, fortuita. Mas vamos estar perante uma situação que será uma falência fraudulenta, culpável, no sentido em que aqueles que fazem o processo de endividamento ocultaram o endividamento e, neste contexto, não sabemos como é que se vai retomar um processo de estabilização macroeconómica," questionou.
Para o investigador Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública (CIP), ao emitir as garantias, o Governo não observou vários procedimentos: Violou a Lei Orçamental e a Constituição da República ao não solicitar autorização do Parlamento e falhou ao não manter o Banco Central (BC) informado das operações.
Fael considerou que "o Ministério Público, tendo em conta os factos que vêm sendo levantados, já devia chamar aqueles que na altura estavam a fazer a gestão dos fundos do Estado para esclarecerem o conteúdo desta dívida."
"Um outro aspeto que nós também solicitamos que seja feito é uma auditoria forense, no sentido de verificar de facto o que é que aconteceu com esta dívida - para quê ela foi contraída, onde é que este dinheiro foi usado e como é que o empréstimo foi contraído," acrescentou.
O diretor do Observatório do Meio Rural (OMR), João Mosca

Críticas às organizações financeiras internacionais
Por sua vez, o diretor do Observatório do Meio Rural (OMR), João Mosca, afirmou que a crise moçambicana atingiu níveis insuportáveis e acusou as organizações financeiras internacionais - em particular o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a cooperação internacional - de serem, no mínimo, cúmplices pela influência que exercem sobre a política económica e pelo tipo de cooperação que realizam.
João Mosca defendeu que, para sair da crise, o Estado deve assegurar crescentes níveis de democracia, estar aberto ao diálogo, combater a corrupção e o autoritarismo e assentar o crescimento no desenvolvimento de pequenas e médias empresas.
Ainda segundo o académico João Mosca, o Banco Central deve instituir uma política de crédito coordenada com a política fiscal e com as políticas relacionadas aos sectores económicos prioritários. Além disso, a política cambial não pode continuar a sustentar ficticiamente a moeda nacional, o metical.
"Os gastos públicos correntes têm de ser reduzidos e o investimento direcionado para áreas com efeitos multiplicadores sobre o crescimento económico. A fuga ao fisco tem de ser reduzida e ampliada a base tributável. Os benefícios fiscais das empresas multinacionais e do investimento direto estrangeiro em geral devem ser revistos e, em parte, desviados para as empresas nacionais que invistam em sectores prioritários. O Estado terá de melhorar a cobertura e a qualidade dos serviços básicos aos cidadãos e às empresas," enumerou Mosca.



DW

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