Friday 19 December 2008

Tribunal Administrativo indignado com inércia governamental


Biliões do povo ainda nas mãos da nomenklataura

— 20 dos 35 beneficiários de empréstimos nunca reembolsaram


Tal como vem acontecendo nos últimos anos, o Tribunal Administrativo (TA) volta a manifestar a sua profunda indignação pela inércia demonstrada pelas autoridades governamentais na cobrança dos fundos do Tesouro na maioria entregues à elite política ligada ao partido Frelimo, através de critérios pouco claros e transparentes. Este posicionamento vem expresso no mais recente relatório do TA sobre a Conta Geral do Estado referente ao exercício económico de 2007 e já na posse do SAVANA.

Ao que o nosso jornal apurou, este documento sobre a Conta Geral do Estado, referente a 2007, já foi oficialmente entregue ao Presidente da Assembleia da República, Eduardo Mulembwe, devendo ser debatido por aquele órgão de soberania, na sua próxima sessão a iniciar em Março.
Recorde-se que os empréstimos foram feitos com base em fundos concedidos ao Estado, entre donativos e créditos destinados ao reforço da Balança de Pagamentos de Moçambique. Donativos do Japão, da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e créditos do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da Agência de Desenvolvimento Internacional (IDA), um dos braços do Banco Mundial, foram concedidos a empresas nacionais sem garantias reais de retorno e a taxas de juro altamente concessionais.

Ouvidos de mercador


O TA diz que no quinquénio 2003-2007, dos 35 beneficiários identificados dos créditos concedidos com fundos do Tesouro, apenas 15 reembolsaram e, destes apenas dois pagam regularmente todos os anos. Os restantes 20 nunca reembolsaram qualquer valor.
“É de salientar que nos últimos três anos, somente três beneficiários têm vindo a amortizar os seus créditos com regularidade”, sublinha o documento produzido pela instituição responsável por auditar anualmente as contas do Estado.
Neste documento, o TA recorda que tem vindo a fazer referência ao fraco reembolso dos montantes em dívida dos créditos concedidos com recurso aos fundos do Tesouro. Contudo, acrescenta o TA, não estão a ser accionados os mecanismos contratuais previstos para o cumprimento das obrigações pelos mutuários, designadamente, no tocante aos prazos, montantes de amortização e juros de mora, assim como não está a ser feita a cobrança coerciva prevista nos dispositivos legais.
Lembre-se que quando solicitado pelo TA, na altura da elaboração da conta de 2005, a pronunciar-se sobre as razões do não reembolso dos créditos concedidos, o Governo indicou apenas que os processos dos devedores seriam enviados à cobrança coerciva. Porém, a avaliar pelos pronunciamentos do TA, o Governo tem estado a assobiar para o ar, quando se trata de obrigar os devedores desonestos a cumprirem com as suas obrigações.

Empresarialização de elites políticas


Para obterem os polémicos empréstimos, os interessados submeteram ao Ministério das Finanças um pedido de financiamento acompanhado de um estudo de viabilidade do projecto.
A decisão sobre a elegibilidade das empresas para usufruir dos empréstimos era da competência do Ministro das Finanças. As empresas beneficiadas acordavam então com o Tesouro o pagamento dos contra-valores, após a utilização e expirado o prazo de deferimento concedido.
Ao conceder estes empréstimos, o principal objectivo do Estado era criar uma burguesia interna que pudesse alavancar o desenvolvimento nacional que, por seu turno, deveria concorrer para o combate à pobreza, principalmente através da redução do índice de desemprego. Contudo, segundo os dados disponíveis, assistiu-se a uma empresarialização de figuras próximas da Frelimo que retiraram dinheiro do Estado, sem fazer o devido retorno em tempo útil.
Segundo analistas a ter em conta, a construção da burguesia moçambicana foi claramente baseada no saque de fundos públicos, através do crédito concedido com fundos do Tesouro, para financiar empresas sem recursos humanos e equipamentos adequados para que operassem com sucesso.

O perfil dos devedores


Das 20 empresas que não amortizam as suas dívidas e que viram os prazos de reembolsos amplamente ultrapassados destacam-se a TransAustral, propriedade do general João Américo Mpfumo, veterano da luta de libertação e antigo comandante da Força Aérea de Moçambique.
A TransAustral beneficiou de um crédito avaliado em 38. 300 mil meticais em 2000. No ano seguinte foi buscar mais 61 milhões de meticais. Desde 2001 a esta parte, a TransAustral ainda não reembolsou nenhum valor.
João Américo Mpfumo tem igualmente uma empresa denominada Sociedade Geral Africana de Importação e Exportação (SOGA). Em 2000, Mpfumo foi ao Tesouro buscar financiamento para a SOGA avaliado em 23.870 mil meticais, valor que ainda não foi pago, segundo o documento do TA.
Mas o relatório do TA referente à Conta Geral do Estado de 2001, publicado em 2003, indica que no caso da empresa SOGA, constatou-se que, efectivamente, quem recebeu os 23.870 mil meticais foi a TransAustral Lda, detida por Mpfumo, com a finalidade de comprar viaturas para transporte de passageiros, para a cidade de Maputo.
Actualmente, esta frota de viaturas de transporte de passageiros praticamente desapareceu da circulação na cidade de Maputo.
Ao que o SAVANA apurou, as condições do empréstimo foram altamente concessionais: o prazo de reembolso é de cinco anos, com diferimento de um ano a partir da chegada das viaturas.
Segundo anteriores relatórios do TA, não constava no processo de concessão do empréstimo qualquer documento para garantir a recuperação dos fundos concedidos, como por exemplo, a constituição de garantias reais, o que dificulta a sua recuperação em caso de incumprimento de prazos.

Colégio Alvor


Os Transportes Públicos de Maputo (TPM) e a controversa TSL figuram também entre os 20 mutuários que não cumprem com as suas obrigações. Os TPM estão a dever cerca de 80 milhões de meticais, contra 67.225 mil meticais da TSL, uma empresa entretanto falida. A Técnica Industrial, Água Vumba, Chá Malate, Spar, Nhama Comercial, Cegraf, Mozcocos, Fasol, Colégio Alvor, Metalec, Chá Namal, Lomaco, Mabor, e a Somopesgamba são outras das 20 empresas que têm obrigações por cumprir.
O Colégio Alvor solicitou em 2002 um empréstimo ao Tesouro avaliado em 23.384 mil meticais, montante que ainda não começou a pagar.
Esta instituição, que tem como finalidade o ensino privado em regime de externato e internato na Manhiça, tem como sócios Amélia Narciso Matos Sumbana, Adriano Fernandes Sumbana, Filomena Panguene (esposa do ministro do Turismo, Fernando Sumbana Jr) e Fernando Andrade Fazenda.
Contudo, segundo o parecer do TA de 2005, o Colégio Alvor solicitou um diferimento da data do início do pagamento da dívida para Setembro de 2006, por não ter iniciado plenamente a sua actividade. Na altura, as autoridades do Ministério das Finanças aceitaram este pedido. Contudo, na Conta Geral do Estado de 2007 não consta nenhum pagamento da dívida por parte do Colégio Alvor. Esta indicação mostra que o prazo em que aquele estabelecimento estudantil se comprometeu a cumprir com as suas obrigações já foi ultrapassado em mais de um ano.

Pachinuapas


A Nhama Comercial Lda figura também como uma das empresas dominadas por figuras políticas da Frelimo que ainda não começou a honrar com os seus compromissos.
Esta empresa tem como sócia, entre outros, Marina Pachinuapa, veterana da luta de libertação nacional. Actualmente Pachinuapa trabalha no Gabinete da Primeira Dama de Moçambique, Maria da Luz Guebuza.
Em 2001, esta empresa foi contrair um empréstimo avaliado em 5.186 mil meticais, mas até ao dia 31 de Dezembro de 2007, esta firma ainda não havia iniciado o pagamento da dívida.

Os que pagam

Empresa de Albano Silva


Já a INAGRICO, uma empresa virada ao fabrico de equipamentos agrícolas, pagou na totalidade a dívida que contraiu ao Tesouro, situação que aconteceu após alguns incumprimentos.
A INAGRICO, que tem na sua estrutura accionista, António Albano Silva, esposo da actual Primeira-ministra de Moçambique, Luísa Dias Diogo, havia pedido ao Tesouro cerca de 9.335 mil meticais. A empresa de Albano Silva obteve, em 2000, um crédito avaliado em 1.170 mil meticais. No ano seguinte foi buscar mais 6.740 mil meticais. Em 2002 contraiu mais um empréstimo no valor de 1.424 mil meticais, totalizando até 31 de Dezembro de 2002, 9.335 mil meticais.
Em 2003, não efectuou nenhum reembolso, tendo começado a fazê-lo em 2004 devolvendo 340 mil meticais. Em 2005 pagou 580 mil meticais, contra 1.047 mil meticais de 2006. Já em 2007 liquidou por completo o empréstimo (7.915 mil meticais), ficando com um saldo nulo.
Sublinhe-se que estes empréstimos foram concedidos quando Luísa Dias Diogo era Ministra das Finanças, ou seja, a pessoa que em última análise autoriza a concessão dos créditos do Tesouro, após analisar todos os documentos de solicitação do empréstimo submetidos pelos interessados.

Alberto Chipande


De acordo com o documento do TA, o Grupo Mecula, uma empresa vocacionada ao transporte de passageiros e mercadorias, turismo e distribuição de mercadorias, figura na lista dos que têm vindo a cumprir com os pagamentos acordados.
Esta empresa pertence a Alberto Joaquim Chipande, veterano da luta armada, a quem a história oficial atribui a autoria do primeiro tiro da insurreição contra o colonialismo português. Foi Ministro da Defesa Nacional desde a independência em 1975, até à implantação do governo surgido das primeiras eleições multipartidárias em 1994.
Em 2001, a Mecula obteve um crédito de 12.304 mil meticais, para, no ano seguinte, ir novamente ao Tesouro buscar 35.574 mil meticais.
A empresa de Chipande começou a reembolsar os fundos do Tesouro em 2003, ano que devolveu 835 mil meticais. Em 2004 liquidou 1.410 mil meticais, para no ano seguinte pagar 310 mil meticais. Em 2006, não efectuou nenhum reembolso, mas no ano seguinte, 2007, foi pagar cash dois milhões de meticais, ficando com um saldo até 31 de Dezembro de 2007 de 42.794 mil meticais.

Jamú Hassan


Contrariamente aos relatórios anteriores, a MOPAC aparece como uma das empresas que anualmente reembolsa algum valor ao Tesouro.
Esta empresa, vocacionada à produção e comercialização de guardanapos de papel e papel higiénico, bem como comércio geral (importação e exportação) tem como um dos sócios Jamú Selemane Hassan. Hassan foi um dos destacados sócios da Invester que detinha 49 por cento, numa holding denominada Investil. Os outros 51 por cento pertenciam à SBB, um banco da Malásia. Já a Investil detinha 60 por cento do Banco Austral, aquando da primeira privatização a 3 de Setembro de 1997. Os restantes 40 por cento eram do Estado.
Segundo o documento do TA, que temos vindo a fazer referência, o saldo em dívida da MOPAC até 31 de Dezembro de 2002, era de 79.856 mil meticais. Contudo, em 2003, esta companhia reembolsou 1.500 mil meticais, contra 600 mil meticais de 2004. 500 mil meticais foram pagos em 2005 e igual valor em 2006. Em 2007, a MOPAC devolveu 1.100 mil meticais. O saldo em dívida até 31 de Dezembro de 2007 é de 75.656 mil meticais.

Mavimbi


A Mavimbi, que tinha como um dos sócios Armando Emílio Guebuza (retirou-se em Maio de 2008), pagou na totalidade os 50 milhões de meticais que foi buscar no Tesouro Público. Os pagamentos foram feitos, após várias críticas do próprio TA, assim como da sociedade civil.
Depois de alguns incumprimentos em 2003 e 2004, a Mavimbi foi pagar em 2005, 607 mil meticais. Em 2006 não reembolsou nenhum valor. Mas nos finais de 2007 foi pagar cash 50.097 mil meticais, livrando-se desta forma da dívida e das críticas.


(Francisco Carmona, SAVANA – 12.12.2008, citado em http://www.macua.blogs.com/)

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