Thursday 18 December 2008

É muito fácil vencer um espantalho!



A propósito de Mugabe, Zimbabwe e a análise dita académica


Muito já se disse sobre Robert Mugabe, sobre a crise económica em que o seu país mergulhou, sobre a cólera e sobre seus generais.
Contrariamente ao que alguns académicos querem nos convencer, a situação no Zimbabué é sim péssima e requer uma solução urgente para salvar a vida das pessoas. Requer também o cometimento de todos os povos e principalmente da voz firme dos povos vizinhos, incluindo Moçambique.
Aconselho a quem quiser ainda “compreender o que se está a passar no Zimbabué”, que aguarde, para dar espaço aos que já a compreenderam e tem propostas concretas. Que não se junte ao debate que em determinados círculos está a decorrer.
Sim, porque não se pode andar, quando uns estão sempre nos alertando - puxando-nos as camisas - para “reflectirmos” sobre o que está acontecer no Zimbabué, quando todos os dias pessoas estão a morrer e Mugabe está cada vez mais teimoso. Pior, quando estes académicos sempre se consideram mais “cautelosos” e academicamente íntegros, enquanto que nós sabemos o que está por detrás desta “integridade”.
E fica bastante feio chamar aos outros de “apressados”, quando na verdade o que está em causa é a integridade física, moral, económica, política e até cultural de muitos dos zimbabueanos, que diariamente arriscam-se a morrer por inúmeras causas evitáveis, sendo Mugabe uma delas.
Não passa de propaganda e hipocrisia quando em pleno 2008, alguns ditos inteletuais e académicos íntegros tentam a todo custo propalar a quatro ventos que o cerne da crise zimbabueana está nas sanções económicas e políticas impostas ao regime de Mugabe. Fazer isso é sem dúvida prestar um belo serviço a Robert Mugabe e sua camarilha.
O cerne da crise política e económica do Zimbabué está em Robert Gabriel Mugabe e seu grupo, que se apegaram ao poder e usam a propaganda e outros meios de persuasão para convencer ao Mundo que o culpado é o Ocidente. Felizmente apenas alguns poucos “intelectuais íntegros” são os que acreditam nesta história.
Há um longo texto que anda por
aqui
, escrito por Mahmood Mamdani que está sendo aplaudido por alguns círculos académicos da praça (ainda preciso certificar se essa praça é nossa ou zimbabweana). Na verdade, a única novidade que o texto nos apresenta é de possuir um título atractivo. A outra é por ser longo. Por isso, vai o meu reconhecimento. Quanto ao conteúdo, lamento dizê-lo que não passa mais do mesmo, com a diferença de estar escrita numa linguagem fina e por um académico com créditos firmados, mas não sobre na questão zimbabueana.
O título do texto é: Lessons of Zimbabwe, ou Lições de Zimbabué. Mamdani em momento algum explica aquilo que anuncia. Por exemplo, não nos diz quais são então as ilações que podemos tirar da crise zimbabueana. E porquê tem que ser essas?
Explica de forma espalhada um percurso histórico mas esquece o método. Fala de muitos episódios que ele sabe, e nós também, mas não os relaciona com a sua tese principal, aliás, essa, muito bem escondida no fim do seu longo texto!
Quando fala do Acordo de Lencaster House, apenas olha para a parte ruim de Grã-bretanha e seus aliados. Quando fala das motivações da reforma de terra, é muito lacónico, ao considerar justas as exigências e pressões dos veteranos de luta de libertação e de círculos burgueses “negros”. Não explica nem nos contextualiza como e porque Mugabe emendou várias vezes a constituição para deste modo se perpetuar no poder. Portanto, esconde dolosamente uma verdade. Que ele não está interessado em desvendar.
Mamdani fala da popularidade de Mugabe e seu regime: como pode ele provar isso? Através de eleições que nem justas, nem livres e transparentes foram? Através da violência e perseguições aos membros da oposição e todos aqueles que clamam pela mudança?
Mamdani fala-nos e de passagem, da formação do MDC. Não explica porém a força motriz deste movimento, principais linhas de orientação, bem como o porquê de em tão pouco tempo ter granjeado tanta aderência. Pelo contrário, preferiu associá-lo ao conjunto de “fenómenos” que tornaram possível o colapso social, político e económico daquilo que é hoje Zimbabué, e colocando-o nas entrelinhas do reajustamento estrutural e do apoio dado pelo ocidente, esse que também apoiou Mugabe.
Mahmood Mamdani é no fundo também contraditório neste texto quando, por um lado explica e com alguma paixão as três consequências da reforma de terras, nomeadamente o colapso do primado da lei; desemprego e queda da produção alimentar. Aqui, ele não quis explorar o facto de o colapso do estado de direito ser do interesse de Mugabe e sua camarilha; que o desemprego de muitos zimbabueanos podia ser acautelado com política económicas sensatas e que a produção alimentar repousava na agricultura comercial.
E para concluir, a análise de Mamdani não se difere da do Ministro Zimbabueano de Informação e a do governo zimbabueano e de muitos outros académicos “nacionalistas”. O que Mamdani sabe todo o mundo também sabe. E escrever da forma como o fez a partir dos EUA tem um significado muito especial para os círculos de intelectuais e "académicos íntegros".
Só que eu não acredito mais nessa cantiga. Provavelmente Mamdani precisasse de ouvir um pouco mais da Rádio. É que é muito fácil vencer um espantalho. Não ouve, não vê e nem existe. Apenas espanta pássaros de pequeno porte.Soltas1 Muitos dos académicos ditos íntegros já escreveram muito sobre a indústria de desenvolvimento, das más políticas do FMI e do Banco Mundial e do sistema internacional no seu todo. E sempre apelaram uma coisa: que a África pudesse escolher suas políticas; que o FMI e Banco Mundial são os que até hoje perpetuam a pobreza, devido a suas políticas, e coisinhas destas. Mamdani é um deles. Já que o Zimbabué está na lista negra destas instituições, e não recebe ajuda deles, não acham que chegou o tempo para que estes tirem das suas mangas as soluções por estes avançados em vários papers apresentados em conferências internacionais? Ou não era bem assim; apenas nos co nvidavam para a reflexão isenta e imune de emoções como a presente.
2. Mamdani e outros académicos “íntegros” acham que Mugabe está assim porque o Ocidente não soube lidar com ele. Afinal, como é que se lida com um candidato derrotado? Mugabe e a ZANU já não gozam da confiança do povo zimbabueano. E nas urnas, o povo disse basta. Normalmente quem ganha eleições toma o poder. E todos sabemos que a vitória pendeu para o MDC e Morgan T. Enquanto uns mais se interessam pela "integridade intelectual" e "coerência discursiva", eu me interesso neste caso concreto pela vida humana, pela decência e pela honestidade. E nem quero sugereir que os dois aspectos sejam contraditórios. Até que podem coexistir. É chegado o momento de dizer que O rei vai nú.


NOTA:
Este excelente artigo do ilustre Egídio Vaz serve de resposta adequada aos que na blogosfera (e não só) vão conduzindo uma campanha de branqueamento da História na tentativa de limparem a imagem de Mugabe, apresentando teses bem montadas mas falaciosas e desonestas.
Se é natural que existam opiniões divergentes, é inadmissível que se ridicularize e insulte quem pensa de modo diferente!
O Rei vai mesmo nú!

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