Monday 6 March 2017

Morte, sexo e drogas: O que aprovou o PS?

Moções aprovadas na Comissão Nacional apelam a que o partido debata a legalização da eutanásia, da prostituição e das drogas leves. 

António Costa na Comissão Nacional do PS. Foto: Rui Farinha/Lusa

O PS aprovou, na sua Comissão Nacional de dia 4, várias moções, entre as quais estão textos a pedir a legalização da prostituição, das drogas leves e da eutanásia. Todas aprovadas no principal órgão do partido entre congressos, mas com o destaque natural – pela actualidade do tema e pela votação expressiva – para a moção que defende a legalização da eutanásia, que foi aprovada com mais de 95% por cento dos votos dos dirigentes socialistas. Teve apenas três votos contra e cinco abstenções, num universo de cerca de 200 votantes.
Esta votação é sem dúvida um sinal mas não implica, necessariamente, que a quase totalidade dos dirigentes do PS seja a favor da legalização da eutanásia. Embora Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira – as principais promotoras da moção – sejam a favor dessa legalização e esse objectivo esteja expresso na moção, o texto é mais um apelo a um debate sério e profundo do que um manifesto pela eutanásia.
“Esta moção interpela o PS a integrar o debate [sobre a eutanásia], de forma aberta à sociedade, criando pra o efeito um grupo de trabalho constituído por elementos das diversas áreas relevantes para o tema”, lê-se no objectivo da moção, que não esconde: “O objectivo do debate é o de se avançar para a despenalização da morte assistida e para a legalização da eutanásia em Portugal com o conforto do amplo debate acima referido”.
Também é preciso notar que este é uma moção em parte ultrapassada pelos acontecimentos. Foi feita em Maio de 2016, apresentada ao Congresso do PS em Junho e só agora votada na Comissão Nacional. Maria Antónia Almeida Santos queria que o PS liderasse este debate, que tivesse uma posição ou até mesmo um projecto próprio e não ficasse dependente da proposta que já se sabia que o Bloco iria fazer.
Mas nove meses passaram, já foi debatida uma petição, o Bloco e o PAN (o único partido que colocou este assunto no seu programa eleitoral) já entregaram os seus anteprojectos de lei e o PS já anunciou que vai dar liberdade de voto. O líder parlamentar e presidente do partido, Carlos César, já disse também que o PS não terá um projecto próprio, embora aquelas deputadas possam vir a apresentar propostas.
Com o PS e o PSD a darem liberdade de voto e o PCP a não ter ainda uma posição sobre o assunto, preferindo esperar pelo debate mais aprofundado que considera necessário, a votação da legalização da eutanásia continua a ter ainda um resultado incerto, apesar do sinal dado na Comissão Nacional socialista.
Também aprovada, ainda que com os votos contra dos líderes do partido (António Costa, Carlos César e Ana Catarina Mendes) foi uma moção proposta pela Juventude Socialista com o título “Regulamentar a prostituição – uma questão de dignidade”. E aqui repete-se o que se passa com a moção anterior: Os subscritores defendem a legalização da prostituição, mas o que propõem é que o PS faça um debate aprofundado sobre o tema.
“Importa começar por contemplar que escolher ser um trabalhador do sexo é uma opção que deve ser encarada eminentemente como uma questão de liberdade de escolha individual”, começa por se ler nesta moção, em que se defende que “o Estado deverá apoiar tanto quem escolhe prestar serviços sexuais, como quem pretende deixar de exercer essa actividade”.
Os subscritores estimam que existam mais de 100 mil “trabalhadores do sexo” em Portugal e alertam para os problemas de saúde pública e de estigma e discriminação e consideram que só a legalização do trabalho sexual pode ajudar a combater os abusos.
Mas o que propõem é que “o PS deverá encetar uma discussão serena e construtiva sobre a regulamentação da prostituição em Portugal, aberta a toda a sociedade civil, com vista a retirar da marginalidade milhares de cidadãos que se encontram coarctados dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais”. 
Imposto sobre canábis 
E a mesma técnica foi usada na moção sobre drogas leves, igualmente da JS e também aprovada por uma larga maioria. Nesta, a deliberação é que “o PS deve promover a discussão interna e aberta à sociedade civil no que concerne à legalização e regulação das drogas leves em Portugal”. Os signatários consideram que “cabe ao PS” dar início ao “percurso social e político” que permita a Portugal afirmar-se como uma referência internacional nesta matéria”.
O consumo deste tipo de drogas, como a canábis, já foi descriminalizado em Portugal, mas os jovens socialistas consideram que é necessária mesmo a sua legalização “numa lógica de redução de danos” e de regulação do comércio. “O Estado deve regulamentar, não porque a canábis seja 100% segura, mas porque apresenta riscos, tal como apresentam outras substâncias aditivas, como o tabaco e o álcool, procurando, com essa regulação, garantir um controlo efectivo sobre todas as fases do processo, desde a produção até à venda ao consumidor final”, defendem no texto.
E têm até preocupações fiscais: “Não nos parece apropriado menosprezar o importante contributo que a legalização da comercialização de canábis traria para o financiamento do Estado. De facto, através de impostos indirectos, como o IVA, mas também através de um imposto especial sobre o consumo será possível tributar muita da riqueza gerada por um vasto mercado paralelo.”
Estudo sobre a disparidade salarial
Os jovens socialistas também viram aprovada uma outra moção que, na sua versão original e se fosse levada a sério pelo partido deveria levar a uma revisão dos salários dos gestores públicos, em especial os administradores da Caixa Geral de Depósitos. Contudo, o texto sofreu algumas alterações e o que foi aprovado foi que, em primeiro lugar, o PS deve promover um estudo alargado sobre a disparidade salarial em Portugal, que atenda a factores como o género, idade, localização e diferentes níveis de responsabilidade (cargos de topo, médios e intermédios…).
Depois, o PS deve considerar, em diálogo com os parceiros sociais, a imposição de limites proporcionais dos salários dentro de uma mesma organização, seja pública ou privada. E deve ainda “considerar a possibilidade” de atribuir penalizações às empresas em que as diferenças salariais sejam mais acentuadas.
Sem fazer referência a qualquer caso concreto, o texto da moção defende que é preciso “reflectir sobre a natureza dos salários astronómicos em vigor, numa tripla dimensão: ética, económica e social”. Muitos desses salários, escrevem os jovens socialistas, são “canalizados para a especulação” e não contribuem para dinamizar a economia real, acabando por não ter um efeito reprodutor.


RR

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