O pensamento de Mondlane sobre o futuro de Moçambique enquanto país livre tem alimentado muitos debates. Entretanto, alguns membros destacados do partido Frelimo, como o historiador Alexandrino José, sustentam que Mondlane morreu sem ter revelado o seu ponto de vista político sobre Moçambique independente.
Os mesmos invocam a seguinte passagem do livro Lutar por Moçambique, como o único texto de Eduardo Mondlane:
“Uma vez que a finalidade da guerra é construir um Moçambique novo, e não apenas destruir o regime colonial, todos temos que ter ideias acerca do modo de organizar a futura nação; mas isso ainda está muito longe para podermos discutir formalmente nesta fase.
A nossa política quanto às questões imediatas pode apenas dar alguns tópicos para o futuro. A estrutura da FRELIMO pode também ser olhada como precursora dum corpo político nacional. Faz parte da essência desta estrutura, porém, que as ideias venham do povo; que os membros dos Comités Executivo e Central sejam livremente eleitos e possam, portanto, mudar.
O eleitorado vai crescendo à medida que novas áreas vão sendo libertadas e que novos chefes vão surgindo a todos os níveis. Daqui por dez anos todo o executivo pode ter mudado. Assim, ao discutir o futuro, posso apenas invocar as minhas próprias convicções; não posso predizer o que será decidido por um Comité Central que ainda não existe”.
Todavia, a visão subjacente no texto supracitado, que é, sem dúvidas, bastante elegante para um político hábil como Mondlane, testemunha uma fé inquebrável na democracia e na capacidade do povo de Moçambique para se regenerar e decidir o seu próprio destino.
Mondlane aparece na visão de Alexandrino José como claudicante, devido ao facto de a abundante obra que nos deixou escrita carecer de uma divulgação adequada, facto que também serviu para ocultar o seu verdadeiro projecto político e atrelá-lo, de forma velada, ao marxismo que tomou o país logo após a independência.
Na verdade, basta o sobredito para se adivinhar que Mondlane é um pensador político liberal, cujas teoria e acção se enquadram e se percebem só num contexto de liberalismo político de feição americana progressista. Mas, felizmente, Mondlane foi suficientemente claro e legou-nos por escrito a sua perspectiva filosófica e política, pelo que não existem margens para dúvidas nem lugar para especulações.
Assim, ao falar de um Mondlane liberal em oposição aos clichés marxistas a que quiseram associar-se-lhe, embora possa parecer para alguns exagerado, na medida em que devido ao silêncio que se criou à volta das suas ideias políticas, desenvolveu-se a ideia de que morreu sem ter tido tempo para clarificar o seu posicionamento político e filosófico.
Esta é uma opinião defendida, como disse, até por alguns estudiosos, como Alexandrino José que diz: “embora não tivesse arquitectado um modelo da sociedade pós-colonial, deixou algumas indicações das perplexidades que tinha quanto aos males que caracterizavam a sociedade e o Estado pós-colonial em África ”.
Pedro Borges Graça, que fez um estudo apreciável sobre Eduardo Mondlane, embora com o mérito de denunciar o silêncio cúmplice que se instalou à volta do ideário político de Mondlane, não foi para além de especulações acerca do projecto político de Mondlane, como pôde sugerir esta passagem da viúva de Mondlane, Janet Mondlane, citada por Graça: “Com base no seu livro, não é possível dizer o que teria acontecido em Moçambique se ele tivesse sobrevivido, e não é importante sabê-lo” .
Para nós, é importante sabê-lo e não só com base num único livro, por cima organizado, embora tenha sido revisto pelo autor e por Sérgio Viera, um político conhecido.
Sem sombra de dúvida, este estudioso não poderia ter sido mais contundente e estar mais certo. Não obstante, não deixa de se mostrar bastante equivocado, quando sugere que sobre o projecto de Mondlane apenas é possível especular. Diz mesmo que os seus conhecimentos, enquanto psicólogo social e antropólogo, teriam-no conduzido para uma orientação diferente daquela que foi seguida depois da independência.
Desta feita, longe de confrontar o liberalismo tal como fez a geração de políticos que comandou o país depois de Mondlane, as suas aspirações estavam de comum acordo com esta teoria social e é ela que vai orientar e inspirar Mondlane na formação da primeira força política que dirigiu, mesmo antes de embarcar aos Estados Unidos: o Núcleo dos Estudantes do Ensino Secundário de Moçambique (NESAM).
Eduardo Mondlane era entre todos, o único líder africano formado em ciências sociais, por isso mesmo, teoricamente, o mais capacitado para pôr e discutir a questão colonial não só em termos políticos da partilha de poder, mas também em termos filosóficos e intelectuais de toda a problemática que ora se impunha, que era a das relações internacionais entre povos, por um lado, e, por outro, a das relações no interior dos estados, de nações e povos de raças e etnias diferentes, bem como entre as várias classes sociais que se instauram dentro de uma sociedade complexa.
Para Mondlane, o problema colonial não era uma extensão da luta de classes, como queriam aqueles jovens próximos do partido comunista português e inspirados pela resistência portuguesa contra o regime de Salazar. Na óptica de Mondlane, a questão colonial revestia-se de uma forte componente racial e a sua solução não estava fora, mas sim dentro do liberalismo. A questão colonial não era económica como queria Marx, mas sim, tinha que ver com a liberdade e a igualdade entre todos os seres humanos.
Isto explica a razão pela qual Marcelino dos Santos, que já tinha ocupado postos de relevo no contexto dos movimentos de libertação da África, dita portuguesa, só conseguiu maior visibilidade, para não dizer um controlo absoluto da Frelimo, depois da morte de Mondlane. A sua visão marxista e leninista entrava em rota de colisão com o chefe tradicional e ideólogo liberal que era Mondlane.
Para todos os efeitos, Mondlane ficou conhecido como o primeiro presidente da Frelimo, Movimento de Libertação de Moçambique, que, dez anos mais tarde, exactamente em 1975, proclamou a República de Moçambique e, dois anos depois, em 1977, adoptou o marxismo como sua política oficial.
Aqui está o pano de fundo com o qual é preciso lidar sem preconceitos nem complexos, se quisermos repor a verdade sobre esta personalidade histórica e lendária do nacionalismo africano, em geral, e moçambicano, em particular.
Mondlane, primeiro presidente da Frelimo, afigurar-se como o pai da pátria moçambicana, apesar dessa ideia ser, hoje em dia, muito discutida e posta em causa.
Embora, a verdade seja dita, Mondlane não seja o fundador único daquele movimento político, ao menos, é um dos seus co-fundadores.
João M. Cabrita, no seu livro Mozambique, The Tortuous Road to Democracy, tem o mérito de demonstrar, uma vez por todas, dissipando todas as dúvidas, que Eduardo Mondlane é, de facto, um nacionalista moçambicano de inspiração americana e com ligações muito fortes com a administração Kennedy. Mondlane sente-se ligado à América mais pelas ideias do que por agendas políticas.
Assim, quando, em Abril de 1962, Eduardo Chivambro Mondlane, numa dissertação acerca da melhor forma de Governo, como se depreende no título mais que sugestivo desse seu trabalho, Woodrow Wilson and the Idea of Self-Determination in África, apenas concretiza, politicamente, aquilo que já estava cristalizado na sua mente, fruto de muitos e aturados anos de socialização americana e liberal, na verdade, nesse seu trabalho emblemático, declara sem rodeios:
“Defendemos que um Estado moderno deve conter na sua Constituição o seguinte: a) divisão de poderes; b) garantia dos direitos básicos; c) garantir aos tribunais um desempenho o mais independente possível do Governo; d) duas câmaras legislativas, uma na Câmara dos Representantes a ser eleita directamente, e um Senado ou Câmara dos Deputados representando as regiões, esta última com poder de veto para impedir determinadas propostas de lei de serem aprovadas prematuramente; e) finalmente, deve haver um governo central forte, que estaria encarregue de cumprir as decisões quer da legislatura, quer dos tribunais, bem como desenvolver políticas para todo o país.
Por isso, o pensamento político de Eduardo Mondlane tem que ser feito, parafraseando o documento supracitado, porque pode ser considerado a chave das suas ideias políticas, não só em virtude de ser o mais completo e rico em pormenores daquilo que ele sonhava vir ser Moçambique do futuro, mas também e, sobretudo, porque foi escrito em 1962, o ano em que nasce a Frelimo, tendo Mondlane se tornado o seu primeiro presidente. por isso é considerado um texto programático e fundacional. Na verdade, o documento em causa é escrito em Abril de 1962 e, dois meses depois, em Junho, a Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique, é constituída formalmente como instrumento de pressão para a independência de Moçambique.
Nesta óptica, podemos afirmar, sem margem para dúvida, que Woodrow Wilson and the Idea of Self-Determination funciona como testamento do pensador que, nesse mesmo ano, vai dar lugar ao guerrilheiro. Este artigo é, portanto, portador das ideias e dos ideais que Mondlane quis ver aplicados num Moçambique independente. É assim que o primeiro parágrafo deste último artigo será o manifesto que o presidente da Frelimo colocará no seu livro de combate Lutar por Moçambique:
“É costume entre os Europeus e Americanos conceber todo o pensamento humano como derivado do pensamento Ocidental. Os não europeus, especialmente os africanos, são supostos como não tendo tido nenhuma contribuição para o pensamento moderno, excepto aquele adquirido no período colonial. Pelo contrário, os intelectuais africanos têm uma opinião muito diferente da dos europeus. Uma grande parte dos conhecimentos científicos e humanísticos foram descobertos e iniciados em África milhares de anos antes do desenvolvimento da civilização europeia. Quando os Europeus ainda vegetavam nas cinturas das florestas nórdicas, os Africanos do Norte estavam usando métodos complicados da matemática para dominar a técnica e o movimento das estrelas” .
Assim, no documento Woodrow Wilson and the Idea the Self-Determination of África, que Mondlane nos legou, a sua visão política mostra-se bastante próxima de um sistema político bastante descentralizado, com largos poderes para as bases, conseguidos através de um sistema federalista à semelhança do que acontecia nos Estados Unidos e, por conseguinte, bastante afastada do centralismo soviético. Na verdade, Mondlane depois de apresentar alguns princípios gerais para assegurar uma boa autodeterminação para a África moderna, admite o federalismo como resposta.
Para o fundador da nacionalidade moçambicana, “não existe liberdade dos povos sem liberdade dos indivíduos”. Quer dizer, a liberdade dos povos tem de ser a soma, se bem que não necessariamente aritmética, das liberdades individuais. É, por isso, que Liberdade e Democracia estão em Mondlane estreitamente ligados: “O mais básico princípio donde proveio a ideia de autodeterminação deriva das proposições do século dezoito, de que os governos devem apoiar-se no consentimento do governado, com a pretensão adicional de que, já que o homem é um animal nacional, o governo para o qual ele dará o seu consentimento é aquele que representa a sua própria nação” .
Portanto, fica a indicação de que a escolha do liberalismo, que a temática da liberdade nos moldes que temos vindo a descrever supõe, não se cinge numa preferência política, mas sim é consequência de uma visão do homem e da sociedade. Assim sendo, são os seguintes os princípios que, na óptica de Mondlane, deveriam presidir a constituição de um governo, verdadeiramente, democrático: “sistemas de governo que tivessem em conta, primeiro que tudo, os direitos humanos gerais; em segundo lugar, os direitos das várias secções geográficas, assim como os agrupamentos étnicos que compõem a maioria dos estados modernos de África. E, em conexão com estes princípios, Mondlane retoma a clássica divisão de poderes proposta por Montesquieu.
É esta partilha de poderes por vários órgãos independentes que permitirá uma maior transparência e, consequentemente, uma maior participação dos indivíduos, bem como um controlo mais eficaz sobre os detentores dos cargos públicos. Aliás, a colegialidade foi a nota dominante do exercício do seu mandato enquanto presidente da Frelimo.
Depois de descrever o seu sistema de governo e de indicar a sua finalidade, Mondlane termina o documento que temos vindo a citar, por uma definição da democracia: “Democracia é um sistema de Governo onde a sociedade é ordenada por meio de leis feitas e interpretadas por indivíduos que são, em última instância, responsáveis e renováveis na comunidade. Logo, apesar de afirmar o primado das leis que garantam um tratamento igualitário e justo, não descura a influência dos indivíduos que são, em última instância, os juízes dessas mesmas leis. E o indivíduo aqui é entendido nas suas várias manifestações e especificidades individuais concretas”.
Os mesmos invocam a seguinte passagem do livro Lutar por Moçambique, como o único texto de Eduardo Mondlane:
“Uma vez que a finalidade da guerra é construir um Moçambique novo, e não apenas destruir o regime colonial, todos temos que ter ideias acerca do modo de organizar a futura nação; mas isso ainda está muito longe para podermos discutir formalmente nesta fase.
A nossa política quanto às questões imediatas pode apenas dar alguns tópicos para o futuro. A estrutura da FRELIMO pode também ser olhada como precursora dum corpo político nacional. Faz parte da essência desta estrutura, porém, que as ideias venham do povo; que os membros dos Comités Executivo e Central sejam livremente eleitos e possam, portanto, mudar.
O eleitorado vai crescendo à medida que novas áreas vão sendo libertadas e que novos chefes vão surgindo a todos os níveis. Daqui por dez anos todo o executivo pode ter mudado. Assim, ao discutir o futuro, posso apenas invocar as minhas próprias convicções; não posso predizer o que será decidido por um Comité Central que ainda não existe”.
Todavia, a visão subjacente no texto supracitado, que é, sem dúvidas, bastante elegante para um político hábil como Mondlane, testemunha uma fé inquebrável na democracia e na capacidade do povo de Moçambique para se regenerar e decidir o seu próprio destino.
Mondlane aparece na visão de Alexandrino José como claudicante, devido ao facto de a abundante obra que nos deixou escrita carecer de uma divulgação adequada, facto que também serviu para ocultar o seu verdadeiro projecto político e atrelá-lo, de forma velada, ao marxismo que tomou o país logo após a independência.
Na verdade, basta o sobredito para se adivinhar que Mondlane é um pensador político liberal, cujas teoria e acção se enquadram e se percebem só num contexto de liberalismo político de feição americana progressista. Mas, felizmente, Mondlane foi suficientemente claro e legou-nos por escrito a sua perspectiva filosófica e política, pelo que não existem margens para dúvidas nem lugar para especulações.
Assim, ao falar de um Mondlane liberal em oposição aos clichés marxistas a que quiseram associar-se-lhe, embora possa parecer para alguns exagerado, na medida em que devido ao silêncio que se criou à volta das suas ideias políticas, desenvolveu-se a ideia de que morreu sem ter tido tempo para clarificar o seu posicionamento político e filosófico.
Esta é uma opinião defendida, como disse, até por alguns estudiosos, como Alexandrino José que diz: “embora não tivesse arquitectado um modelo da sociedade pós-colonial, deixou algumas indicações das perplexidades que tinha quanto aos males que caracterizavam a sociedade e o Estado pós-colonial em África ”.
Pedro Borges Graça, que fez um estudo apreciável sobre Eduardo Mondlane, embora com o mérito de denunciar o silêncio cúmplice que se instalou à volta do ideário político de Mondlane, não foi para além de especulações acerca do projecto político de Mondlane, como pôde sugerir esta passagem da viúva de Mondlane, Janet Mondlane, citada por Graça: “Com base no seu livro, não é possível dizer o que teria acontecido em Moçambique se ele tivesse sobrevivido, e não é importante sabê-lo” .
Para nós, é importante sabê-lo e não só com base num único livro, por cima organizado, embora tenha sido revisto pelo autor e por Sérgio Viera, um político conhecido.
Sem sombra de dúvida, este estudioso não poderia ter sido mais contundente e estar mais certo. Não obstante, não deixa de se mostrar bastante equivocado, quando sugere que sobre o projecto de Mondlane apenas é possível especular. Diz mesmo que os seus conhecimentos, enquanto psicólogo social e antropólogo, teriam-no conduzido para uma orientação diferente daquela que foi seguida depois da independência.
Desta feita, longe de confrontar o liberalismo tal como fez a geração de políticos que comandou o país depois de Mondlane, as suas aspirações estavam de comum acordo com esta teoria social e é ela que vai orientar e inspirar Mondlane na formação da primeira força política que dirigiu, mesmo antes de embarcar aos Estados Unidos: o Núcleo dos Estudantes do Ensino Secundário de Moçambique (NESAM).
Eduardo Mondlane era entre todos, o único líder africano formado em ciências sociais, por isso mesmo, teoricamente, o mais capacitado para pôr e discutir a questão colonial não só em termos políticos da partilha de poder, mas também em termos filosóficos e intelectuais de toda a problemática que ora se impunha, que era a das relações internacionais entre povos, por um lado, e, por outro, a das relações no interior dos estados, de nações e povos de raças e etnias diferentes, bem como entre as várias classes sociais que se instauram dentro de uma sociedade complexa.
Para Mondlane, o problema colonial não era uma extensão da luta de classes, como queriam aqueles jovens próximos do partido comunista português e inspirados pela resistência portuguesa contra o regime de Salazar. Na óptica de Mondlane, a questão colonial revestia-se de uma forte componente racial e a sua solução não estava fora, mas sim dentro do liberalismo. A questão colonial não era económica como queria Marx, mas sim, tinha que ver com a liberdade e a igualdade entre todos os seres humanos.
Isto explica a razão pela qual Marcelino dos Santos, que já tinha ocupado postos de relevo no contexto dos movimentos de libertação da África, dita portuguesa, só conseguiu maior visibilidade, para não dizer um controlo absoluto da Frelimo, depois da morte de Mondlane. A sua visão marxista e leninista entrava em rota de colisão com o chefe tradicional e ideólogo liberal que era Mondlane.
Para todos os efeitos, Mondlane ficou conhecido como o primeiro presidente da Frelimo, Movimento de Libertação de Moçambique, que, dez anos mais tarde, exactamente em 1975, proclamou a República de Moçambique e, dois anos depois, em 1977, adoptou o marxismo como sua política oficial.
Aqui está o pano de fundo com o qual é preciso lidar sem preconceitos nem complexos, se quisermos repor a verdade sobre esta personalidade histórica e lendária do nacionalismo africano, em geral, e moçambicano, em particular.
Mondlane, primeiro presidente da Frelimo, afigurar-se como o pai da pátria moçambicana, apesar dessa ideia ser, hoje em dia, muito discutida e posta em causa.
Embora, a verdade seja dita, Mondlane não seja o fundador único daquele movimento político, ao menos, é um dos seus co-fundadores.
João M. Cabrita, no seu livro Mozambique, The Tortuous Road to Democracy, tem o mérito de demonstrar, uma vez por todas, dissipando todas as dúvidas, que Eduardo Mondlane é, de facto, um nacionalista moçambicano de inspiração americana e com ligações muito fortes com a administração Kennedy. Mondlane sente-se ligado à América mais pelas ideias do que por agendas políticas.
Assim, quando, em Abril de 1962, Eduardo Chivambro Mondlane, numa dissertação acerca da melhor forma de Governo, como se depreende no título mais que sugestivo desse seu trabalho, Woodrow Wilson and the Idea of Self-Determination in África, apenas concretiza, politicamente, aquilo que já estava cristalizado na sua mente, fruto de muitos e aturados anos de socialização americana e liberal, na verdade, nesse seu trabalho emblemático, declara sem rodeios:
“Defendemos que um Estado moderno deve conter na sua Constituição o seguinte: a) divisão de poderes; b) garantia dos direitos básicos; c) garantir aos tribunais um desempenho o mais independente possível do Governo; d) duas câmaras legislativas, uma na Câmara dos Representantes a ser eleita directamente, e um Senado ou Câmara dos Deputados representando as regiões, esta última com poder de veto para impedir determinadas propostas de lei de serem aprovadas prematuramente; e) finalmente, deve haver um governo central forte, que estaria encarregue de cumprir as decisões quer da legislatura, quer dos tribunais, bem como desenvolver políticas para todo o país.
Por isso, o pensamento político de Eduardo Mondlane tem que ser feito, parafraseando o documento supracitado, porque pode ser considerado a chave das suas ideias políticas, não só em virtude de ser o mais completo e rico em pormenores daquilo que ele sonhava vir ser Moçambique do futuro, mas também e, sobretudo, porque foi escrito em 1962, o ano em que nasce a Frelimo, tendo Mondlane se tornado o seu primeiro presidente. por isso é considerado um texto programático e fundacional. Na verdade, o documento em causa é escrito em Abril de 1962 e, dois meses depois, em Junho, a Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique, é constituída formalmente como instrumento de pressão para a independência de Moçambique.
Nesta óptica, podemos afirmar, sem margem para dúvida, que Woodrow Wilson and the Idea of Self-Determination funciona como testamento do pensador que, nesse mesmo ano, vai dar lugar ao guerrilheiro. Este artigo é, portanto, portador das ideias e dos ideais que Mondlane quis ver aplicados num Moçambique independente. É assim que o primeiro parágrafo deste último artigo será o manifesto que o presidente da Frelimo colocará no seu livro de combate Lutar por Moçambique:
“É costume entre os Europeus e Americanos conceber todo o pensamento humano como derivado do pensamento Ocidental. Os não europeus, especialmente os africanos, são supostos como não tendo tido nenhuma contribuição para o pensamento moderno, excepto aquele adquirido no período colonial. Pelo contrário, os intelectuais africanos têm uma opinião muito diferente da dos europeus. Uma grande parte dos conhecimentos científicos e humanísticos foram descobertos e iniciados em África milhares de anos antes do desenvolvimento da civilização europeia. Quando os Europeus ainda vegetavam nas cinturas das florestas nórdicas, os Africanos do Norte estavam usando métodos complicados da matemática para dominar a técnica e o movimento das estrelas” .
Assim, no documento Woodrow Wilson and the Idea the Self-Determination of África, que Mondlane nos legou, a sua visão política mostra-se bastante próxima de um sistema político bastante descentralizado, com largos poderes para as bases, conseguidos através de um sistema federalista à semelhança do que acontecia nos Estados Unidos e, por conseguinte, bastante afastada do centralismo soviético. Na verdade, Mondlane depois de apresentar alguns princípios gerais para assegurar uma boa autodeterminação para a África moderna, admite o federalismo como resposta.
Para o fundador da nacionalidade moçambicana, “não existe liberdade dos povos sem liberdade dos indivíduos”. Quer dizer, a liberdade dos povos tem de ser a soma, se bem que não necessariamente aritmética, das liberdades individuais. É, por isso, que Liberdade e Democracia estão em Mondlane estreitamente ligados: “O mais básico princípio donde proveio a ideia de autodeterminação deriva das proposições do século dezoito, de que os governos devem apoiar-se no consentimento do governado, com a pretensão adicional de que, já que o homem é um animal nacional, o governo para o qual ele dará o seu consentimento é aquele que representa a sua própria nação” .
Portanto, fica a indicação de que a escolha do liberalismo, que a temática da liberdade nos moldes que temos vindo a descrever supõe, não se cinge numa preferência política, mas sim é consequência de uma visão do homem e da sociedade. Assim sendo, são os seguintes os princípios que, na óptica de Mondlane, deveriam presidir a constituição de um governo, verdadeiramente, democrático: “sistemas de governo que tivessem em conta, primeiro que tudo, os direitos humanos gerais; em segundo lugar, os direitos das várias secções geográficas, assim como os agrupamentos étnicos que compõem a maioria dos estados modernos de África. E, em conexão com estes princípios, Mondlane retoma a clássica divisão de poderes proposta por Montesquieu.
É esta partilha de poderes por vários órgãos independentes que permitirá uma maior transparência e, consequentemente, uma maior participação dos indivíduos, bem como um controlo mais eficaz sobre os detentores dos cargos públicos. Aliás, a colegialidade foi a nota dominante do exercício do seu mandato enquanto presidente da Frelimo.
Depois de descrever o seu sistema de governo e de indicar a sua finalidade, Mondlane termina o documento que temos vindo a citar, por uma definição da democracia: “Democracia é um sistema de Governo onde a sociedade é ordenada por meio de leis feitas e interpretadas por indivíduos que são, em última instância, responsáveis e renováveis na comunidade. Logo, apesar de afirmar o primado das leis que garantam um tratamento igualitário e justo, não descura a influência dos indivíduos que são, em última instância, os juízes dessas mesmas leis. E o indivíduo aqui é entendido nas suas várias manifestações e especificidades individuais concretas”.
Fontes:
Ronguane, Samuel. Pensamento Político Liberal de Eduardo Mondlane;
Graça, Borges Pedro. O projecto de Eduardo Mondlane”, Edição da Universidade Técnica, 2000;
Mondlane, Eduardo. Woodrow Wilson and the ideia of self Determination in Africa; Boston, 1962;
José, Alexandrino. (Nota introdutória de)in: Lutar por Moçambique de Eduardo Mondlane, Edição dos CEA.
José Belmiro - O PAÍS – 03.02.2009
Texto citado em http://www.macua.blogs.com/.
NOTA:
A melhor homenagem que podemos prestar a Eduardo Mondlane é aprofundarmos o estudo sobre a sua vida e pensamento.
Eu, por exemplo, gostaria de saber como foi possível a Frelimo transformar-se num movimento tribalista e marxista apóa a morte de Mondlane.
Também gostava de saber todos os pormenores sobre a morte de Mondlane, a história da Frelimo não é fiável, so recentemente ficamos a saber que a bomba que vitimou Mondlane afinal deflagrou em casa de Betty King.
2 comments:
Todos os que sonhamos com uma verdadeira democracia na acepcao da palavra, gostariamos de saber a verdade sobre a morte de E. Mondlane e todos os outros detalhes sobre este grande homem. Quem sabera melhor do que ninguem, serão os que privaram de perto com ele, nomeadamente a sua mulher e parentes proximos. O que dizem eles sobre as suas verdadeiras ideias, linha de pensamento, linha politica, visao para Mocambique, como era ele como homem, companheiro, amigo, Pai, filho, etc. Isso tudo interessa saber, mas não em linhas gerais, mas em pequeninos detalhes para compreendermos melhor a magnitude deste nobre homem. Convem nunca o esquecermos e investigarmos a sua vida. A Frelimo pouco ou nada comenta sobre o verdadeiro Mondlane! Porque sera? Nao lhes convem? Tem receio de algo? Estao escondendo algo que nao devemos saber? Creio que a resposta a todas estas perguntas é um SIM. Se meditarmos melhor, E. Mondlane não tem nada a ver com a Frelimo do tempo do ditador S. Machel e nem com a Frelimo corrupta dos dias de hoje. Um abraço da Maria Helena
Sentimos que existe uma cospiração de silencio à volta da memoria de Mondlane, e a razão é mesmo essa, Mondlane não tem nada a ver com esta Frelimo ou com Samora.
Abraço forte!
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