A Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, tem cobertura constitucional para gerir de forma autónoma as províncias de Sofala, Manica, Tete, Nampula, Zambézia e Niassa, onde conquistou a maioria dos votos nas últimas eleições gerais, segundo Gilles Cistac, professor catedrático de Direito Constitucional e director-adjunto para a investigação e extensão na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a maior instituição de ensino superior no país.
Para tal, pode-se evocar o número 04, do artigo 273 da Constituição da República, sobre as “categorias das autarquias locais”, que determina que “a lei pode estabelecer outras categorias autárquica superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação”. E em vez de “regiões autónomas”, passariam a se denominadas “províncias autónomas”, que é a designação mais abrange no âmbito da lei em alusão.
Aliás, apesar de a Constituição da República determinar que Moçambique se organiza territorialmente em províncias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações, a “Perdiz”, de acordo o nosso interlocutor, quando fala de “região autónoma” refere-se à província.
Neste contexto, o que se pode fazer é transformar as províncias numa autarquia local, “o que é constitucional”, e o legislador (a Assembleia da República) pode acomodar a questão sem precisar de efectuar alterações na Lei-Mãe.
Num outro desenvolvimento, o nosso entrevistado explicou que uma das implicações da concretização da criação de “regiões autónomas” no centro e norte do país seria a transferência de competências dos actuais governos provinciais para a nova administração. “Isso para mim deve ser estudado porque é uma proposta interessante e uma oportunidade para a implantação qualitativa da democracia local”.
A ideia de se implantar “regiões autónomas” no país foi anunciada pelo líder da Renamo, no sábado passado (24), em Quelimane, em substituição do “governo de gestão”, que nunca foi acolhido pelo partido no poder nem pelo Executivo.
Desde modo, perguntámos a Gilles Cistac sobre até que ponto as exigências deste partido podem ser postas em prática, uma vez que Afonso Dhlakama já habituou o povo a declarações contraditórias e volúveis. Ele considerou que tudo depende das negociações que Dhlakama for a fazer com a sua contraparte, mas se por alguma razão abandonar o plano de governar Sofala, Manica, Tete, Nampula, Zambézia e Niassa vai, eventualmente, obter benefícios atribuídos pelo Estado.
Contrariamente às declarações do Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, e do governador da província de Maputo, Raimundo Diomba, proferidos na quinta-feira (29), segundo as quais a formação política liderada por Afonso Dhlakama pretende fomentar o divisionismo da Nação, Gilles Cistac considerou que se este partido ganhou nas seis províncias onde reclama autonomia, significa o povo votou nele e a lei abre espaço para poder governar.
“A gente fala da Renamo mas quem votou nela foram os moçambicanos. Vamos admitir que o presidente da Renamo abandone esta ideia”. Se tal acontecer, o Executivo dará, infalivelmente, alguma coisa à sua contraparte, que “não pode sair sem nada. Se amanhã o legislador pretender transformar a província numa autarquia pode fazê-lo e introduzir uma lei experimental que diz que nas províncias onde a Renamo ganhou as eleições se vai ensaiar um sistema de autarquia local de nível provincial”, disse o professor catedrático, acrescentando que este procedimento não extingue, de forma alguma, os municípios que se encontram dentro da província e continuam autónomos mesmo em termos das suas competências.
Na óptica do nosso entrevistado, se as partes optarem pelo ensaio do novo modelo de governação exigido pelo antigo movimento rebele de Moçambique, durante os próximos cinco anos, poder-se-á apurar a funcionalidade ou não deste sistema, que em caso positivo pode ser estendido a todas as províncias moçambicanas. “A Renamo continua(ria) dentro do Estado de Direito. O Tribunal Administrativo exercer(ria) o seu trabalho normalmente e o país permanece(ria) unitário. Tudo continua(ria) a funcionar no âmbito da Constituição”.
@VERDADE - 30.01.2015