Ainda não se conhece, muito bem, o nome do que os cerca de 25 milhões de moçambicanos são actualmente obrigados a assistir e a sentir os efeitos perversos sobre as suas vidas. Não se sabe se é guerra. Não se sabe se é guerra “não declarada”. Não se sabe se são acções de “terrorismo” protagonizadas por este ou aquele grupo. Não se sabe se é simples desordem pública.
O que é verdade e todos concordamos, é que o país não está bem. Não está bem politicamente e não está bem, também, em termos de ordem, segurança e tranquilidade públicas. Para completar o azar dos 25 milhões de moçambicanos e porque o azar nunca vem só, estamos hoje a viver o dilema de termos sido obrigados a carregar o pesado e insuportável fardo do que já apelidamos de “crise da dívida pública”.
Esta é que é a verdade. A questão que se coloca, sem descurar a pergunta sobre as soluções que devem ser elencadas para ultrapassar esta realidade, é: quem é responsável por essa imagem que pinta de negro todo um país e toda uma nação?
Não se consegue unanimidade na busca de respostas para esta pergunta. Uns dizem que os culpados são governantes. Outros dizem que somos todos nós, porque nós deixamos os governantes serem donos únicos do país e, daí a fazerem e desfazerem a seu bel prazer.
Outro grupo ainda entende que os culpados somos todos nós porque, além de buscarmos soluções, ficamos a apontar o dedo contra este ou aquele, exibindo, no fim, a nossa preguiça e falta de criatividade colectivas. Mas há também aqueles que preferem sacudir completamente o capote, apontando dedo acusador ao que se chama “mão externa”.
Estes últimos, até hoje, culpam o colonialismo pela pobreza a que está voltada maior parte dos países do continente africano. É este grupo que entende que, se não fosse o colonialismo, a graça divina ter-nos-ia feito ricos. E hoje seríamos ricos. Este é o grupo que, por mais diminuto que seja, é tão barulhento porque tem o controlo dos meios para difundir as suas teses.
É este grupo que, num desses dias, um reitor de uma das mais renomadas universidades do país chamou-os cachorros que tem a missãode latir e fazer muito barulho quando o barulho convém ao seu dono. É esta a estória de culpabilizar o vizinho pelos nossos fracassos e fraquezas. Há sempre uma “mão externa” por detrás da pobreza, das dívidas, das guerras, das valas comuns, dos corpos espalhados pela mata e, por aí além.
Vem tudo isto a propósito da frente que o ressuscitado e telecomandado G40 abriu contra uma agência noticiosa internacional. A agência portuguesa de notícias, a Lusa.
Em relação a agência já tudo este grupo disse e até já aconselhou à expulsão do delegado da Lusa, Henrique Botequilha e o encerramento da agência. Tudo porque, segundo este grupo, que prefere justificar tudo a partir da “mão externa”, entende que a Lusa mentiu, a mando dos patrões europeus, ao dizer que existia uma vala comum em Canda, Gorongosa, província de Sofala.
O que se diz é que, na última sexta-feira, o Botequilha assumiu, durante uma audição parlamentar, terem sido cometidos erros de todos os tamanhos e feitios nas notícias publicadas pela agência Lusa, no caso da vala comum. E o facto de o Botequilha ter supostamente admitido erros, significa que as notícias publicadas são falsas e tinham o intuito único de manchar a boa imagem e reputação do país. Nisto, alguns órgãos de comunicação viram a oportunidade de ressuscitar o G40 que tudo um pouco já disse, exigindo a responsabilização criminal da Lusa pelo facto de ter “sujado” o nome do país.
Tudo mentira. Grosseira mentira.
Calúnia contra uma agência de informação que, até prova em contrário, é fiável e recomendável.
O facto é que o Botequilha, em nenhum momento da audição parlamentar admitiu erros. Lamentou sim o facto de o colaborador da Lusa, o André Catueira, não ter conseguido, a par de outros colegas, chegar ao local indicado pelos camponeses como albergue da vala comum.
E as razões são claramente conhecidas. Não há condições de segurança para se chegar lá, tendo em conta a situação de conflito que se assiste na zona.
A questão é que as populações denunciaram e numa zona de conflito (declarado ou não), com corpos espalhados pela mata, qualquer mente lúcida colocaria sim nível elevado de fiabilidade e veracidade de a zona ter sim uma vala comum.
E a falta de confirmação visual, não tira o carácter noticioso das denúncias feitas pelos camponeses locais.
E mais, por perto, há corpos espalhados, o que adensa a hipótese da existência da vala.
Sobre a discussão dos números da vala comum, o importante é entender que, segundo as Nações Unidas, entende-se por vala comum, o local onde forma depositados, no mínimo, três corpos não reclamados ou não identificados. Portanto, se são três, dez, quarenta ou cento e vinte corpos, não é esta a questão de fundo. O facto é que os camponeses viram uma cova contendo corpos humanos.
Portanto, achamos nós que as conversas que andam aí com o G40 (com espaço cativo nos órgãos de informação públicos) estão, deliberada e dolosamente, a desfocar o que nos interessa discutir, neste momento.
Temos a crise da dívida e temos a situação política e militar.
Isso sim, é prioritário.
Em relação as notícias da Lusa, o foco de discussão, sugerimos nós, deve ser a necessária investigação.
Investigação no sentido de apurar, até que ponto, as denúncias dos camponeses tem razão de ser. Depois disso, é importante esclarecer, com argumentos convincentes, de onde vem os 15 corpos visualizados pelos repórteres (a Polícia fala de 13 e o Ministério da Justiça fala de 11).
Isso é o que de facto nos interessa discutir. Deixemos a “mão externa” porque o foco na “mão externa” só perpetua a nossa pobreza, miséria e preguiça .
(fernando.mbanze@mediacoop.co.mz )
MEDIAFAX – 31.05.2016, no Moçambique pata todos