Eleicoes-Gerais- 51-15-09-19
A actuação de agentes da Casa Militar da Presidência da República, um comando especial das forças de defesa e segurança, responsável pela protecção do presidente da República, pode estar por detrás da tragédia de Nampula, que causou a morte de pelo menos 10 pessoas e aproximadamente 100 ficaram feridas.
O incidente aconteceu no dia 11 de Setembro no Estádio 25 de Junho, em Nampula. Um reduto com capacidade de acolher 5 mil pessoas, mas que, de acordo com os presentes, tinha muito mais pessoas. O candidato da Frelimo à sua própria sucessão na presidência da República, Filipe Nyusi, havia acabado de sair do Estádio quando milhares de pessoas tentaram sair ao mesmo tempo e usando um único portão aberto. Alguns caíram e foram pisoteados até à morte. Outros morreram no hospital e dezenas contraíram ferimentos. Nenhuma televisão mostrou o momento do incidente e nem há imagens nos smartphones a circular nas redes sociais, como seria de se esperar. Afinal o que causou esta tragédia?
Nos quatro dias que seguiram ao incidente, o Boletim investigou o caso, conversando com pessoas presentes no evento, incluindo jornalistas e agentes da Polícia, e traz novos elementos sobre o incidente.
Milhares de pessoas foram mantidas no estádio, durante longas horas, sem permissão para sair. O comício de Filipe Nyusi estava acompanhado de espectáculo musical gratuito. Milhares de pessoas locais e outras trazidas dos distritos da província de Nampula estavam no local para receber Filipe Nyusi na cidade onde a última vez que a Frelimo ganhou foi há 11 anos. A Frelimo perdeu as eleições autárquicas em 2013, tendo ganho o MDM. Em 2017 houve eleição autárquica intercalar e ganhou o candidato da Renamo. Em 2018 voltou a ganhar o candidato da Renamo nas eleições autárquicas.
Diferentemente dos demais candidatos presidenciais cuja segurança em campanha é garantida pela Polícia da República de Moçambique (PRM), na campanha de Filipe Nyusi, a segurança está ao cargo de agentes da Casa Militar.
“É função da Casa Militar proteger os locais ocupados, permanentemente ou a título provisório, pelo Chefe de Estado, incluindo regulamentar e controlar o acesso às zonas ocupadas pelo Presidente da República”, conforme refere a presidência da República.
Os agentes da casa militar, dirigidos pelo próprio Chefe da Casa Militar, General Joaquim Mangrasse, bloquearam os três portões existentes no estádio, não permitindo a entrada e saída de pessoas desde o período em que Filipe Nyusi entrou.
O discurso de Nyusi estava previsto para às 15 horas. A partir destas horas ninguém mais podia sair do local. Mas Nyusi chegou com atraso de cerca de meia hora. Discursou até perto de 17 horas. Enquanto Nyusi falava, milhares de pessoas foram tentando sair do local, incluindo jornalistas. A segurança da Casa Militar não deixou que as pessoas saíssem.
“Eu próprio quis sair e fui impedido. Acabei saindo pela porta pequena pois estava acima da hora do fecho”, contou um jornalista ao Boletim.
As pessoas foram se aglomerando perto do único portão que esteve aberto durante o dia, mas não foram permitidos a sair. Assim que Filipe Nyusi e a sua comitiva abandonaram o local, as pessoas já há muito aborrecidas de permanecer no recinto, quiseram sair ao mesmo tempo, gerando-se a confusão.
À altura da tragédia, os jornalistas da comitiva da campanha de Nyusi e grande parte dos agentes da Casa Militar já haviam saído do local. Quando a notícia do incidente começou a se espalhar pela cidade, os jornalistas correram para o Hospital Central de Nampula para tentar captar imagens de feridos que iam dando a entrada, mas de novo os agentes da Casa Militar entraram em acção e impediram os jornalistas de realizar o seu trabalho.
Pelo menos quatro jornalistas foram agredidos e impedidos de captar imagens. Os que já haviam captado algumas imagens foram obrigados a apagar sob ameaças de torturas por homens empunhando armas de fogo.
“Eufrásio Gilberto, operador de câmara da HAQ TV (uma televisão islâmica local), foi ameaçado com uma arma de fogo do tipo pistola quando era forçado a entregar a máquina. Leonardo Gimo, da TV Sucesso, foi forçado a apagar todas as imagens que tinha conseguido captar”, contou-nos um jornalista que presenciou a cena no HCN. Um operador câmara da STV, uma das maiores televisões nacionais, também terá sido vítima da operação dos agentes da Casa Militar.
CIP