Monday, 26 February 2018

Moçambique é o país africano com mais dívida estrangeira face ao PIB


Standard and Poor's considera que Moçambique é o país da África subsariana com maior percentagem de dívida em moeda estrangeira. Regresso aos mercados? Só com acordo com o FMI.





A Standard & Poor’s (S&P) considera que Moçambique é o país da África subsariana com a maior percentagem de dívida em moeda estrangeira (84%) e que não voltará aos mercados antes de um acordo com o FMI.

Segundo um relatório sobre a emissão de dívida prevista para os países da África subsariana este ano, enviado aos investidores e a que a Lusa teve acesso, Moçambique não deverá voltar aos mercados financeiros internacionais “em 2018, devido ao recente incumprimento financeiro” sobre o pagamento da emissão de dívida em moeda estrangeira (‘eurobond’) de 2016 e dos empréstimos das empresas públicas.
“Não antevemos que Moçambique vá emitir dívida nos mercados internacionais em 2018; acreditamos que o país vai primeiro tentar negociar um programa com o Fundo Monetário Internacional” (FMI), escrevem os analistas da S&P.
No total, o relatório da S&P sobre a dívida pública dos 17 países que a agência de ‘rating’ avalia na África subsariana mostra que estes países vão endividar-se em mais 57 mil milhões de dólares este ano.
Este valor representa uma subida de 7,4% face aos 53 mil milhões de dívida emitida no ano passado e comprova que a crise dos preços das matérias-primas, iniciada em 2014, continua a afetar fortemente estas economias dependentes dos recursos naturais para equilibrarem os orçamentos.
“Esta subida reflete o aumento das emissões planeadas pelos maiores emissores, do ponto de vista histórico, [que são] África do Sul e Angola”, lê-se no documento, que aponta que, no caso do país lusófono, o endividamento “deve-se parcialmente a grandes amortizações previstas para 2018”, enquanto na África do Sul a subida explica-se pela “fraca trajetória orçamental”.
Nos restantes, aponta o documento, as necessidades de financiamento vão manter-se relativamente estáveis, o que “reflete um equilíbrio entre o ambiente ligeiramente mais favorável no mercado das matérias-primas e o aperto nas condições de financiamento decorrente da normalização da política monetária norte-americana”.
No total africano, a S&P espera que o ‘stock’ de dívida comercial chegue a 392 mil milhões de dólares no final deste ano e que o total (incluindo a concessional, a preços mais baixos do que os de mercado) atinja os 514 mil milhões de dólares.
O relatório da S&P surge em linha com as preocupações repetidamente manifestadas pela diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, que admitiu numa entrevista recente que 2018 pode ser o ano em que o problema da dívida vai explodir em África.
Numa entrevista à revista eletrónica Quartz, Lagarde, quando questionada sobre o perigo de o problema da dívida explodir em 2018, respondeu: “Pode muito bem ser”.
Para a líder do FMI, “o que pode desencadear esses sérios desenvolvimentos são, na verdade, as melhorias nas economias avançadas, nomeadamente a valorização de algumas moedas, e o aperto da política monetária norte-americana e talvez na zona euro, que tornam o fardo da dívida mais pesado nalguns países.



Lusa

Tuesday, 20 February 2018

Alguém sabe o que aconteceu a Américo Sebastião. Moçambique esconde um delito comum ou um crime cirúrgico?



Empresário desapareceu há 19 meses sem deixar rasto. Depois de um longo silêncio, ignorando a diplomacia e as autoridades portuguesas, Maputo falou publicamente pela primeira vez esta sexta-feira dizendo que não tem qualquer pista que ajude a explicar o caso. Esta é a história africana de um português cujo sonho era trabalhar em Moçambique. E dos cenários do que poderá ter acontecido.



Um ano e meio depois de ter sido raptado numa bomba de gasolina na Beira, no centro de Moçambique, há pelo menos três hipóteses para explicar o desaparecimento do empresário português Américo Sebastião.
Todas são sombrias e especulativas.
Esta sexta-feira, na que foi a primeira declaração pública sobre o caso, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) afirmou, pela voz do seu director na província de Sofala, que “até ao momento o cidadão português não foi localizado, assim como não foi achado qualquer corpo com as suas características”.
Com base nas inúmeras entrevistas que o PÚBLICO fez a familiares, colegas e amigos do empresário, e a vários diplomatas, deputados, investigadores, analistas e especialistas em assuntos africanos, em Portugal e em Moçambique, ao longo dos últimos meses é no entanto possível construir três cenários. Foi uma punição política, uma tentativa de lhe tirar as concessões de exploração da floresta ou um delito comum?
O primeiro cenário aponta directamente para os esquadrões da morte, uma tropa de elite que, sendo informal, será constituída por forças da segurança nacional no activo e comandada ao mais alto nível pelas próprias autoridades. Segundo esta tese, as ordens para eliminar Américo Sebastião, de 49 anos, vieram de cima” e tudo foi executado com rigor e a intenção expressa de eliminar um empresário que se tornara “incómodo” para a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o partido que está no poder desde a independência, há 43 anos.
Os pormenores do rapto são decisivos para dar forma a esta hipótese, que é defendida em alguns círculos oficiais portugueses. O onde, como, quem, quando e porquê. Américo Sebastião foi raptado numa estação de serviço onde trabalha um homem que, segundo várias fontes ouvidas, é militante da Frelimo na província de Sofala e além disso - ou por isso mesmo - é bem conhecido tanto pela Frelimo como pela Renamo, o partido da oposição cujos antigos combatentes do tempo da guerra civil continuam acantonados no distrito da Gorongosa que é, justamente, nesta província.
A carrinha dos raptores dentro da qual Américo Sebastião foi metido para nunca mais ser visto seria uma Mahindra cinzenta, da cor e modelo usados pelas forças de segurança moçambicanas, e os raptores estavam fardados com uniformes da UIR, Unidade de Intervenção Rápida. Essa “disponibilização de meios” é uma das peças que reforçam a convicção de que os autores do rapto foram operacionais com uma “guia de marcha” muito precisa. Testemunhas oculares terão dito às autoridades que a Mahindra não tinha matrícula. Também à polícia, uma testemunha terá garantido que viu um funcionário da bomba de gasolina fazer um telefonema e que, passados poucos minutos, os raptores chegaram. Eram seis e pouco da manhã de 29 de Julho de 2016.
Américo Sebastião, que foi viver e trabalhar para a Beira, capital de Sofala, em 2001, tinha algumas rotinas. Uma delas era “ir ao mato” duas vezes por semana, ou seja, ir aos locais onde se corta a madeira. Nesses dias, passava por Nhamapadza, onde às vezes dormia, e que fica a menos de um quilómetro desta estação de serviço. A bomba mais próxima fica a 30 quilómetros. Por isso, abastecia-se ali de gasóleo com frequência. Era sexta-feira, “dia de pagamento dos trabalhadores do mato, dia de comprar a comida para a semana seguinte e dia de abastecer”, contou ao PÚBLICO João Carlos Campeão, que trabalha na Beira numa das empresas de que o empresário português é sócio. “Eles esvaziaram a carrinha do Américo, tiraram todas as sacas de farinha de milho e o peixe seco e o dinheiro dos salários.”

DELITO COMUM?



Esta circunstância alimenta a contra-tese. Ou seja, dá força à hipótese — defendida por alguns diplomatas portugueses que conhecem África e por uma fonte policial - de tratar-se de um crime de delito comum, não muito diferente do que levou ao assassinato, em Dezembro, de duas portuguesas nesta região: Inês Botas, de 28 anos, morta na Beira, e Maria Laura Pereira, de 72 anos, morta em Chimoio, Manica, a província que faz fronteira com Sofala. “Inês Botas foi morta por causa de 400 euros”, sublinha um diplomata. E não houve resgate. “Porque não há um pedido de resgate no caso de Américo Sebastião? O resgate é uma indústria com altos e baixos, mas que tem perdurado em Moçambique...”
Os que acreditam na hipótese do delito comum sublinham o facto de, a seguir ao rapto, um cartão de débito de Américo Sebastião ter sido usado para fazer 33 levantamentos de 5000 meticais cada, os primeiros dos quais no próprio dia 29 de Julho, na Beira, ao fim da tarde. Os criminosos levantaram dinheiro até esgotarem a conta — 160 mil meticais (2115 euros). Há imagens captadas pelas câmaras de vigilância que mostram um dos homens que usaram o cartão de Américo Sebastião. O facto de nunca terem sido tornadas públicas levanta questões à família e à oposição moçambicana. “Porque não espalham as imagens dos indivíduos que aparecem nas imagens das câmaras dos ATM e da própria bomba de gasolina?”, pergunta, a partir de Maputo, Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Renamo. Essas imagens, diz ao PÚBLICO a deputada e sobrinha de Afonso Dhlakama, líder histórico do partido, “poderiam ser divulgadas na imprensa para solicitar informação ao público que, desse modo, poderia ajudar na identificação”.
Para os leigos, não é claro se as fotografias captadas no sistema interno dos bancos, e às quais o PÚBLICO teve acesso, são suficientemente distintivas para identificar suspeitos, embora incluam várias perspectivas do rosto. Mas a divulgação deste tipo de imagens não obedece a uma regra única, alerta um especialista em investigação criminal. “Nem sempre interessa publicar”, pois há dois riscos clássicos: alertar os autores do crime e dispersar os investigadores, a partir daí “intoxicados” com informações inúteis. À partida, se há sequestro e levantamento de dinheiro, os dados apontam para um crime de delito comum, sobretudo tratando-se de um país onde a criminalidade é muito alta. “Faria sentido falar noutra motivação, que não a puramente económica, se não houvesse os furtos. Mas não  sabemos. Tudo é possível.”
Os que defendem a hipótese do crime político contrapõem com a ideia de que o delito comum pode ter servido apenas o propósito de encobrir a natureza política do rapto e despistar futuras investigações, criando a impressão de tratar-se de um assalto. “Não podemos esquecer que este é um país onde os crimes políticos são mascarados de crimes comuns e onde ninguém estranha que alguém seja assassinado”, diz um investigador criminal. “Ou mais simples ainda”, propõe um diplomata: “Juntaram o útil ao agradável.” Isto é, cumpriram a ordem de raptar e a seguir roubaram o que estava à mão. Mais um argumento: “O delito comum não mobiliza fardas da UIR, nem carrinhas Mahindra”, sublinha um diplomata. “Se fossem criminosos comuns, sem um mandato superior, iriam deixar esse rasto e ir 33 vezes a diferentes caixas de multibanco, arriscando-se a serem fotografados, como aliás foram?”
Há ainda outro aspecto a desfavor da tese da motivação material: quem fez os levantamentos de dinheiro não teve sequer a preocupação de sair da província. Foram de Nhamapadza para a Beira, a 350 quilómetros de distância (e seis horas de estrada) e nesse mesmo dia, por volta das 19h, fizeram o primeiro levantamento.  Todos os outros levantamentos foram também feitos na Beira e em apenas três caixas de multibanco da cidade: na Praça do Município, no Hospital Central e no Hipermercado Shoprite, na Avenida Samora Machel. Em nove dias, os responsáveis pelo desaparecimento de Américo Sebastião repetiram os roubos: dois levantamentos no dia do rapto; três no dia seguinte; seis a 1 de Agosto; três nos dias 2, 3, 4, 5 e 6; e, finalmente, sete levantamentos no dia 8. Quando a conta particular de Américo Sebastião ficou praticamente vazia, deixaram de o usar.


UMA “BOLEIA INGÉNUA” ATÉ À VALA COMUM



Quando Américo Sebastião desapareceu, ninguém avisou Salomé Sebastião, a sua mulher, que vive no Bombarral (distrito de Leiria), mas sempre manteve uma relação muito próxima com o marido. Nem os colegas, nem os sócios, nem o próprio filho Afonso — que na altura tinha 19 anos e chegara a Moçambique 25 dias antes para passar, como era hábito, um mês de férias com o pai — não a quiseram preocupar. “Acharam que ia ser como os outros raptos, que passado um dia ou dois vinha o pedido de resgate, pagava-se e libertavam o Américo”, conta Salomé Sebastião, com uma calma desconcertante. Mas isso nunca aconteceu.
intelligence europeia, que partilha informações sobre segurança em Moçambique, está há anos convencida de que os esquadrões da morte moçambicanos não só existem como têm relações muito próximas, senão mesmo de dependência directa, com o poder político. Ivone Soares, ela própria vítima de um atentado no seu círculo eleitoral da Zambézia, é directa: “É um facto que o Governo criou esquadrões da morte para acabar com militantes, dirigentes e pessoas suspeitas de serem amigos ou apoiantes da Renamo.” Num retrato geral, os serviços de informação sublinham duas características: os esquadrões têm operacionais particularmente bem treinados e, embora agindo em função de decisões tomadas ao mais alto nível, têm um razoável grau de autonomia.
No caso de Américo Sebastião, isto coloca um problema muito concreto: pode significar que a decisão de o raptar terá sido tomada com informação incompleta. “Poderá não ter ficado claro que o ‘elemento incómodo’ a eliminar era um cidadão português”, diz um profundo conhecedor do país. “E que quando apareceram as primeiras perguntas e tentaram travar, era tarde de mais.”
A tese do rapto político tem eco no relatório da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) sobre 2016, publicado há uns meses: “Pelo menos dez personalidades, incluindo altos quadros da oposição, investigadores, procuradores e académicos proeminentes, foram assassinados ou feridos em ataques com aparente motivação política.” O documento é minucioso: “Entre os visados estavam o advogado constitucionalista Gilles Cistac, morto a tiro em frente a um café no centro de Maputo, após ter recebido ameaças por ter defendido publicamente a constitucionalidade da exigência da Renamo para criar autoridades provinciais autónomas; o secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, atingido a tiro e ferido gravemente no centro da cidade da Beira, na província de Sofala; o membro da Renamo do Conselho Nacional de Defesa e Segurança José Manuel, morto a tiro no exterior do Aeroporto Internacional da Beira; um antigo deputado da Renamo e membro da equipa de conversações de paz, Jeremias Pondeca, morto a tiro numa praia em Maputo; e o comentador político e académico Jaime Macuane, atingido a tiro várias vezes nas pernas por homens que lhe disseram que haviam sido incumbidos de lhe ‘dar uma lição’.”
Logo a seguir, no capítulo referente a “homicídios não resolvidos”, a HRW escreve sobre a vala comum descoberta na região onde Américo Sebastião trabalha há anos. “Em Maio [de 2016], residentes locais descobriram pelo menos 15 corpos não identificados por baixo de uma ponte numa área remota entre as províncias de Manica e Sofala. No início, as autoridades ignoraram os pedidos de uma investigação rápida e completa e, de seguida, anunciaram que os corpos haviam sido enterrados porque o estado de decomposição tornara impossível a realização de autópsias. O Governo, sujeito à pressão de grupos de direitos humanos e da comunicação social, anunciou que iria exumar os corpos e conduzir uma investigação.”
Este caso poderá explicar a razão pela qual Américo Sebastião se terá tornado incómodo, acreditam várias fontes ouvidas pelo PÚBLICO em Portugal e em Moçambique. “E para a gente que é incómoda”, sublinha um diplomata, “há um modus operandi”.
“O Américo viaja muito”, conta o seu colega João Carlos Campeão. “Mais de 90% do tempo está a viajar. E vai sempre sozinho. E quase sempre, quando vai numa estrada e vê pessoas a andar a pé, pára e dá-lhes boleia. ‘Vá, sobe!’. Eu dizia-lhe: ‘Eh pá, Américo, não faças isso! Dás boleia a toda a gente, nem sabes quem pões dentro do carro...’ E ele respondia: ‘Não consigo. já viste quanto tempo é que as pessoas vão ter de andar.?’ ou ‘Já pensaste quando é que vão chegar?’ É aquele bom coração dele...”
Numa dessas viagens solitárias, o empresário deu boleia a uns homens que iam a pé na estrada e que, já dentro do carro, lhe perguntaram se ele sabia onde era a vala comum de que se falava na região e que uns camponeses teriam descoberto. Ele disse que sim e levou-os lá. “Era a dez quilómetros dali”, conta outro colega. O empresário só terá percebido que eram jornalistas mais tarde. “A vala é numa zona onde ele estava a tirar madeira nessa altura”, diz Campeão. “Foi tudo muito natural.” O certo é que, talvez por causa da reacção dos jornalistas moçambicanos quando lá chegaram, talvez por causa do que ele próprio viu, à noite Américo Sebastião já estava arrependido. “Hoje fiz asneira”, disse quando chegou a casa.
Quem o conhece bem diz que, à vontade de ajudar os outros, o empresário associou alguma ingenuidade. E não parou para pensar no óbvio: em Moçambique, ainda longe da paz, o gesto mais simples é visto como suspeito ou traição. Num país de “1001 olheiros”, como diz um amigo seu, a notícia da boleia chegou depressa à Frelimo e aos seus “oficiais de reconhecimento” — que informam o topo da hierarquia sobre onde há armas e quem são os “amigos” da Renamo. “Mostrar a vala pode justificar uma punição exemplar”, diz um especialista em política africana sem a mínima hesitação. “Não esqueça que em Moçambique a cultura interna é de eliminação.”
Américo Sebastião “tinha boas relações tanto com a Frelimo como com a Renamo”, garante uma fonte diplomática. “Nunca correspondeu à figura do português devedor das atenções do poder.” Terá, aliás, sempre apoiado a Frelimo financeiramente e nunca a Renamo. “Ele não estava em África há dois dias.”, diz uma pessoa próxima. Opera numa região que é o bastião tradicional da Renamo, mas um dos seus sócios é deputado da Frelimo e os dois são amigos há anos.
Américo Sebastião “tinha boas relações tanto com a Frelimo como com a Renamo”, garante uma fonte diplomática. “Nunca correspondeu à figura do português devedor das atenções do poder.” Terá, aliás, sempre apoiado a Frelimo financeiramente e nunca a Renamo. “Ele não estava em África há dois dias.”, diz uma pessoa próxima. Opera numa região que é o bastião tradicional da Renamo, mas um dos seus sócios é deputado da Frelimo e os dois são amigos há anos.
Na conferência de imprensa desta sexta-feira, o SERNIC não soube dar detalhes sobre o desaparecimento do empresário português. Mas para surpresa de muitos observadores disse que sabia que a Renamo lhe “exigia” dinheiro para conseguir passar os seus carregamentos de madeira pelas regiões controladas pelos antigos guerrilheiros. Esse cenário é, no entanto, difícil de compreender, uma vez que quem controlava as “colunas” criadas na altura em Sofala — barreiras de passagem de trânsito com horas determinadas — era a Unidade de Intervenção Rápida do Estado e não a Renamo.
Em 2016, quando surgiram rumores de que estava a apoiar a Renamo, dando-lhes comida e outros bens, Américo Sebastião respondeu calmamente que em Moçambique todos os patrões alimentam os homens que contratam para cortar árvores na floresta. “As pessoas não têm escrito na testa se são da Frelimo ou da Renamo. São os nossos trabalhadores e nós levamos comida para os nossos trabalhadores. Todos fazem isso em Moçambique. Os patrões alimentam os seus trabalhadores do mato. Os militares da Renamo são outra história, estão nas suas zonas. Sabe-se que têm bases aqui e ali, mas ninguém vai lá. Isso da Renamo são tudo histórias arranjadas. Esta zona é onde estão muitos simpatizantes da Renamo. Todos sabemos e isso não levanta problema para ninguém. É um facto, nada mais”, diz João Carlos Campeão de rajada. “Vamos deixar de dar trabalho às pessoas?”, pergunta. “Elas não têm escrito na testa em quem votam e nós não andamos a perguntar.” Além disso, sublinha, uma das regras dos contratos de concessão com o Estado é a de dar emprego à população local.
Américo Sebastião foi raptado no pico do regresso da guerra civil (2014-16), muitas vezes chamada de “tensão político-militar”, que só abrandou com o cessar-fogo de Dezembro de 2016. Num balanço desse ano, António Chichone, representante da Renamo para Portugal e para a Europa, diz que 100 membros do seu partido foram assassinados pelos esquadrões da morte e que 250 continuam desaparecidos.
revelação da vala comum fragilizou a Frelimo, que começou por negar a sua existência de forma categórica. “Os mentores desta informação levam consigo tendências de denegrir a imagem do distrito e do país [...] e confundir a comunidade nacional e internacional sobre a ordem, segurança e tranquilidade públicas que se vive no país. Pelo que reafirmamos que a informação é falsa. Também de igual modo pretende atacar profundamente os valores morais e humanitários plasmados na nossa Constituição da República de Moçambique. Repudiamos veementemente esta atitude de desinformação”, dizia o comunicado do administrador do distrito da Gorongosa, divulgado a 30 de Abril de 2016. Mais tarde, acabou por ser criada uma comissão parlamentar, mas não é conhecido um relato detalhado das conclusões.

INCÓMODO PORQUÊ?



Mesmo para os que estão convencidos de que Sebastião foi alvo de um “ataque com motivação política”, para usar a expressão do HRW, não é evidente qual foi o motivo. “Pode ter sido uma vingança por causa da vala comum, pode ter sido por causa de disputas relacionadas com a concessão da exploração da madeira, pode ter sido porque alguém achou que ele estava a pisar os pés a alguém”, diz um diplomata. “Não sabemos. O que sabemos é que foi tudo muito cirúrgico e que tudo indica que ele foi escolhido.”
O que levanta nova pergunta: se Américo Sebastião foi escolhido para ser punido mas está vivo, como é que se esconde um homem branco em África durante 19 meses? Se foi escolhido e houve “excesso de zelo”, um acidente, um gesto mais violento para lhe exigir o código do cartão de débito que, não sendo intencional, levou à sua morte, porque não criar uma narrativa lógica, fazer o corpo aparecer, e reatar as relações diplomáticas com Portugal, numa altura em que Moçambique tanto precisa de recuperar credibilidade internacional? “Impressiona muito que Maputo não tente sequer fazer algum teatro e responder às diligências para evitar ser visto como estando a ser acintoso em relação a Portugal”, diz um diplomata.
O facto é que a própria cortina de silêncio reforça a convicção dos que consideram a hipótese de um castigo por ordem das chefias políticas a mais provável. Há 19 meses que Maputo ignora todo e qualquer pedido de informação sobre o caso, recusa cooperação da Polícia Judiciária portuguesa, havendo precedentes de trabalho conjunto noutros raptos, não responde às cartas do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro António Costa, nem às dezenas de démarches feitas em diferentes instituições, da ONU ao Vaticano. O mal-estar entre Lisboa e Maputo não consegue ser disfarçado nem pelo pragmatismo das actividades bilaterais ou multilaterais. “Como é que não há absolutamente nada de nada que tenha transpirado?”, pergunta uma pessoa que acompanha o processo desde o início. “Nem dos contactos entre os chefes de Estado, nem dos encontros entre os serviços de informação, nem entre os amigos, os sócios. Ninguém sabe absolutamente nada?! Este silêncio é demasiado estranho. Alguém tem alguma coisa muito séria para esconder.” Se foi uma ordem política “de cima”, o silêncio pode querer esconder o embaraço do descontrolo, diz um empresário que trabalha em Moçambique. Se foi delito comum, porquê esconder?

A FLORESTA, O TERCEIRO CENÁRIO

Uma rivalidade relacionada com a concessão do corte de madeira é o terceiro cenário possível para explicar o desaparecimento do empresário português. No índice anual de desenvolvimento humano do PNUD, Moçambique está em 181.º lugar, pouco acima do país mais pobre do mundo, a República Centro-Africana (188.º). Não é por isso de estranhar que a floresta — que ocupa quase metade do território moçambicano — concentre muitos dos problemas do país.


E também não é preciso ir longe. Basta ler o que o ministro moçambicano da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, disse em Abril: Moçambique perde entre 150 e 200 milhões de dólares por ano em contrabando de madeira. No centro do país, especificou, há neste momento uma “corrida” pelo corte ilegal de ncula, uma madeira preciosa. “São [operadores] furtivos que já acabaram com essa madeira noutros países” e agora estão em Tete, uma província ao lado de Sofala, disse num Encontro de Reflexão com Operadores Florestais Madeireiros, citado pela Lusa.
Foi cinco anos antes, em 2012, que a Environmental Investigation Agency, uma ONG conhecida por publicar investigações incómodas feitas com base em informação recolhida ementrevistas undercover, nas quais os seus funcionários ocultam a sua identidade, publicou o relatório Appetite for Destruction — China’s trade in illegal timber. É nesta investigação que Moçambique aparece como case study — e é aí que aparece o nome de José Pacheco, na altura ministro da Agricultura e hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, identificado como um dos políticos com ligações opacas aos operadores da madeira, em particular os chineses.
O ministro da Agricultura actual parece ter uma postura diferente. No ano passado, lançou aOperação Tronco e mandou fiscalizar 120 estaleiros de exploração de madeira. Foram detectadas irregularidades em 75% das empresas operadoras e apreendidos 120 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Ainda assim é uma gota no oceano. Este é um negócio de muitos milhões, num país muito grande e muito pobre. “O regresso ao clima de guerra só piorou as coisas”, disse ao PÚBLICO um empresário com interesses no sector. Preocupado com o voraz desaparecimento da floresta nacional (segundo a ONU, em 1990 a floresta ocupava 55% do território e hoje ocupa 48%), o Governo passou a impor períodos de “defeso” durante os quais não se pode cortar árvores e congelou a emissão de novas licenças de exploração. “Isso trouxe um problema”, diz o mesmo empresário. “As áreas ‘desocupadas’ e não atribuídas a nenhum operador começaram a ser ocupadas por gente sem autorização. Com o conflito armado, aumentou a falta de fiscalização, sendo que em muitas destas áreas ocupadas ilegalmente os fiscais nem entram — têm medo.” Em Moçambique, a propriedade é toda do Estado e as concessões de terra são atribuídas aos privados por períodos de 50 ou 99 anos.
É aqui que entra aquilo que, para muitas das pessoas ouvidas, se resume numa palavra: inveja.
Américo Sebastião pode simplesmente ter sido vítima da inveja de alguém. Entre 2001 (quando chegou à Beira) e 2016 (quando foi raptado), o empresário conseguiu obter (com dois sócios e através de diferentes empresas) cerca de dez licenças para cortar madeira no país, todas por 50 anos, em três províncias, Sofala, Manique e Tete, e num total de 200 mil hectares. Há uns anos, um vizinho madeireiro ameaçou-o de morte. Ele não ligou. Como também não terá ficado preocupado quando a espanhola Ana Alonso, cuja concessão para cortar madeira (ainda maior) é à frente da sua, foi anulada pelo Governo, tendo desencadeado um processo judicial ainda a decorrer nos tribunais de Maputo.
Américo Sebastião vivia tranquilo, relataram várias fontes. Sabia que as concessões, mesmo que formalmente atribuídas por meio século, têm de ser renovadas com frequência e que basta a insatisfação das comunidades locais para serem anuladas pelo Governo. A avaliação é feita depois de os residentes e os régulos das áreas onde as empresas trabalham verificarem se os operadores cumpriram — ou não — o chamado “compromisso”. A comunidade reúne-se com a empresa que explora a floresta, o régulo diz o que o povo precisa, a empresa diz o que está disposta a fazer, há um encontro de vontades e, se há concórdia, escreve-se um documento que, para ser válido, tem de ser aprovado pelo administrador do distrito e, no fim, pelo governador da província.
Uma das razões que faziam Américo Sebastião acreditar na solidez do seu investimento era sentir que os trabalhadores gostavam de si e da forma como, ao longo de 16 anos, não só cumpriu todos os “compromissos” como os excedeu. Talvez por isso, não há registo de queixas, nem formais nem informais, contra nenhuma das empresas de que é sócio.
Os compromissos feitos por Américo Sebastião com as populações das aldeias e localidades ajudam a compreender o país: em Mazamba, as suas empresas fizeram uma escola com três salas de aula; em Macossa, fizeram um posto médico, um campo de futebol, ofereceram uma moto ao líder da comunidade e, como obras extras oferecidas além do que estava combinado no “compromisso”, ofereceram uma moagem e uma segunda escola; em Chadea, fizeram uma escola e um hospital e, como extra, pagaram a manutenção da escola, do hospital e ofereceram madeira para caixões; em Samatere, fizeram uma escola; em Macoco, fizeram uma escola e a casa dos professores e, como extra, ofereceram uma moto ao líder da comunidade; e em Nhamapadza, onde foi raptado, a empresa de Américo Sebastião fez a casa do régulo, uma escola e um furo de água. O “compromisso” é levado muito a sério e pode ser particularmente concreto, como o régulo que, no início de 2016, negociou com Américo Sebastião a construção de uma casa T3 mobilada.
“A generosidade do Américo é transbordante!”, diz Luís Leonor, um português que se mudou para Moçambique em 2011, inspirado por uma conversa que teve com ele numa reunião do núcleo das Caldas da Rainha da rede Business Network International (BNI), criada nos anos 1980 nos EUA para ajudar a aumentar os negócios dos seus membros. Essa conversa sobre Moçambique “foi deliciosa”, conta Luís Leonor. “E levou-me logo a querer ainda mais realizar o sonho de vir a Moçambique para conhecer e desenvolver o meu negócio.” Américo Sebastião, conta este amigo próximo, “tem uma forma especial de contar histórias e tem sempre uma palavra sábia”. Foi ele quem, depois dos primeiros seis meses de trabalho na Beira, e quando surgiram “desafios com os sócios de Portugal que na altura pareciam gigantescos”, lhe deu jantar várias vezes para conversar e quem, numa dessas noites, lhe disse: “Já tens idade para conhecer o segredo!”. “O Américo saiu da sala e voltou com um computador portátil. Colocou um filme a passar, que ficámos a ver durante uma hora e meia. O filme era O Segredo e fala sobre a ‘lei universal da atracção’. A partir desse momento toda a minha vida mudou. Os meus últimos seis anos têm sido fantásticos muito graças ao meu contacto com o Américo. Foi com ele que adquiri o hábito de pensar positivo e acreditar que tudo é possível.”
Outra pessoa, que pediu o anonimato, contou que Américo Sebastião conseguiu que um português que morava na Manga, Beira, e que ele nem conhecia, fosse libertado da prisão depois de acusado de colaborar com a Renamo. Quando soube do desaparecimento do empresário, esse homem foi visto, muito emocionado, em eventos da comunidade portuguesa da Beira, a pedir aos diplomatas portugueses que fizessem tudo para o encontrar. “O Américo tem aquele pormenor dele: quando vê um amigo, pára. Se ele sente que a pessoa precisa de ajuda, faz logo alguma coisa. Fez isso comigo. Foi ele que me deu a mão quando eu precisei”, diz Campeão. “Tenho 60 anos. Nunca conheci ninguém como o Américo. Não é justo que ele não esteja vivo. Não pode ser.” As histórias multiplicam-se. Há a do miúdo que veio de uma zona remota, sobrinho de um trabalhador, e a quem Sebastião passou a pagar casa, alimentação e educação. Ou a do homem deficiente mental, que diz adeus com os dois braços no ar, e a quem, não conseguindo emprego em lado nenhum, Sebastião deu trabalho como guarda.

O sonho africano

Em 1998, quando foi a primeira vez a Moçambique — onde agora vivem 23 mil portugueses —, o marido sentiu “amor à primeira vista”, conta Salomé Sebastião, que há 19 meses, diariamente, se multiplica em contactos para tentar saber o que aconteceu ao marido. Nessa viagem exploratória, os dois perceberam logo o que ia acontecer. “O Américo ficou apaixonado pela dimensão, pelo espaço, pelas oportunidades.” Tinha 30 anos e dois filhos pequenos, com cinco e dois anos. Em 2001, já estava na Beira. “Levava uma mala cheia de sonhos”, diz Salomé, que fala sempre assim, com frases curtas, entre o poético e o pragmático. Começou por comprar e vender milho, mas o objectivo sempre foi o gado. “’Fazer agricultura e gado não é trabalhar’ — é o que o Américo diz sempre.”
Em 2003, conseguiu a primeira concessão, de uma quinta perto de Búzi, conhecido pela produção de cana-de-açúcar. “As coisas foram crescendo e o Américo foi vendo como podia fazer crescer o seu objectivo — que era sempre o gado. Acabou por ir para [o negócio] da floresta porque achou que era a melhor forma de aumentar o investimento no gado, que é o que ele gosta mesmo. A floresta não é um negócio fácil. Exige licenças, equipamentos muito caros — tractores, bulldozers, camiões de transporte.”
Como previsto, o negócio cresceu e hoje explora 200 mil hectares de floresta, além de 10 mil hectares de propriedades agrícolas, onde planta caju e tem três mil cabeças de gado. Há ainda um DUAT (Direito do Uso e Aproveitamento da Terra) aprovado para agricultura na Gorongosa, que ainda está por explorar. “Temos cerca de 300 trabalhadores”, diz Campeão. Com tempo, expandiu o negócio com os seus sócios, um português e um moçambicano. “Mas o Américo começou tudo sozinho.” Agora, com os filhos, ia começar a internacionalizar as empresas.
A vida africana de Américo Sebastião conta-se por “histórias de superação”, diz Salomé. “História de concentração na solução. O Américo diz sempre que o que o faz mover é resolver problemas.” A mulher descreve-o como um optimista, que “não perde tempo com pensamentos sinuosos”, nem com “pessoas com objectivos ocultos”. “Gosta da verdade, da frontalidade e da simplicidade.”
Onde dormia quando andava por Sofala de um lado para o outro? Campeão responde a rir: “Em qualquer lado! Ele é um homem muito simples. Às vezes dormia até na carrinha! Dormia em qualquer sítio, num acampamento, nos terrenos. O Américo é uma pessoa muito simples. Não precisa de luxos. E tem sempre aquele sorriso na cara.”

Depois de 19 meses e de centenas de démarches, “Portugal está em permanente contacto, a todos os níveis possíveis (Governo, embaixada, autoridades competentes na área da Justiça e Segurança Interna), com Moçambique, oferecendo toda a colaboração necessária”, disse o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Tem sido “prosseguida uma política de sensibilização dos actores multilaterais como as Nações Unidas, União Europeia e organizações não-governamentais em Moçambique”. “De acordo com as autoridades moçambicanas, a investigação prossegue, mas infelizmente sem que até agora tenha chegado a resultados concretos.”
“Infelizmente” é uma palavra que surge muitas vezes nesta história. “Infelizmente, esta é uma história frequente em África”, diz um diplomata com anos de experiência neste continente. “Mas isso não lhe retira o carácter hediondo.”
O Governo de Moçambique, uma vez mais, não quis responder a nenhuma das perguntas enviadas pelo PÚBLICO.





PÚBLICO

Saturday, 17 February 2018

"Não à eleição indirecta nas autarquias e nas províncias”


Um grupo de cidadãos que esteve reunido na quinta-feira defendeu que não se deve abandonar a eleição directa, porque não é a causa da discórdia entre o Governo e Renamo e não vai resolver o problema da guerra. Está em curso o processo de revisão da Constituição da República, para acomodar o consenso alcançado entre Filipe Nyusi e o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, no contexto da busca da paz. Um dos pontos que vai levar à revisão da Constituição é a alteração do modelo de eleição do presidente do Conselho Municipal, que deve passar do modelo directo para o modelo indirecto. Esta pretensão está a ser rejeitada por quase todos os sectores da sociedade. Primeiro, porque, se não passar por um referendo, tem o potencial de violar o Artigo 292 da Constituição vigente. Além disso, há um entendimento de que este assunto nunca foi motivo de discórdia entre o Governo e a Renamo e, por isso, nunca foi um perigo para a paz. Esse é o entendimento de António Frangoulis e de Salomão Moyana. “Este projecto representa um compromisso para acabar com a paz militar, para se deixar de tratar os assuntos por via armada”, disse o jornalista Salomão Moyana, que recuando no tempo, lembra que as negociações entre o Governo e Renamo resultam da rejeição dos resultados das eleições de 2014 pela Renamo, que, ao mesmo tempo, exigia governar as províncias onde teve maioria de votos. Salomão Moyana recorda que a eleição dos governadores era umas das principais reivindicações para o calar das armas e acrescenta que em nenhum momento das negociações a Renamo e o Governo fizeram referência ao modelo de eleição do presidente do Conselho Municipal como causa da discórdia. “É preciso afastar as autarquias do resto do projecto”, propõe Salomão Moyana. O projecto já esta na Assembleia da República, a ser analisado pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direito Humanos e de Legalidade, para depois elaborar um parecer. O consenso entre Nyusi e Dhlakama não passou por nenhum tipo de consulta. Salomão Moyana diz que há duas formas de lidar com este assunto. A primeira consiste em se recorrer ao n.o 2 do Artigo 292 da Constituição vigente, para um referendo onde o povo vai dizer se quer que seja alterado este modelo. Salomão Moyana diz que duvida de que Nyusi e Dhlakama queiram o referendo. A segunda, forma de lidar com este assunto coniste em que a sociedade deve chegar junto da Assembleia da República, que tem agora o projecto, e falar com Nyusi e Dhlakama, para desistirem da sua pretensão. A Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direito Humanos e de Legalidade promete elaborar o parecer sobre a revisão da Constituição dentro dos próximos quinze, dias para submetê-lo a debate. O presidente daquela Comissão, Edson Macuácua, não disse se o parecer que vai ser elaborado pela Comissão vai ter em conta outras opiniões. “A saída é afastar as autarquias do consenso, porque nunca foram parte do dissenso”, afirmou Salomão Moyana. “Vamos abandonar esta apetência de aspiração marxista-leninista” Por seu turno, António Frangoulis, jurista e membro do MDM, que alinha no mesmo pensamento de Salomão Moyana, defende que a iniciativa de Nyusi e Dhlakama “nunca deve negar ser aperfeiçoada”, porque “não fomos ouvidos.” “Não sei até que ponto esta questão periclitava ou contribuirá para pôr em causa a paz”, disse António Frangoulis e acrescentou que não acredita que a mudança do modelo de eleição do presidente do Conselho Municipal vá trazer paz. António Frangoulis considera que é indiscutível que se tenha de recorrer ao referendo, mas entende que “no lugar do referendo, o melhor era abandonar esta apetência centralizadora de aspiração marxista-leninista”. Esta proposta é criticada por tirar ao povo o direito de eleger directamente os presidentes dos Conselhos Municipais e por reforçar os poderes dos partidos políticos, uma vez que passam a exercer maior domínio sobre estes, visto que foi o partido que os colocou como presidentes dos Conselhos Municipais. Salomão Moyana e António foram oradores, ontem, numa mesa redonda com o tema: “Análise das implicações da proposta de descentralização na consolidação da paz, governação inclusiva e democracia multipartidária em Moçambique”, organizada pelo Instituto para a Democracia Multipartidária. (André Mulungo)

CANALMOZ – 16.02.2018, no Moçambique para todos

Friday, 16 February 2018

Família de português raptado em Moçambique pede diligências a partidos parlamentares


A família de Américo Sebastião, empresário português raptado em Julho de 2016 na província moçambicana de Sofala, pediu diligências aos grupos parlamentares de Frelimo, Renamo e MDM, disse hoje à Lusa a sua mulher, Salomé Sebastião.
Nas cartas enviadas para a Assembleia da República de Moçambique, a família do empresário, raptado por elementos de forças de segurança moçambicanas, de acordo com testemunhos, pede aos deputados que dêem "o necessário impulso à resolução da situação" de Américo Sebastião, que continua desaparecido.
"Após mais de um ano e meio de diligências levadas a cabo pela família, pelo Estado português e por outras entidades e organizações internacionais, continuamos a não ter da parte de Moçambique quaisquer respostas concretas", lê-se nas cartas.
A família assinalou que "é importante ir além de comentários gerais e avançar com resultados e soluções", lembrando que, em maio de 2017, também se dirigiu ao parlamento moçambicano com uma petição e não obteve "qualquer notícia relativamente à tramitação".
De acordo com Salomé Sebastião, que recebeu as confirmações de recepção, as cartas dirigidas aos presidentes das bancadas parlamentares de Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e Movimento Democrático Moçambicano (MDM) "foram entregues hoje na Assembleia da República de Moçambique".
As cartas da família sucedem à reunião no Grupo de Trabalho da ONU sobre os Desaparecidos Forçados ou Involuntários, em Bruxelas, na passada sexta-feira, e às reuniões de Salomé Sebastião com os grupos parlamentares portugueses do PSD, CDS-PP e BE.
Foram igualmente solicitadas reuniões para abordar o desaparecimento de Américo Sebastião com os restantes partidos representados no parlamento português: PS, PCP, Os Verdes e PAN.
A família vai realizar uma petição pública - intitulada Free Américo - para que, caso ultrapasse as 4.000 assinaturas, possa ser levada ao plenário da Assembleia da República, em Portugal.
Na recepção do Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, ao corpo diplomático no país, em 22 de Janeiro, a embaixadora de Portugal em Maputo referiu que Portugal tem mantido uma "intensa relação" com as autoridades moçambicanas para averiguar o que se passou com Américo Sebastião.
"Continuamos a trabalhar com as autoridades moçambicanas, com as quais temos tido uma intensa relação no sentido de apurar exactamente o que se passa com o cidadão que está desaparecido", disse a embaixadora Maria Amélia Paiva.
Américo Sebastião foi raptado numa estação de abastecimento de combustíveis, em 29 de Julho de 2016, em Nhamapadza, distrito de Maringué, província de Sofala, no centro do Moçambique.
Segundo a família, os raptores usaram os créditos de débito e crédito para levantarem "4.000 euros", não conseguindo mais porque as contas foram bloqueadas logo que foi contactado o desaparecimento.
A eurodeputada Ana Gomes expôs o caso a Federica Mogherini, Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, que manifestou preocupação, frisando que "a situação em Moçambique está a ficar complicada do ponto de vista da segurança".
Salomé Sebastião abordou já o desaparecimento do marido, de 49 anos, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa.

LUSA – 15.02.2018

Tuesday, 13 February 2018

PR submeteu pacote da descentralização à AR

O Presidente da República, Filipe Nyusi, já submeteu à Assembleia da República a proposta de descentralização do poder, resultante dos consensos alcançados no processo de diálogo sobre a paz com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
Em comunicado enviado à nossa redacção, o Chefe do Estado refere: “apraz-me comunicar que o documento, resultante dos consensos, e tal como havia prometido, foi submetido à Magna Casa do Povo, a Assembleia da República, órgão de soberania competente para, sintetizando as aspirações dos moçambicanos, decidir sobre a matéria”.
Filipe Nyusi admite que a descentralização é um processo susceptível de aprimoramento, e apela a todas as forças vivas da sociedade a contribuírem para o sucesso da “vontade de todo o povo moçambicano”.



O Pa
ís

Tuesday, 6 February 2018

Economist: Estratégia de Moçambique sobre dívida oculta “não é particularmente convincente” Jornal Económico com Lusa 04 Fev 2018 A Economist Intelligence Unit (EIU) considerou hoje que "não é particularmente convincente" a estratégia de Moçambique de mostrar que quer punir efetivamente os responsáveis nacionais pelas dívidas ocultas do Estado.




A Economist Intelligence Unit (EIU) considerou hoje que "não é particularmente convincente" a estratégia de Moçambique de mostrar que quer punir efetivamente os responsáveis nacionais pelas dívidas ocultas do Estado



“O Governo vai tentar argumentar que a ação legal da Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstra a capacidade de responsabilizar os envolvidos, mas isto não é particularmente convincente”, argumentam os peritos da unidade de análise da revista britânica The Economist.
Numa análise ao recente pedido de responsabilização financeira dos gestores públicos e das empresas do Estado que contraíram uma dívida oculta de dois mil milhões de dólares entre 2013 e 2014, enviada aos investidores e a que a Lusa teve acesso, os analistas mostram-se descrentes num desfecho positivo.
“A ação legal da PGR é pequena com um foco muito limitado”, escrevem os analistas, lembrando que “o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, que foi identificado pela Kroll como o signatário das garantias soberanas ilegais, não está incluído na ação da PGR”.
De resto, acrescentam os analistas, “nem a antiga secretária permanente do Ministério das Finanças, Isaltina Lucas, atualmente vice-ministra das Finanças, que, segundo a Kroll, é suspeita de ter ajudado a que os empréstimos fugissem ao escrutínio do FMI”.
Para os analistas da Economist, “mesmo que as ações legais se tornem mais agressivas, é duvidoso que isso satisfaça o FMI e os outros doadores”.
Isto porque, concluem os analistas, “as dúvidas sobre a independência das instituições públicas em Moçambique, incluindo o poder judicial, tornam improvável que o FMI abrande as suas exigências de transparência, mesmo que as futuras investigações da PGR levem a declarações sobre a identificação dos beneficiários dos empréstimos”.
A dívida de dois mil milhões de dólares – num episódio conhecido como escândalo da dívida oculta – foi contraída em 2013 e 2014, durante a presidência de Armando Guebuza, por três empresas públicas detidas pelo Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE): a Ematum, supostamente dedicada a uma frota de pesca, a Proindicus, de segurança e vigilância marítima, e a MAM, ligada à manutenção naval.
Uma auditoria da consultora internacional Kroll pedida pela PGR e divulgada em junho do ano passado descreve as firmas como uma fachada, sem planos de gestão credíveis, e implica vários detentores de cargos públicos em todo o processo, sem os nomear.
A Kroll queixa-se ainda de lhe ter sido negado acesso a informação relevante para perceber para onde foi o dinheiro, sob justificação de ser material sensível relativa à segurança do Estado.
Este caso levou ao corte do financiamento externo por parte do FMI e dos doadores internacionais e a uma descida dos ‘ratings’ atribuídos ao país, no seguimento do incumprimento financeiro do Estado sobre a emissão de dívida soberana e sobre os empréstimos destas empresas.


Monday, 5 February 2018

Coreia do Norte usa Moçambique para violar sanções da ONU






A Coreia do Norte tem estado a violar sanções impostas pela ONU, através de empresas fantasmas, cooperação militar e treino de forças de elite no país.
Segundo revela a CNN, as práticas ilícitas acontecem no Porto de Maputo, através de dois barcos ali atracados enferrujados, nomeadamente, Susan 1 e Susan 2. Os barcos são fáceis de mover e camuflar e actualmente ostentam a bandeira da Namíbia, país também apontado como envolvido no esquema.
A CNN revela ainda que os barcos usaram da pesca para exportar produtos como o carvão, cuja origem é disfarçada com documentação fraudulenta.
A ONU já tinha reportado anteriormente ligações da Coreia do Norte com Moçambique, que envolviam cerca de 6 milhões de dólares através de uma empresa de fachada chamada Haegeumgang. A CNN revela ter localizado o edifício cor de salmão onde antes funcionava a empresa. Esta encontra-se na avenida Mao Tse-tung, em Maputo.
O dinheiro é canalizado através de diplomatas norte-coreanos na região para Pyongyang. Oficiais norte-americanos sustentam que o dinheiro resultantes de parcerias de negócio vão diretamente para o fundo secreto nuclear do líder norte-coreano, King Jong-Un, conhecido como Office 39.
A ONU impõs novas sancões à Coreia do Norte em Dezembro último, numa resolução em que proibia quase 90% das exportações para o país e exigiu o repatriamento de norte-coreanos que trabalhavam fora do país, dentro de 24 meses. As sanções surgiram como medida de isolamento, para travar os frequentes lançamentos de mísseis balísticos da Coreia do Norte.
Ainda no ano passado, Moçambique já tinha sido acusado pelo Conselho de Segurança da ONU, de estar envolvido na compra de armamento da Coreia do Norte. Na altura, o ministro da Defesa Nacional, Atanásio M’tumuke, refutou todas as acusações,
M’tumuke foi apoiado pelo então ministro dos Negócios Estangeiros e Cooperação, Oldemiro Balói, que negou qualquer compra de equipamentos militares da Coreia do Norte, tendo admitido, no entanto, que Moçambique recebeu apoio militar da Coreia do Norte. O País